Por que traficante que mandou matar Gritzbach é protegido pelo PCC e CV?
Ler resumo da notícia
O narcotraficante Emílio Carlos Gongorra Castilho, o Cigarreiro, 44, acusado de ser um dos mandantes da morte de Vinicius Gritzbach, 38, tem ligações com a cúpula do PCC (Primeiro Comando da Capital), em São Paulo, e é integrante do CV (Comando Vermelho), no Rio de Janeiro. A proteção do criminoso pelas duas maiores facções criminosas do país pode estar relacionada ao importante papel dele no tráfico de drogas e armas entre os dois estados.
O que aconteceu
Cigarreiro assume papel importante no Comando Vermelho em 2007. Na época, o traficante Alan Hilário Lopes, conhecido como Rala, foi baleado em uma troca de tiros com o Bope (Batalhão de Operações Policiais) e ficou paraplégico. Ele era responsável pelo abastecimento de drogas da Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, zona norte da capital fluminense. Após o episódio, Cigarreiro ganhou espaço na facção do Rio e assumiu o posto de Rala, passando a controlar o tráfico de drogas da comunidade. Rala e Cigarreiro se conheceram na Penha e se tornaram comparsas no tráfico de drogas interestadual entre São Paulo e Rio de Janeiro.
Mudança temporária para São Paulo. Fontes ouvidas pelo UOL afirmam que durante a operação de ocupação das forças de segurança em 2010, no Rio, Rala e Cigarreiro fugiram para São Paulo. Em 2010, as polícias do Rio de Janeiro realizaram uma operação para ocupar a Vila Cruzeiro e o Complexo do Alemão. As imagens passaram ao vivo na televisão. Em São Paulo, Castilho foi apresentado ao PCC pelo narcotraficante Anselmo Bechelli Santa Fausta, 38, o Cara Preta, de quem foi sócio.
O acusado de ordenar a morte de Gritzbach não abandonou o CV após mudança para São Paulo. Ele, inclusive, nunca foi batizado pelo PCC — o que se dá através da leitura do estatuto e um juramento de fidelidade à facção. Apesar disso, era um traficante importante para as duas organizações criminosas, sendo o homem que em muitas ocasiões era enviado pelo PCC para o Rio, com o intuito de negociar a venda de armas e drogas entre as facções, que racharam em 2016.

Cigarreiro foi sócio de Cara Preta, homem influente no PCC. O narcotraficante se tornou o braço direito de Cara Preta no tráfico na favela Caixa D'Água, em Cangaíba, zona leste da capital paulista. O sócio foi morto em 2021. Gritzbach era acusado de mandar matar Anselmo Bechelli Santa Fausta e motorista dele, Antônio Corona Neto, o Sem Sangue, no Tatuapé, na zona leste da cidade de São Paulo. Ele sempre negou envolvimento no crime, mas segundo a polícia, Vinicius "se livrou" de Cara Preta porque recebeu da vítima R$ 40 milhões para investir em criptomoeda, desviou o dinheiro e o golpe foi descoberto.
Castilho continuou com bom trânsito entre PCC e CV mesmo após morte de sócio. Um relatório da Polícia Civil apontou que ele tem mais de 30 processos criminais e nunca ficou preso por muito tempo. Segundo a investigação, o homem utiliza de "artimanhas" jurídicas para se livrar das penas. A polícia acredita também que todos os membros da família trabalham diretamente para ele. Castilho continua como responsável pelo abastecimento de drogas da Vila Cruzeiro, no Rio, e em São Paulo, nas zonas leste e norte.
Cigarreiro costumava andar escoltado por PMs em São Paulo. Coluna de Josmar Jozino revelou que o mandante da morte de Vinícius Gritzbach frequentemente aparecia com uma escolta, quase sempre de policiais. Entre os conhecidos, ele também é conhecido como "Pai", o que para a polícia demonstra a posição de liderança dele entre os faccionados.
Ele é visto por autoridades como "perigoso e inteligente". Os promotores Vania Caceres Stefanoni e Rodrigo Merli, responsáveis pela denúncia no MPSP (Ministério Público do Estado de São Paulo), classificam Emílio Carlos Gongorra Castilho como um criminoso de alta periculosidade. "Uma pessoa extremamente perigosa, inteligente e que ficou preso pouquíssimo tempo. Ele vem atuando tranquilamente, falsifica muitos documentos, registrou o filho com um documento falso, tem trânsito nas duas maiores facções criminosas do país, consegue operar com muita facilidade", diz o promotor de Justiça Rodrigo Merli.
Nomes falsos, dono de rádio e financiamento de filme na Netflix

