Reinaldo Azevedo

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Opinião

Bolsonaro não quer só a anistia; segue apostando também na anarquia militar

Em entrevista à revista "Oeste" concedida ontem, o ex-presidente Jair Bolsonaro endossou o discurso do pastor Silas Malafaia nestes termos:
"Não vou repetir aqui porque sou capitão do Exército, né? Fiquei muito triste não com o Malafaia, mas com as verdades que ele falou. Realmente é revoltante a gente ouvir isso daí. Ele fala: 'Ninguém quer dar um golpe nenhum, não, mas o que está acontecendo é isso' e se dirigiu aí a algumas autoridades fardadas".

Vamos lembrar o que disse Malafaia.

Sobre os generais do Alto-Comando do Exército:
"Eu não posso esquecer de falar: general Braga Netto. Sabe por que ele está preso? Porque Alexandre Moraes diz que ele estava tentando obstruir o processo. Um general condecorado no exterior, com ficha limpa. Ah, eu não vou me calar aqui, não. Cadê esses generais de quatro estrelas do Alto-Comando do Exército? Cambada de frouxos, cambada de covardes, cambada de omissos! Vocês não honram a farda que vestem. Não é para dar golpe, não. É para marcar posição"

Sobre as consequências de uma possível condenação de Bolsonaro:
"Senhores ministros, o povo é o supremo poder. Não brinquem com um povo pacífico. Não brinquem com um povo pacífico. A medida do povo brasileiro está se enchendo de tanta covardia, maldade e injustiça. Se os senhores pensam que vão prender Bolsonaro... [PAUSA LONGA] Eu sou de paz. Sou aguerrido na fala, mas eu sou de paz. Olhem aonde os senhores vão querer levar o Brasil (...) Se os senhores prenderem Bolsonaro, o que é que pode acontecer no Brasil? Pode não acontecer nada, mas pode acontecer tudo."

Na primeira fala, tem-se o claro incentivo de animosidade das Forças Armadas contra o Poder Judiciário, o que é crime. Na segunda, há uma ameaça. O que afirmo aqui não é uma interpretação, mas apenas uma leitura objetiva do sentido das palavras. Claro! Toda fala tem contexto. Só que este torna tudo muito pior porque as declarações foram feitas, aos berros, para milhares, num ato que pedia anistia justamente para pessoas que ou tentaram articular um golpe de Estado, atuando em posições privilegiadas de poder, ou atacaram as respectivas sedes dos Três Poderes.

Nota: o tal projeto de lei de anistia beneficia a todos que tenham se metido na patuscada contra o resultado das urnas do dia 30 de outubro até a data em que a lei, se aprovada, entrar em vigor. Assim, não valeria apenas para os "coitadinhos" da sedição com Bíblias ou com batom nas mãos. Também os graúdos seriam beneficiados. Não vai acontecer. Se aprovada fosse pelo Congresso, seria declarada inconstitucional pelo Supremo.

A declaração do ex-presidente é mais uma confissão. Gente armada "não marca posição" contra o poder civil, obviamente. Tem, como todos, de atuar segundo os marcos constitucionais, que não conferem a militares a faculdade de dizer o que ministros do STF podem ou não fazer.

Ora, ora... Bolsonaro é hoje réu no STF por tentativa de golpe de estado, tentativa de abolição do Estado de direito, organização criminosa armada e mais dois crimes contra o patrimônio. Sim, continua uma pessoa poderosa porque é líder inconteste de uma fatia importante da oposição — na hipótese, claro!, de que ainda existam oposicionistas que acatam incondicionalmente a democracia. Mas é fato é que não detém mais os instrumentos de Estado de que dispõe um governante. Não é mais, por exemplo, a "autoridade suprema das Forças Armadas", prescrição constitucional para presidentes, conforme o Artigo 142 da Carta.

Se, agora, tendo uma possível condenação pela frente, que será em regime fechado porque assim é a lei, fala essas coisas e endossa um convite à sedição, dá para deduzir o que fez quando tinha poder efetivo sobre os militares. "Como, Reinaldo, dedução?" Pois é... Isso se não houvesse uma penca de provas de que tentou arrastar os militares para a aventura golpista.

