Reinaldo Azevedo

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Opinião

Congresso aprovará PEC da droga, mas terá de distinguir consumo de tráfico

O Supremo deve retomar nesta terça o julgamento da constitucionalidade ou não do Artigo 28 da Lei Antidroga (11.343), que considera crime transportar ou trazer consigo, "para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".

Como está o placar? Cinco ministros consideram que a criminalização — que, de qualquer modo, já não rende cadeia se for para consumo (ainda volto ao ponto) — fere a Constituição: Gilmar Mendes, Rosa Weber (que já deixou o tribunal), Edson Fachin, Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. O julgamento se restringe à maconha, não às demais drogas ilícitas.

Entendem que a lei é constitucional Christiano Zanin, Nunes Marques e André Mendonça. Dias Toffoli divergiu dos dois grupos: avalia que o texto é compatível com a Carta, mas entende que já não se trata de criminalização, e sim de sanção da natureza administrativa. Devem se posicionar nesta terça Luiz Fux e Cármen Lúcia. Flávio Dino está fora do embate porque entrou no lugar de Rosa, que já havia votado.

O QUE PREVÊ MESMO A LEI 11,343?
O que prevê a Lei 11.343 para quem transporta ou porta droga para consumo? Lembro:
I- advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

A íntegra da lei ESTÁ AQUI. Ficando caracterizado o consumo, não há hipótese de prisão, nem mesmo na hipótese de não cumprimento de medidas socioeducativas. Cabe no máximo multa. As penas previstas nos Incisos II e III podem ser aplicadas por, no máximo, cinco meses. Havendo "reincidência", seriam 10 meses, mas jurisprudência do STJ já decidiu que porte de droga não gera... reincidência.

Então por que tanto barulho?

A verdade é que esse Artigo 28 da Lei Antidroga é, digamos, uma... droga. Ele é, sim, correto quando não prevê cadeia para o simples consumo. O Parágrafo 7º, também de modo adequado, trata a dependência como uma questão de saúde, não de polícia. Lá se lê: "O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado."

Como vocês sabem, está na disposição legal, mas o Estado brasileiro não dispõe de tais estabelecimentos. Nem existe dinheiro para tanto. Adiante.

O mesmo Artigo 28, no entanto, traz a semente do mal:
"§ 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente."

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É aí que está o busílis. Como inexiste uma quantidade a distinguir o consumo do tráfico, a diferença entre uma coisa e outra, frequentemente, está na cor da pele do portador — e, pois, na subjetividade dos que decidem. Nada menos de 31 mil pessoas pardas e pretas, por exemplo, foram enquadradas como traficantes em situações similares àquelas em que brancos foram tratados como usuários pela Polícia de São Paulo. As informações estão em um estudo do Núcleo de Estudos Raciais do Insper. Os autores — Daniel Duque, Alisson Santos e Michael França — analisaram 3,5 milhões de boletins de ocorrência feitos de 2010 a 2020 pela polícia de São Paulo. Moraes citou tal estudo em seu voto.

E assim é no Brasil inteiro.

A QUANTIDADE
O julgamento em curso do STF também se debruça sobre a quantidade. Mesmo ministros que entendem que o porte para consumo deve continuar a ser crime votaram pela definição de uma linha de corte que separe consumo de tráfico. Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Rosa Weber falaram em 60 gramas; Zanin e Nunes Marques, em 25g. Fachin e Mendonça acham que a decisão tem de ser do Congresso, mas o segundo, ainda assim, sugere 10g. Dias Toffoli propõe que Executivo e Legislativo cheguem a um entendimento em 18 meses.

Vamos ver como se posicionam hoje Fux e Cármen.

A PEC DE PACHECO
O senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Congresso, assina a PEC 45, já aprovada no Senado e na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, que acrescenta o Inciso LXXX ao Artigo 5º da Constituição, com a seguinte redação:
"LXXX - A lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar."

Então vai acontecer o quê?

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Vamos ver. Enquanto não se proclama o resultado, ministros podem mudar de posição. Observem que a Proposta de Emenda à Constituição de Pacheco não altera o conteúdo da Lei 11.343. Assim, o porte para consumo continuará a não levar ninguém para a cadeia. Mas surgem algumas questões.

Caso se forme uma maioria no STF pela descriminação e caso a Câmara aprove a PEC -- E VAI APROVAR --, pergunta-se: vale o julgado do tribunal ou a decisão do Congresso? O andamento em curso tem lá seu exotismo. Se vocês notarem, quem vai acabar aprovando uma espécie de Ação Declaratória de Constitucionalidade, que é uma prerrogativa do STF, é o Parlamento. Noto:
1 - a despeito da estranheza, entendo que vale o que o Congresso aprovar. Ainda que se forme uma maioria no STF pela inconstitucionalidade da criminalização do Artigo 28, ele passa a ser constitucional a partir da aprovação da PEC. E não vejo como a própria emenda possa ter sua constitucionalidade questionada;
2 - por ora, tem-se uma maioria em favor da definição de uma quantidade que faça a diferença entre consumo e tráfico, embora essa distinção não se limite aos gramas de maconha, já que é preciso levar em conta outras circunstâncias. Convenham: tentar entrar com a droga num presídio, por exemplo, é coisa distinta de tê-la no bolso para fazer alguns cigarros;
3 - descriminar ou não o porte é, sem dúvida, tarefa do Congresso. Garantir que a lei seja igualmente aplicada para todos, sem distinção de cor da pele, instrução ou classe, é, sim, uma tarefa indeclinável do Supremo.

QUAL O CAMINHO?
Parece-me que um caminho que harmonize a vontade do Legislativo com o imperativo de aplicar a lei de forma igualitária impõe que o STF chegue a uma decisão modulada. Assim:
1: aprovada a PEC da criminalização, nada há que o STF possa fazer;
2: mesmo o Congresso aprovando tal proposta, está obrigado -- e isto o STF pode lhe impor -- a definir uma quantidade que faça a distinção entre consumo e tráfico;
3: enquanto o Congresso não votar essa distinção, vale para a maconha o que for definido pelo Supremo, porque isso passa a ser um pressuposto da aplicação igualitária da lei.

O Congresso pode, sim, dizer: "Criminalizar ou não o consumo é prerrogativa nossa!" Ok. Mas esse mesmo Congresso NÃO PODE dizer: "Temos o direito de manter uma aplicação da lei que pune pretos e preserva os brancos".

ENCERRO
"Reinaldo, nesse caso da quantidade, o 'não votar' também não é um 'um votar', de modo que o Congresso Brasileiro teria decidido não decidir? Isso também não é uma escolha?"

Acho que o raciocínio está correto para um monte de coisas. Pensem na infinidade de temas que não são objetos de deliberações legais. Quando, no entanto, a omissão resulta em discriminação, ferindo o fundamento da igualdade perante a lei, aí inexiste a escolha de não decidir.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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