Cigarreiro utiliza nomes falsos e tem diversas empresas de fachada em nome de laranjas. Castilho conseguiu tirar dois RGs falsos em São Paulo. Ele é fichado no IIRGD (Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt), órgão da Polícia Civil responsável pela emissão de carteiras de identidade, com dois nomes, fotografias, datas de nascimento e dados de filiação distintos.
Era dono de rádio localizada na avenida Paulista, tradicional via de São Paulo. Investigações da Polícia Civil de São Paulo apontam que Cigarreiro montou a rádio Street FM na avenida Paulista para lavar dinheiro do tráfico de drogas das duas maiores facções criminosas do país. A Street FM tinha concessão para operar no dial na frequência 103.7 FM e funcionou até o dia 19 de novembro de 2024, quando passou para operação exclusiva online. Atualmente a estação está fora do ar.
Rádio operava no 12º andar do Condomínio Edifício Parque Avenida. Segundo o relatório da polícia, Cigarreiro esteve na emissora em 13 de julho, 30 de agosto e também nos dias 5 e 9 de setembro do ano passado. O olheiro do PCC Kauê do Amaral Coelho, 29, também apareceu na rádio em 12 de abril, 20 de junho e em 4 e 7 de julho de 2024. Kauê foi o responsável por avisar aos atiradores o exato momento em que Gritzbach deixava o saguão do terminal do aeroporto de Guarulhos.
Documentário da Netflix foi financiado por Cigarreiro, segundo a polícia. Ainda de acordo com a investigação do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), Castilho pagou R$ 900 mil para produzir o documentário O Grito, da Netflix. Na obra, parentes de líderes do PCC e do CV são entrevistados e falam sobre as condições do sistema carcerário. "É um documentário que enaltece os dois líderes das facções, Marcinho VP (CV) e Marcola (PCC). Uma demonstração concreta de aproximação entre as facções", avalia o promotor Rodrigo Merli.
Rodrigo Gianetto, diretor do filme contou à polícia que recebeu R$ 900 mil pelo trabalho. O DHPP apurou que o dinheiro foi pago por Marco Aurélio Souza de Albuquerque, 48, dono da produtora K2. O relatório da polícia ressalta que a K2 tinha o mesmo endereço comercial da rádio Street, gerenciada por Cigarreiro.
Ouvido pelo UOL, Gianetto disse que O Grito "foi produzido com muita responsabilidade". "Como todo trabalho jornalístico, pesquisamos e tivemos que apurar muito sobre o assunto que formatou uma reflexão importante sobre direitos humanos", afirmou. Gianetto também negou ter sido procurado por membros de facção criminosa para realizar o filme e afirmou que sua equipe não teve contato direto com os detentos recolhidos em penitenciárias federais para solicitar autorização para entrevistas.
Fuga para o Complexo da Penha

Cigarreiro está escondido no Rio, segundo a polícia. Ele e o olheiro do PCC Kauê Amaral estão sob proteção do Comando Vermelho na Vila Cruzeiro, local que segundo o MPSP virou reduto de foragidos de diversas facções do país. Cigarreiro pagou R$ 23 mil para realizar um voo particular saindo de Jundiaí, no interior de São Paulo, um dia antes da morte de Gritzbach. Já Kauê viajou de carro um dia após o crime.
Comando Vermelho garante toda estrutura aos dois foragidos. De acordo com a polícia, Cigarreiro mantém uma relação próxima com Doca, chefe do tráfico no Complexo da Penha, o que fortalece sua posição dentro da facção.
Reforma em esconderijo. Tiago da Silva Ramos, conhecido como Bob, é o engenheiro responsável por realizar uma reforma no esconderijo dos foragidos, com o objetivo de garantir a infraestrutura criminosa do grupo. Ele foi até o Complexo da Penha no início de janeiro deste ano. Bob é um engenheiro de confiança de Cigarreiro, já tendo realizado outras construções para o criminoso. Ele também era o responsável por uma obra onde Gritzbach foi mantido em cativeiro e passou pelo "tribunal do crime" em janeiro de 2022.
Mandante do crime e olheiro do PCC participaram de festividades após o crime. Conversa extraída do WhatsApp de uma testemunha mostra que as festas ocorreram em uma casa com piscina na Penha nos dias 9 e 10 de novembro.

