Reinaldo Azevedo

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Opinião

Lula pós-cirurgia: golpistas, reforma tributária, corte de gastos e juros

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu ontem uma entrevista ao Fantástico — claro, claro, "uzmercáduz" devem chiar porque ele criticou a taxa de juros... Afinal, sabem como é, o Banco Central, além de autônomo, também tem de ser tratado como a manifestação na Terra da sarça ardente, por intermédio da qual fala o próprio Deus... Nem mesmo se deve olhar para a chama em sinal de reverência. Também lembrou o óbvio: quem decide o destino do pacote de gastos é o Congresso.

Lula chegou a mostrar os curativos na cabeça. Passou a usar um chapéu. Deve ter sido uma dica do brilhante neurocirurgião Marcos Stavalle, a mesma que recebi em 2006. Protege mais do que um boné ou boina porque a aba chega antes no caso de se bater a cabeça por descuido. E também se forma uma área de proteção entre o cocuruto e a copa do chapéu, que nunca fica grudado ao couro cabeludo.

Antes, na coletiva dos médicos, Lula se emocionou, o que é compreensível. Na entrevista a Sônia Bridi, contou seu lado meio indisciplinado, como quase todo paciente:
"(...) A teimosia que tá dentro da gente: voltei a fazer esteira, a fazer exercício (...) Eu fui para o Uruguai, participar do acordo da Reunião do Mercosul e voltei. No domingo, eu estava com dor de cabeça, eu achei que era por causa do sol. Não levei muito a sério. Na segunda-feira, eu comecei a sentir alguns movimentos esquisitos na perna, uma certa lentidão. Aí eu fui trabalhar. Eu estava reunido com o Pacheco, com o Lira e com vários ministros, discutindo a questão do acordo feito na Suprema Corte, quando eu pedi para chamar o doutora Ana [Helena Germoglio, média da Presidência]: 'Eu acho que não estou bem'".

Bem, espera-se que o presidente se comporte melhor desta vez. Ninguém pode desafiar certos limites em casos assim, não importante a idade.

Para a melancolia de alguns e a satisfação de muitos, o presidente está afiadíssimo.

TENTATIVA DE GOLPE
A entrevistadora quis saber se ele estava acompanhando as notícias:
"Eu acompanho sempre. Eu não deixo de acompanhar notícia política porque, depois da cirurgia, pelo menos do ponto de vista de percepção das coisas, de entender as coisas, eu estou totalmente, cem por cento, normal. Eu fiquei acompanhando a notícia política com muita tristeza: saber que pessoas que passaram a vida inteira recebendo dinheiro da União para cuidar da soberania nacional estavam tramando um golpe nesse país é muito triste. É muito triste para quem começou a brigar pela liberdade democrática ainda muito jovem, sabe? Que participou da campanha das diretas muito jovem; que foi para a rua fazer as primeiras greves desse país muito jovem. É muito triste saber que pessoas que chegaram ao cargo de general de quatro estrela montaram uma máquina de fazer maldade nesse país e queriam dar um golpe. Eu perdi quatro eleições. A cada vez que eu perdi eleições, eu ia pra casa chorar minhas mágoas, reclamar e me preparar. Então é muito grave o que eles fizeram. Eu chocado. E eu vou te dizer uma coisa: eu defendo que eles tenham a presunção de inocência que eu não tive. Eu quero que eles tenham todo o direito de defesa. Mas, se for verdade (sic) as acusações, essa gente tem que ser punida severamente".

Lula teve direito de defesa?

Com efeito, um defensor, Cristiano Zanin — hoje do Supremo —, acompanhou os processos doe Lula em todas as suas etapas. Formalmente, ele teve "direito de defesa". Na prática, estava sentenciado antes de qualquer julgamento. Até porque foi condenado sem provas, como afirmei desde o primeiro momento em que li aquela aberração, também gramatical, que Sergio Moro chamou de "sentença".

Segue o desafio que fiz desde o dia seguinte em que aquele troço foi tornado público: mostrem em que página estão as provas. Quando a Moro ser juiz incompetente para a causa, isso ele próprio o confessou em embargos de declaração.

Quando o alarido condena, quando a condenação se dá sem provas e quando a sentença é desferida — a palavra é essa — por um juiz incompetente e suspeito, pode-se dizer que o direito de defesa foi para a cucuia. Lula é o único político brasileiro que permaneceu 580 dias preso em razão de processos posteriormente anulados porque viciados. E ponto.