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Eis aí, senhores governadores que compareceram ao palanque da Paulista para coonestar o ato em favor dos golpistas. Um eventual retorno de Bolsonaro ao poder — o que não vai acontecer — faria Trump, na política interna, parecer discípulo de Irmã Dulce... Reitero: isso é o que ele faz sem o poder formal. Não temos o direito de duvidar do que fez com ele nas mãos. Mas, insisto, todos podem deixar a imaginação de lado. Fiquem com as provas. E elas abundam.

O senador Hamilton Mourão, general quatro estrelas da reserva e vice de Bolsonaro, não gostou do ataque aos colegas de farda da ativa e chamou Malafaia de "falastrão":
"O falastrão que assim o fez demonstrou toda sua total falta de escrúpulos e seu desconhecimento do que seja Honra, Dever e Pátria; a tríade que guia os integrantes do Exército de Caxias".

Malafaia respondeu, atacou duramente o senador e voltou a ofender os generais do Alto-Comando, crítica endossada, reitere-se, por Bolsonaro. Transcrevo o tuíte conforme escreveu:
"RESPOSTA AO TRAÍRA DO GENERAL MOURÃO
Você nunca foi leal e fiel a quem te promoveu na vida política que o foi o presidente Bolsonaro. Sempre omisso, em cima do muro e fazendo jogo duplo. Não vi você em nenhuma manifestação para defender Bolsonaro e agora na questão da anistia. Você é tão covarde como seus coleguinhas do alto comando (sic). O ministro da defesa de Lula, José Múcio que é civil, mais corajoso que vocês todos. Ele disse:
NÃO EXISTIU GOLPE! Vou repedir mais uma vez. Cambada de frouxos, covardes e omissos. Não honram a farda que vestem. MOURÃO! Você perdeu uma oportunidade de ficar calado. Está apanhando muito nas redes sociais. COVARDE FALASTRÃO!"

Em tempo: Múcio jamais disse que "não existiu golpe". O que o ministro afirmou no Roda Viva está aqui. Não concordo com sua análise, mas é coisa muito distinta do que afirma o pastor. De todo modo, que fique claro: eis a maneira como Bolsonaro, e não apenas Malafaia, enxerga o Alto-Comando. Por que mesmo?

Pois é... Não estou surpreso que Bolsonaro chute o Alto-Comando. No seu governo, demitiu ao menos 11 generais com requintes de desmoralização. Sempre teve, no fim das contas, um desprezo solene pela cúpula da Força que integrou, embora fingisse o contrário. Não se esqueçam: foi chutado do Exército. Leia nesta página o artigo intitulado "Ataque ao Alto-Comando: Bolsonaro odiava elite militar, que o desprezava".

Depois de Bolsonaro endossar o ataque de Malafaia ao Alto-Comando porque este não se coloca contra o Supremo, você acha que Bolsonaro fica mais perto ou mais longe da condenação? Afinal, as provas que há terão de ser lidas e relidas a partir dessa afirmação, que é de sua lavra.

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Como se nota, ele não aposta apenas na anistia para os golpistas. Quer também anarquia militar.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

54 comentários

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José Walter Nunes

Que horror, Malafaia e Bolsonaro revelam verdadeiro desprezo pelas normas de convivência social!

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Michael Vieira Rosa

BolsoNero teve sua chance de colocar fogo no parquinho, mas como todos sabem é um falastrão cagão!! Numa entrevista disse que dos 16 milhões arrecadados por seus Apoiadores já gastou 8 milhões com advogados. Esse cara tá nem ae, em breve aceitará um acordo com a PGR se não já o fez, tira o dele da reta e pronto! Tudo narrativas! Ineligivel mas milionário com recurso público e privado. 

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Marcio dos Passos de Lima

O que impede o Malafaia ser também acusado de golpista? Ele é um homem santos? Um sacerdote, liberdade religiosa? Todos sabem a proximidade dele com Bolsonaro,viajavam juntos,ele era o oráculo do Bozo! Cana neles!

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