Os sequestradores do Orçamento e da Constituição seguem chantageando o país
Já escrevi ontem aqui e reitero: o governo está sendo vítima de chantagem a céu aberto promovida pelo "regime sequestrista". É mentira que jabuticaba e besteiras só existam no Brasil. Uma e outra coisa se espalham países afora — mais a besteira do que a jabuticaba. Mas é certo: o "sequestrismo" como um regime de governo, ah, isso é coisa nossa, como a pororoca do Amazonas. Com uma diferença: o fenômeno natural é uma lindeza; o político é coisa de organização criminosa.
Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, disse ontem que ainda não há maioria para aprovar o pacote de corte de despesas do governo. Atribuiu a dois fatores: ao mérito das propostas e ao descontentamento dos sequestradores com as exigências que o ministro Flávio Dino, do STF, teria imposto para a liberação de emendas.
Emprego o verbo no futuro do pretérito composto porque é preciso fazer uma correção e um pedido de atenção também à imprensa: Dino não fez "novas exigências", como cheguei a ler, coisa nenhuma! Ele se limitou a lembrar em sua decisão o que havia sido acordado na reunião com representantes dos Três Poderes para que o pagamento de emendas passasse a atender aos fundamentos impostos pela Constituição. Quem não cumpriu o combinado foi o Congresso, como deixou claro a consultoria do próprio Senado.
Espalhou-se a mentira grotesca de que Dino agia em dobradinha com o Planalto. Bem, também isso é mentira. O governo nunca foi nem muito simpático às restrições porque anteviu dificuldades pela frente. Bem, meus caros, dizer o quê? Temos de decidir se queremos nos deixar chantagear por uma forma de organização criminosa que atua contra os interesses do país.
Leiam o noticiário de ontem sobre a Operação Overclean. Para onde quer que se olhe, o que se tem é um esquema que favorece tanto a roubalheira como a constituições de elites políticas tendentes a se perpetuar no poder não por força da sua ação política, mas em razão do assalto aos cofres públicos. Em democracia nenhuma do mundo o Congresso executa o Orçamento. No Brasil, tem mais de 20% do que sobra ao Executivo de recursos discricionários, emprega esse dinheiro como quer, com mecanismos precários ou inexistentes de rastreabilidade, escondendo, muitas vezes, o autor da proposição. Provocado por uma ADPF do PSOL, o Supremo ousou pedir o cumprimento da Constituição, e o mundo veio abaixo. Escrevo de novo: quem rompeu o acordo que fez com os outros Dois Poderes foi o Legislativo.
FALA CONFUSA DE LIRA
Pois bem... Como muitos "patriotas" estão descontentes com o STF, houveram por bem retaliar o... Executivo. E, assim, ameaçam não votar o pacote. Ontem, falando com a imprensa, Arthur Lira (PP-AL), o monarca da Câmara, estava irritadiço:
"[o pacote de redução de despesas] Não tem votos. O assunto é polêmico, BPC é polêmico, abono é polêmico, salário mínimo é polêmico. É um assunto que ferve, além de toda insatisfação com o não cumprimento de uma lei que foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República".
E ainda:
"O primeiro problema é de mérito e depois todo esse contencioso que está havendo, não é escondido, entre as decisões do Supremo, as votações do Congresso e as decisões do Executivo. Isso precisa de maneira muito equilibrada, calma, sem nenhum tipo de tensão externa, ser solucionado. E eu espero que seja".
Mais um pouco:
"[os parlamentares] "são os mais indicados a fazer indicações de emendas" (...) [que cada um dos Poderes] "fique restrito a suas atribuições constitucionais. Quando isso se desequilibra, dá esse tipo de problema. Não é crítica a ninguém".
Falou em possíveis mudanças no texto do governo:
"Pode ser que o Congresso decida por uma outra vertente e escolha outro caminho. Quando o processo for 'startado' [iniciado] a gente pode ter uma ideia mais clara. O texto estático, que veio do governo, tem recebido muitas críticas: ou de ser abaixo das expectativas do mercado ou de acima das expectativas de interesses sociais."
A fala de Lira é confusa. É visível que o presidente da Câmara dá mais vazão à insatisfação do Congresso com a questão das emendas do que propriamente ao mérito do pacote de redução das despesas.
Quanto à questão de mérito, é certo que os deputados progressistas não gostam de votar restrições a benefícios sociais. Por eles, não haveria mudança nas regras de reajuste do mínimo sem se imporiam mudanças ao modo como se paga hoje o BPC. Mas pergunto: são eles que estão criando impedimentos para a votação dos textos? A resposta é "não".
Ainda sobre o mérito, considere-se: quais são as correntes de parlamentares que rejeitariam o pacote porque o considerariam muito modesto no corte de gastos? É certo que há um grupo que não veria problema nenhum em passar o facão nos gastos com saúde e educação ou que imporia ao mínimo e às aposentadorias apenas a correção da inflação. Mas se pergunte o óbvio com resposta óbvia: se um conjunto de medidas bem menos draconianas encontra resistência, por que os senhores congressistas colocariam suas digitais em ações muito mais duras? É uma linha de raciocínio que não faz sentido. Nota à margem: a isenção de IR para quem recebe até R$ 5 mil não integra o conjunto de medidas. É coisa para ser votada no ano que vem.
PORTARIA
O governo publicou ontem à noite uma portaria para a liberação de emendas, adequando-a às exigências do STF -- que, lembre-se de novo, foram acordadas entre os Três Poderes.
Há um quê de surrealista, de incompreensível mesmo (ou de absurdamente explícito), na reação de setores do Congresso: por que a resistência aos critérios de transparência? Qual a razão para que não se identifique o patrocinador de uma emenda? Se uma emenda PÌX, que vai diretamente para o caixa das Prefeituras, não pode ter um "plano de trabalho", a dificuldade se deve a quê? Seria a inexistência de tal plano justamente o caminho da lambança? As ONGs, se realmente existem, não podem ter um site em que exponham em que gastam os muitos milhões que recebem? Por que não?
CONCLUO
A verdade é que a irritação de setores do Congresso com o Supremo -- e a consequente chantagem que passaram a fazer com o governo -- tem a ver com o fato de que o tribunal chegou ao "é da coisa". A exposição à luz do sol do "sequestrismo", que é o regime de governo que passou a vigorar no Brasil, evidencia que uma parte do Legilsativo atua contra o povo. E muitos dos valentes não hesitariam um minuto em impor sacrifícios adicionais aos pobres.
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