Reinaldo Azevedo

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Opinião

Trump na convenção: farsa, deportações em massa, petróleo e salvacionismo

Ele até que fingiu tentar... Donald Trump falou por 93 minutos no discurso em que "aceitou" a indicação do Partido Republicano para a Presidência dos EUA, a mais longa manifestação em discursos dessa natureza. Em muitos momentos, a fala se transformou numa arenga de autocongratulação e autossatisfação. Fosse um exercício erótico, seria masturbação em público. De qualquer modo, a assistência estava ali para se excitar com a exposição narcísica. Eu diria que houve menos momentos de êxtase do que imaginavam — e até do que imaginávamos os que acompanhamos o troço por dever profissional, ainda que estomagados. Quando falou do atentado que sofreu e de como sobreviveu — por vontade de Deus, é claro! —, houve uma ameaça de transe. Mas foi breve. E ele anunciou as duas coisas que vai fazer no primeiro dia se eleito: fechar as fronteiras e perfurar poços de petróleo.

A página da CNN americana na Internet fez um levantamento de todas as mentiras que contou. Impressiona. O tiozão do churrasco — de hambúrguer; picanha é para aquele povo forte abaixo do Equador... — segue sendo o generalista sobre o nada de sempre, mas se tornou o dono inconteste do Partido Republicano. Não tem compromisso com os fatos; fala o que lhe dá na telha; conta lorotas com uma determinação fanática e, vai saber..., talvez acredite nas bobagens que diz. Ainda que apenas simule a crença, sabe que há milhões que transformam seus disparates em palavra revelada.

Chegou a falar em união e disse que não quer governar apenas para metade dos EUA:
"Estou diante de vocês esta noite com uma mensagem de confiança, força e esperança. Daqui a quatro meses teremos uma vitória incrível e daremos início aos quatro maiores anos da história do nosso país. Estou concorrendo para ser presidente de toda a América, não de metade da América. Porque não há vitória em vencer para metade da América. Portanto, esta noite, com fé e devoção, aceito orgulhosamente a sua nomeação para presidente dos Estados Unidos".

Era para valer? Obviamente, não. Mais de uma vez, no curso de seu longuíssimo discurso, deixou claro que só um resultado é aceitável: a sua vitória. Nesse sentido, repete a fala autoritária da campanha de 2020 e se mostra disposto a não aceitar, mais uma vez, o resultado caso lhe seja adverso. Ninguém acredita que isso possa acontecer se Joe Biden seguir na disputa. Mas parece haver sinais de que pode desistir. E aí se estará diante de uma nova situação.

O republicano ainda afirmou:
"O Partido Democrata deveria parar imediatamente de usar o sistema de Justiça como arma e de rotular os seus adversários políticos como inimigos da democracia, especialmente porque isso não é verdade. Na realidade, sou eu quem está salvando a democracia para o povo do nosso país."

OS IMIGRANTES
Qual é o plano de governo de Trump? Este:
"Nenhuma nação questionará nosso poder. Nenhum inimigo duvidará do nosso poder. Nossas fronteiras estarão totalmente seguras. Nossa economia irá disparar. Devolveremos a lei e a ordem às nossas ruas; o patriotismo às nossas escolas e, mais importante, restauraremos a paz, a estabilidade e a harmonia em todo o mundo."

Para alcançar esse intento, é preciso eleger um inimigo, além dos democratas. Dedicou um bom tempo a demonizar os imigrantes, que seriam responsáveis, segundo disse, por "dezenas de milhares de assassinatos". É um assombro. Afirmou que a criminalidade cresce nos EUA, enquanto declina no resto do mundo. As várias agências de checagem atestam: é apenas uma de suas mentiras.

Dados preliminares do FBI, informa o site da CNN, apontam uma queda de 13% nos assassinatos em 2023 e de 6% nos crimes violentos na comparação com 2022. Os números estão abaixo dos registrados em 2020, último ano da gestão Trump. Os índices relativos ao primeiro trimestre de 2024 são ainda mais eloquentes quando comparados com igual período do ano anterior: declínio de 26% nos homicídios e de 15% dos crimes violentos. E Trump, "o moderado", prometeu, sem receio, "a maior deportação em massa da história do país":
"[Deportações] Ainda maiores do que as do presidente Dwight D. Eisenhower de muitos anos atrás. Vocês sabe: ele era um moderado, mas acreditava fortemente nas fronteiras. Ele fez a maior operação de deportação que já tivemos."

Trump já havia feito essa afirmação no ano passado. Para lembrar: a "Operação Wetback", levada adiante por Dwight Eisenhower em 1954, deportou 1,4 milhão de indivíduos, especialmente mexicanos, mas também levou o terror a famílias já americanas com raízes no México e em outros países da América Latina. Diz o candidato que pretende fazer coisa ainda maior, além de erguer o muro.

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DE NOVO, A SUPOSTA FRAUDE
O candidato que mentiu sobre praticamente todos os temas em que tocou voltou a acusar fraude nas eleições de 2020, sustentando que eles -- os democratas -- usaram a covid para trapacear, à medida que houve uma facilitação do voto pelos correios, sem nenhuma evidência de irregularidade. Não obstante, Trump e os trumpistas entraram com mais de 50 ações na Justiça para anular votações.

Eis o cara que diz querer unir o país.

Outra ideia força do seu discurso é o incentivo à exploração de petróleo, porque, disse, a América precisa da energia para ser grande outra vez. Aliás, ele prometeu fazer duas coisas logo no primeiro dia de mandato: "Perfurar [poços de petróleo] e fechar nossas fronteiras".

"A PAZ DE TRUMP"
E, claro!, com ele o mundo ficará em paz:
"A guerra está agora a assolar a Europa e o Oriente Médio, e essa administração [Biden] está longe de resolver o problema".

Repetiu, na prática, a ladainha de que, com ele, os conflitos da Ucrânia-Rússia e Israel-Hamas nem teriam começado, orgulhando-se, ainda, da interlocução que manteve, quando presidente, com o Kim Jong-Un e com o Talibã. Sobre o ditador norte-coreano, mandou ver:
"Eu me dou bem com ele; ele também gostaria de me ver de volta. Acho que ele sente minha falta, se você quiser saber".

Elogiou ainda a firmeza de "Viktor Orbán", o primeiro-ministro autocrata da Hungria e um dos principais aliados de Vladimir Putin no mundo. Não erra quem apostar que Trump, se vencer, vai negociar a "paz" com a Ucrânia na linha: "Chega dessa conversa; entreguem os territórios ocupados à Rússia porque preciso do dinheiro que sustenta a guerra para fazer a América grande outra vez". Quanto ao Oriente Médio, a má notícia restará para os palestinos: Israel receberá carta branca para continuar o massacre, que já perpetra hoje sem ela.

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No mais, diz que vai "proteger" a economia e os empregos americanos, e isso significa que pretende intensificar a política protecionista em curso. O alvo principal é a China. E o resto do mundo. Na sua "América Grande" parece não haver lugar para o que América não for.

Se há alguma esperança, está na suposta disposição de Biden de desistir. Trump está certo de que Deus o livrou da bala. E, pois, deve julgar que seus planos para o futuro são inspirados pelo "Senhor" — aquele Deus, vocês sabem, que odeia imigrantes e democratas...

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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