Reinaldo Azevedo

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Opinião

Impedimentos: votos de Mendonça têm de ser debatidos; há erros e aberrações

O pleno do Supremo concluiu ontem o julgamento dos agravos sobre impedimento de ministros do Supremo para atuar nos processos que dizem respeito a golpistas. Os únicos votos parcialmente divergentes foram os do ministro André Mendonça. Para lembrar: os defensores de Jair Bolsonaro queriam tirar do julgamento Flávio Dino e Cristiano Zanin alegando que já haviam processado o ex-presidente. Os de Mário Fernandes pediam o afastamento de Dino porque era o ministro da Justiça quando houve o 8 de janeiro. Besteira ignorada. Os de Braga Netto alegaram que Alexandre de Moraes é, na verdade, suspeito para relatar o processo, o que se teria evidenciado com a divulgação da delação de Mauro Cid. Mendonça votou contra o impedimento de Zanin, seu único acerto, notando que ele atuou tão-somente como advogado em causas contra Bolsonaro. Escreveu:
"A subscrição, como advogado, de uma notícia-crime e de uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral, ainda em 2022, não configura, por si só, a hipótese de impedimento."

Nos demais casos, ou acolheu argumentos ou atuou de ofício — fazendo, no caso, o que a defesa queria, mas com outros pressupostos. Suas posições foram esmagadoramente derrotadas, como já se disse, mas me parece que o ministro transita por territórios muito perigosos.

O CASO ALEXANDRE DE MORAES
Sabemos como têm sido tratados os ministros do STF pelo denunciado Jair Bolsonaro, que não tem pejo de subir em palanque para acusar tanto a Corte Constitucional como a Corte Eleitoral de uma conspiração para derrotá-lo e para beneficiar seu adversário. As decisões tomadas pela corte ainda hoje fariam parte da mesma urdidura. As milícias digitais se encarregam de tratar os ministros como bandidos, e no, digamos, "front" externo, em nome do pai, o deputado (?) Eduardo Bolsonaro (PL-SP) se encarrega de buscar punições para o Judiciário Brasileiro.

Pretendo não tratar Mendonça, de cujos votos divirjo profunda e resolutamente, como um pau mandado a serviço do bolsonarismo. E não estou abusando do recurso de acusar pelas negativas. Acho que seus votos estão errados porque ferem a lei, a lógica, os fatos e a prudência. Mais: poucos prestaram atenção ao fato de que ele, na verdade, recusou os argumentos apresentados pela defesa de Braga Netto, que queria a declaração de suspeição de Moraes. Divergiu e reconheceu "de ofício" o impedimento.

Explico: os defensores do general alegaram que, a partir da divulgação da delação de Mauro Cid, o ministro se inabilitou para a função de relator porque, em síntese, teria interferido de maneira imprópria no acordo celebrado pelo tenente-coronel. Vocês se lembram daquela falsa acusação da ameaça feita a Cid por Moraes, quando o ministro cumpriu a sua função e lembrou ao depoente as implicações de um rompimento de acordo.

Mendonça considerou "intempestiva" — imprópria — a petição da defesa e declarou Moraes impedido com base no voto que ele próprio já havia proferido em dezembro do ano passado, também solitário, alegando que o ministro não poderia ser juiz da causa porque era parte do processo.

E repetiu em seu despacho o que escrevera então:
"ao constatar que o eminente Ministro arguido sofreria, direta e imediatamente, consequências graves e tangíveis, como prisão -- ou até mesmo morte --, se os relatados intentos dos investigados fossem levados a cabo, parece-me presente a condição de "diretamente interessado", tal como exigido pelo art. 252, IV, do CPP.
É certo que, sob o ponto de vista formal, o sujeito passivo do crime de organização criminosa é a "sociedade", assim como, quanto aos crimes contra o Estado Democrático de Direito, o sujeito passivo é a "democracia". Entretanto, isso não altera o fato de que, de acordo com o 'iter' cogitado, os atos executórios atingiriam diretamente o e. Ministro Relator."

Vamos lembrar o que diz a disposição citada por Mendonça:
"252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que:
(...)
IV ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito."

ABSURDA GRAVIDADE
É uma argumentação que pisca para a barbárie e, não depende do querer do ministro, para todas as máfias do país, que encontrariam nesse fundamento o caminho para escolher e excluir juízes. Convenham: a mesma porta por onde sairia Moraes, poderiam sair os demais ministros.

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Mendonça é jovem: tem 52 anos e um longuíssimo tempo de tribunal pela frente. Que ninguém apele contra ele às ameaças feitas a Alexandre para tirá-lo, um dia, da relatoria de investigações. Não que ele tivesse de sair, a menos que quisesse, não é mesmo? Afinal, seus colegas o estão poupando do seu próprio voto.

Ademais, considero uma omissão grave que o ministro ignore o Artigo 256 do mesmo código:
"Art. 256. A suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida quando a parte injuriar o juiz ou de propósito der motivo para criá-la."

No dia em que bandido decidir se um juiz permanece ou não relator de uma causa — bastando incluí-lo no rol de ameaçados para afastá-lo —, o Brasil estará sob a égide de dois grandes juristas da escola italiana: Al Capone e Vito Corleone. Enquanto Mendonça contar com colegas de toga prudentes, não serão os bandidos a determinar as suas escolhas. Nem o andamento do tribunal.

O CASO FLÁVIO DINO
O voto em favor do impedimento de Flávio Dino é uma verdadeira construção mental de Mendonça. No caso de Moraes, há uma interpretação literal, ainda que tosca, a ser superada para que não se faça besteira. No de Dino, creiam, nem isso. Há alguns saltos carpados hermenêuticos realmente fabulosos. E há um fato histórico incômodo para o próprio ministro.