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REFORMA TRIBUTÁRIA
O presidente comentou as mudanças feitas pelo Senado na reforma tributária, que podem elevar o IVA a 28,5%:
"Veja: nós não queremos fazer uma reforma para aumentar tributo neste país. Nós achamos que, se o Brasil arrecadar corretamente os tributos já estabelecidos por lei, o Brasil vai ter arrecadação suficiente para cuidar das coisas. Agora, essa proposta aprovada pelo Senado vai voltar para a Câmara porque já tinha sido aprovada na Câmara. Então vamos ver. Quando eu voltar, a partir de quinta-feira, eu vou conversar com as pessoas. Vou conversar com [Fernando] Haddad -- possivelmente em casa essa semana -- e eu vou ver o que a gente pode fazer. O que a gente não quer é aumento de tributo"

PACOTE DE GASTOS, JURO E INFLAÇÃO
Lula também analisou o pacote de corte de despesas:
"O pacote foi mandado para o Congresso Nacional, e o Congresso tem soberania para mudar as coisas. Se votar alguma coisa, sabe?, que eu possa mudar, eu posso[tentar] mudar, mas eu não vou poder mudar. Então vamos parar com essa bobagem. Ninguém, neste país, ninguém, Sônia, ninguém -- vou repetir -- ninguém neste país, do mercado, tem mais responsabilidade fiscal do que eu. Não é primeira vez que eu sou presidente da República. Eu já governei este país e entreguei este país crescendo 7,5%; entreguei este país com a massa salarial mais alta deste país. Entreguei este país, sabe?, numa situação muito privilegiada. É isso que eu quero fazer outra vez. E não é o mercado que tem que se preocupar com o gasto do governo. É o governo! Porque, se eu não controlar os gastos, se eu gastar mais do que eu tenho, quem vai pagar é o povo pobre. Então eu quero te dizer o seguinte: nós fizemos aquilo que é possível fazer, mandamos para o Congresso Nacional. A única coisa errada nesse país é a taxa de juros acima de 12% estar acima de 12%. Essa é a coisa errada. Não há nenhuma explicação: a inflação tá 4 e pouco; é uma inflação totalmente controlada, totalmente controlada. Aí a irresponsabilidade é de quem aumenta a taxa de juros todo dia, não é do governo federal. Então amanhã nós vamos cuidar disso também."

COMENTO
Notaram? Tem de ser o presidente a lembrar aquilo que nós, da imprensa, deveríamos destacar todos os dias: quem faz a reforma tributária é o Congresso, não o governo; quem analisa o pacote de corte de gastos e decide o seu destino é também o Parlamento, não o Executivo, como ele mesmo lembrou. E também serão os deputados e senadores a decidir o Orçamento.

É claro que "uzmercáduz" — e a Dona Maria e Seu Zé não têm nada com isso — poderia levar em conta o seguinte trecho da fala do presidente: "Se eu não controlar os gastos, se eu gastar mais do que eu tenho, quem vai pagar é o povo pobre". Se os valentes acordarem dispostos a especular, darão atenção a outro trecho: "A única coisa errada nesse país é a taxa de juros acima de 12%, estar acima de 12%. Essa é coisa errada. Não há nenhuma explicação".

Bem, meus caros, eu concordo com ele. Em 30 anos, de 1995 a esta data, o Brasil teve uma inflação de 3% (centro da meta) ou abaixo em apenas três: 1998, 2006 e 2017. Se a linha de corte for 4%, contam-se apenas quatro anos: além dos três citados, entra 2018.

Lula herdou um centro da meta impossível, de 3,5%, jamais cumprida por Bolsonaro, é claro!, e se cometeu, acho eu, o erro de baixá-lo para 3% na era de um surto inflacionário global. E agora não dá para mudar. Na lógica em curso, não faltará quem veja com bons olhos enforcar pobre com tripa de aposentando para cumprir a meta. Javier Milei não está sendo elogiado por alguns dos nossos "especialistas" por seus especial zelo com os pobrezinhos...

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De todo modo, insista-se: o pacote de gastos está nas mãos do Congresso. Aquele mesmo templo em que parte dos patriotas faz chantagem em cena aberta para manter a esbórnia das emendas, que alimentam esquemas de corrupção por intermédio de obras e ONGs picaretas.

O presidente, felizmente, evidencia que está muito bem. Mas não dá, definitivamente, para invejar o trabalho que tem.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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