Reinaldo Azevedo

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Opinião

Que Brasil reaja aos EUA com cuidado. Cadê os reaças? De joelhos para Trump

Cadê a direita e a extrema direita, que fizeram festa para a eleição de Donald Trump? O governador Tarcísio de Freitas, de São Paulo (Republicanos), o preferido "dazelites", incluindo o agro, não vai se desculpar pelo videozinho infame, com o boné do "Maga" e a frase "grande dia", quando Trump foi eleito? O "Make América Great Again" tinha um pressuposto: "America First", e esse lema, por sua vez, embutia a promessa da tarifação ampla, geral e irrestrita. É como aquele senhor e sua estirpe de reacionários entendem o mundo, ainda que possa agredir os interesses dos EUA. E daí? Os tempos são assim. Vamos ver.

Governo e bancada ruralista no Senado se juntaram em defesa do PL 2088/23, relatado pela senadora Tereza Cristina (PP-MS), aprovado por 70 a zero no Senado, que dota o governo brasileiro de instrumentos, por intermédio da Camex (Câmara de Comércio Exterior), para impor a reciprocidade a qualquer país ou bloco econômico que apliquem restrições ou tarifas a produtos brasileiros, pretextando questões comerciais ou ambientais. A Camex é um órgão do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, cujo titular é o vice-presidente Geraldo Alckmin. A proposta segue para a Câmara, onde terá tramitação célere.

Trata-se de um momento realmente raro em que governo e ruralistas caminham juntos, embora essa raridade seja inexplicável — ou só seja explicável em razão de preconceitos ideológicos e delinquência intelectual e política. Sob o governo Lula, o agro teve os maiores Planos Safra da história. O presidente acaba de celebrar um acordo realmente ímpar para a carne brasileira no Vietnã. A bolsonarização do setor e de seus representantes no Congresso não se explica por fatores objetivos. De qualquer modo, ter em mãos o instrumento é necessário, sobretudo, prestem atenção!, se não precisar ser usado.

O TARIFAÇÃO, HADDAD, ALCKMIN E AMORIM
Trump prometeu anunciar nesta quarta o tarifaço que pode atingir todas as exportações brasileiras -- e, a rigor, de todo o mundo -- para aquele país. No Planalto, a ordem de Lula é negociar até a última hora, tentando um acordo. É o que diz Fernando Haddad, ministro da Fazenda, que está na França:
"No que diz respeito, especificamente ao Brasil, os Estados Unidos têm uma posição muito confortável em relação ao Brasil até porque eles são superavitários tanto em relação a bens como em relação a serviços. A nossa conta é deficitária com os Estados Unidos, apesar do enorme saldo comercial que o Brasil mantém com o mundo. Então nos causaria até uma certa estranheza se o Brasil sofresse algum tipo de retaliação injustificada, uma vez que estamos na mesa de negociação, desde sempre, com aquele país justamente para que a nossa cooperação seja cada vez mais forte. O presidente Lula trabalhou nos últimos dois anos com o Estado americano. Nós não fazemos distinção entre governos. Nós temos uma relação de parceria com o estado americano. E nós vamos manter essa postura de abertura às negociações e de desejo de uma prosperidade mútua nas relações bilaterais".

A fala é acertadamente cuidadosa. Em entrevista ao "Valor Econômico", Celso Amorim, assessor especial de Lula, afirmou que, vindo o tarifaço, haverá reação do Brasil, mas alertou que o país não pode dar um tiro no pé e tomar decisões que prejudiquem a sua própria economia. Faz sentido. Gosto daquela frase segundo a qual o ódio é um veneno que se toma esperando que o inimigo morra... Ela serve para ilustrar o tom que se deve adotar na reação ou retaliação em caso de tarifaço: sob o pretexto de dar o troco, não se pode prejudicar o país — e, por consequência, os brasileiros.

O ministro e vice Geraldo Alckmin explica por que não faz sentido a aplicação da tarifa contra o Brasil:
"O Brasil não é problema para os Estados Unidos. Os Estados Unidos têm com o Brasil superávit na balança comercial. Dos 10 produtos que eles mais exportam para o Brasil, oito é [da categoria] 'ex tarifário': é zero, não tem imposto de importação, e a tarifa média final de todos os produtos e serviços é de 2,7%. Então o Brasil não é problema para os Estados Unidos. (...) Comércio deve ser ganha-ganha e não olho por olho. Eu acho que este é o caminho: o caminho do diálogo. O governo brasileiro está aberto ao diálogo pra gente ter... Temos 200 anos de amizade com Estados Unidos, de parceria. É um importante parceiro comercial porque é para quem a gente vende também produtos com mais valor agregado".

O próprio presidente Lula afirmou que, se preciso, ele procurará falar pessoalmente com Trump. Os brasileiros fazem o certo até aqui. Errado estão o presidente americano e a parte sabuja da elite política brasileira, que fica sobre quatro apoios para o suposto "dono do mundo". A palavra "elite" está aí porque, afinal, é gente com poder efetivo. Não me refiro, obviamente, aos "melhores". Nos dias que correm, é visível a ousadia dos piores.

ONDE ESTÃO OS LÍDERES DA DIREITA E DA EXTREMA DIREITA?
Jair Bolsonaro, o "grande líder" da extrema direita brasileira, já se manifestou a respeito do tarifaço do Trump: defendeu-o. Numa crítica a Haddad, disse que o americano taxa os outros, não o próprio povo. O governo Lula não impôs nenhum imposto novo por aqui. E "os outros" de Bolsonaro são, ora vejam, os brasileiros.