A defesa de Bolsonaro alega que Dino processou em 2021 o agora ex-presidente e não poderia, por isso, ser seu juiz. Vamos de novo ao Artigo 252 do Código de Processo Penal? Vamos lá:
"Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que:
I - tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito;
IV - ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito."

Reparem na gramática: o juiz não poderia exercer jurisdição "NO" processo. Logo, o Código não trata de um outro processo qualquer.

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Pois bem. O mais espantoso é que o próprio ministro anui com a argumentação da defesa, que admite que o impedimento de Flávio Dino não está mesmo expresso no Artigo 252 do CPP. O ministro reproduz:
"51. Ainda que não se trate de situação textualmente subsumível a um dos incisos acima reproduzidos (I a IV do art. 252 do CPP), o excipiente entende estar configurada, de maneira objetiva, situação de impedimento em razão da literalidade do art. 144, IX, do Código de Processo Civil. Prescreve o referido dispositivo:
"Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:"

Mendonça comprou a tese: como o Código de Processo Penal (CPP) não é suficiente para afastar Dino, então que se apele ao Código de Processo Civil (CPC).

Mas espere, Reinaldo: é possível usar o CPC também em matéria penal? É, sim. Está no Artigo 3º do CPP:
"Art. 3º A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito."

Mas isso é genérico demais. O próprio ministro lembra:
"Por todos, remeto-me ao teor do Enunciado no 3 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, segundo o qual as 'disposições do Código de Processo Civil aplicam-se supletiva e subsidiariamente ao Código de Processo Penal, no que não forem incompatíveis".

Mendonça deixou de lado o trecho "no que não forem incompatíveis". O CPC é explícito: o impedimento diz respeito "ao" processo em causa, não a um processo qualquer, hipótese em que o CPC não seria aplicado de forma supletiva ao CPP, mas tomaria o seu lugar.

AGORA VEM O MAIS FABULOSO
Estaríamos diante de um debate interessante se o processo existisse... O ministro escreve um voto longuíssimo, cheio de citações e referências -- chegando a defender a tese de que as causas de impedimento são uma espécie de obra aberta, o que me parece coisa muito arriscada --, sustentando que Dino promove no Supremo uma "ação penal privada contra Bolsonaro".

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Vamos aos fatos?

O que existe no tribunal é uma queixa-crime de 2021 do então governador do Maranhão, Flávio Dino, contra o então presidente da República, Jair Bolsonaro, que acusara o chefe do Executivo estadual de não ter mobilizado a PM para fazer a sua segurança em visita ao Estado no ano anterior. Era, obviamente, mentira caluniosa.

O relator do caso era ao ministro Marco Aurélio, que foi substituído justamente por Mendonça, que herdou seus processos. Pois bem: a maioria dos ministros decidiu que o relator examinasse a inicial acusatória para, nos termos do Artigo 396 do CPP, rejeitá-la liminarmente ou citar o acusado.

Atenção! Mendonça engavetou a petição. Logo, mesmo os triplos saltos carpados para subsumir o Código de Processo Penal ao Código de Processo Civil e a conversa de que os impedimentos são um livro inconcluso, que pode ser escrito ao longo tempo, isso tudo se torna, além de perigoso, ocioso: não existe ação de Dino contra Bolsonaro.

Mendonça tinha engavetado a petição e agora "desengaveta" para produzir uma catilinária de 30 páginas que justifique um impedimento que não existe.

ENCERRO
Este texto não foi escrito para que se inicie um movimento para derrubar André Mendonça. Trata-se apenas de um artigo demonstrando como ele está, de vários modos, errado.

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A solidão do seu voto não decorre de uma percepção de tal sorte refinada que os outros não alcançaram. Ele parece ter evoluído, sabe-se lá por qual razão, para certos solipsismos temerários. Ora se apega à literalidade da lei para acusar um juiz ameaçado de "ter interesse" no processo, ora ignora o que está no escrito no CPP em nome, alega, de uma leitura dos valores da Constituição.

Um juiz pode errar, é claro! Mas tomemos especial cuidado quando um voto, se vitorioso, daria ao criminoso a prerrogativa ou de escolher ou excluir juízes. E cuidado adicional se deve tomar, claro!, para não chamar de ação penal uma queixa-crime arquivada por aquele que vota em favor do impedimento como se arquivada não estivesse.

Os votos de Mendonça não mudaram o resultado. Mas não são irrelevantes, dados os pressupostos, ou falta deles, que carrega.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

111 comentários

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Amauri Garcia de Souza

Sem tirar nem acrescentar uma só palavra, esse texto serviria, no mínimo, como uma advertência técnica ao ministro André Mendonça. Ele contamina a Corte com sua postura primária e espantosamente equivocada na interpretação das leis, numa espécie de "efeito Ricúpero", onde argumenta apenas o que é interessante para a parte interessada. O que ele diria a um aluno que o questionasse, por exemplo, a omissão ao art. 256 do CPP? AM parece ser um ministro ainda incomodado com a forma como investiu no cargo.

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Reinaldo Hamilton Machado

É UMA DEMONSTRAÇÃO CLARA E INSOFISMÁVEL DA PARCIALIDADE DO MINISTRO ANDRE MENDONÇA. INADMNISSÍVEL NO TRIBUNAIS.

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Carlos Aparecido Martinez dos Santos

O Terrivelmente evangélico, que trabalha para o Minto.

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