Traficantes criaram barricadas de concreto na Penha. Segundo o relatório da Polícia Civil, para que as autoridades consigam chegar até os foragidos é necessário ultrapassar quatro barricadas de concreto instaladas dentro da comunidade na capital fluminense, o que reforça a proteção concedida pelo CV aos dois foragidos. Com o avanço das investigações, a polícia acredita que a dupla trocou de esconderijo. Apesar disso, as testemunhas confirmaram que o novo local está na mesma área da casa anterior, em uma região conhecida como "escadão".
Ministério da Justiça aponta para trégua entre PCC e CV. Em fevereiro deste ano, um relatório do Ministério da Justiça apontou uma possível ação conjunta entre os dois grupos. A fuga de Cigarreiro para a Penha aconteceu nesse contexto.
Operação para prender dupla precisaria de quase mil policiais. Apesar de saber que o olheiro do PCC e um dos mandantes do crime estão no Complexo da Penha, a operação para entrar na comunidade e prender foragidos precisaria de 600 a 900 policiais, segundo afirmou o promotor de Justiça do MPSP (Ministério Público de São Paulo) Rodrigo Merli, em entrevista na segunda-feira (17).
Paradeiro de Diego Amaral, conhecido como Didi, também acusado de ser mandante do crime, é desconhecido. Ele é primo de Kauê e suspeito de integrar o PCC. Didi tem antecedentes criminais pela prática de estelionato e adulteração de sinal identificador de veículo.
Gritzbach morreu por vingança do PCC e interesse econômico de PMs

O Ministério Público de São Paulo denunciou à Justiça os seis acusados de participarem do assassinato de Gritzbach. A pena dos envolvidos pode chegar a 100 anos de prisão. Três PMs, que já estão presos, e outras três pessoas, foragidas, são acusadas de matar Vinicius Gritzbach e o motorista de aplicativo Celso Araújo, que estava no aeroporto no dia do crime. Eles também foram indiciados por duas tentativas de homicídio contra duas pessoas feridas por estilhaços dos disparos.
Foram indiciados os dois mandantes, o olheiro, os executores e o motorista do veículo. São eles: Emílio Gongorra, o Cigarreiro, e Diego Amaral, o Didi, apontados pela polícia como os mandantes do crime. Os executores são Dênis Antônio Martins, cabo da PM e Ruan Rodrigues, soldado da PM. Fernando Genauro da Silva, tenente da Polícia Militar foi apontado como o motorista do carro que ajudou os executores a fugir e Kauê Amaral, o olheiro do PCC que estava orientou os executores no dia do crime.
MPSP trata a denúncia como sendo a primeira e cita que investigação continua. Para a Promotoria, o caso não está completamente encerrado, mas está parcialmente concluído. Os motivos do crime foram represália pela morte de Cara Preta, vingança pela delação premiada negociada por Gritzbach com o Ministério Público e dívidas com a facção criminosa.
PMs aceitaram promessa de recompensa para a execução e participação no crime. Ainda conforme a denúncia do MPSP, eles agiram "como verdadeiros mercenários e matadores de aluguel".
Acordo de delação premiada de Gritzbach com o MP iria atingir o patrimônio de Cigarreiro, inclusive a residência de sua família. Em fevereiro deste ano, policiais civis do DHPP realizaram operação para cumprimento dos mandados de busca e apreensão. Os agentes foram até a casa onde vivem a ex-esposa dele com os dois filhos do casal. Ela afirmou que ele não mora lá há um bom tempo, mas que envia sacolas de dinheiro que são deixadas na porta de casa.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.