O deputado Eduardo, seu filho, vive o seu doce exílio voluntário naquele país e já chegou a defender interesses dos "contribuintes americanos" como se os representasse. Nas redes, circula uma foto sua, com a família, num cartão à sua nova vizinhança no Texas.

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Escreveu Bolsonaro no dia da posse de seu "chefe espiritual":
"Quero saudar o presidente Donald Trump pela sua posse histórica e pelo seu poderoso discurso, que ecoa os valores que sustentam nossa civilização e que são o coração da vida humana: Deus, pátria, família e Liberdade".

Mais um pouco:
"Digo isso com plena convicção: os Estados Unidos sob a liderança de Trump voltarão a ser um Farol da Liberdade e democracia e soberania popular e isso renova a nossa Esperança de que a partir de agora nenhum inimigo da Liberdade interno ou externo dentro ou fora dos Estados Unidos encontrará terreno fértil para prosperar".

Os governadores Romeu Zema (MG), Cláudio Castro (RJ) e Jorginho Mello (SC) também ficaram entusiasmadíssimos, enxergando novos amanheceres. Parlamentares de extrema direita saíram daqui em revoada para tentar assistir, sem sucesso, à posse do "tarifeiro". Pegaram o avião da alegria o senador Jorge Seif (PL-SC) e os deputados do PL Bia Kicis (DF), Carla Zambelli (SP), Coronel Chrisóstomo (RO), Coronel Fernanda (MT), Eduardo Bolsonaro (SP), Giovani Cherini (RS), Gustavo Gayer (GO), Cabo Gilberto Silva (PB), Joaquim Passarinho (PA), Luiz Philippe de Orleans (SP), Sargento Gonçalves (RN), Silvia Waiãpi (AP), Marcos Pollon (MS), Mario Frias (SP), Maurício do Vôlei (MG), Capitão Alden (BA) e Sóstenes Cavalcante (RJ). Estavam no grupo Marcel van Hattem (Novo-RS), Messias Donato (Republicanos-ES) e Mauricio Marcon (Pode-RS). E há a cena inesquecível porque o patético sempre tem seu emblema: ex-ministro do Turismo de Bolsonaro, o sanfoneiro Gilson Machado, publicou um vídeo, por ocasião da vitória do republicano, ao som de "YMCA", do grupo Village People, música usada pela campanha republicana. Ele estava nos EUA, com o boné do... Maga.

Sóstenes Cavalcante (RJ), líder do PL na Câmara e articulador da pornográfica anistia aos golpistas, publicava imagens contando os dias para a posse de Trump e anunciou por conta própria: "Câmara concederá a Medalha do Mérito Legislativo a Trump". Ele queria conceder uma láurea a quem já havia anunciado que iria ferrar o Brasil e o mundo.

A FALA DE HUGO MOTTA
Hugo Motta (Republicanos), presidente da Câmara, manifestou-se sobre o texto aprovado no Senado, prometendo celeridade na tramitação. Disse:
"Este episódio entre os Estados Unidos e o Brasil deve nos ensinar, definitivamente, que, nas horas mais importantes, não existe um Brasil de esquerda ou um Brasil de direita. Existe apenas o povo brasileiro. E nós, representantes do povo, temos de ter a capacidade de defender o povo acima de nossas diferenças, pois é isso que o povo espera de nós: que pensemos diferente, sim, mas não quando nosso povo está ameaçado. Quando o povo pode correr qualquer tipo de perigo, temos de nos unir porque, antes de tudo e acima de tudo, está o povo. E tudo fica menor quando a referência é o povo. Ninguém é dono do povo".

Motta visitou o Japão e o Vietnã com Lula e viu o presidente celebrar o acordo da carne com Vietnã. Lula pertence a um partido de esquerda e lidera um governo de centro. O entendimento interessa ao agro, claro!, mas a balança comercial superavitária e os recursos que entram no país beneficiam indiretamente o conjunto dos brasileiros.

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Pergunta rápida de resposta óbvia: esse tem sido o comportamento da extrema direita brasileira? Tarcísio de Freitas, governador do Estado mais rico do país, soltou algum "pio" sobre as tarifas? Ele está empenhado, no momento, em organizar um ato em favor dos golpistas e contra o Supremo.

CAMINHANDO PARA A CONCLUSÃO
É claro que o Brasil terá de responder a Trump. E há de fazê-lo com cuidado, cobrando o devido suporte do Congresso, mas com a prudência necessária para que os preços por aqui não destrambelhem. O potencial inflacionário das tarifas e o risco de repique da taxa são imensos, para gáudio da extrema direita, que rasteja para o "imperador do Norte". É preciso reagir com responsabilidade e sabedoria para que, no fim das contas, não seja a população a pagar o pato. Vale dizer: é preciso contenção para não rebater o protecionismo do presidente dos EUA com protecionismo nefasto para o bolso dos brasileiros.

A propósito: o agro se sente representando por essa gente silente, sabuja e embusteira? Basta que se acene com alguns fuzis e que se verta sua baba hidrófoba contra o MST para que os valentes se sintam contemplados? Quantos bilhões de dólares ao PIB do agro essa pregação armamentista e homicida agrega? E o Plano Safra? E o acordo da carne?

O governo tem de se preparar, sim, para o pior, mas sem beber veneno. E vamos todos esperar a reação, por aqui, dos amigões de Trump. Ao que se vê, deputado Motta, por enquanto, essa gente manda o povo às favas e prefere fazer a genuflexão diante do "chefe". Contra o Brasil e os brasileiros.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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