Débora: Fux julga um crime no presente e envia recado a golpistas do futuro
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A Primeira Turma do Supremo retoma hoje o julgamento da "cabeleireira Débora", que participou dos ataques golpistas às respectivas sedes dos Três Poderes. Os cretinos, os lenientes e os que desprezam a democracia dizem que ela apenas escreveu uma frase com batom numa estátua. Conhecem a minha posição e, por mim, a condenação de 14 anos, conforme votos de Alexandre de Moraes e Flávio Dino, será mantida. Além de Fux, ainda não votaram Cristiano Zanin e Cármen Lúcia. Será que se trata de um ponto de inflexão nas condenações? Não. Para tanto, é preciso que haja um instrumento. Qual? A revisão judicial pertence ao nosso ordenamento jurídico, mas é feito caso a caso. Qualquer saída diferente depende da votação de um texto no Congresso. Mas qual?
No julgamento que tornou réus os golpistas do primeiro lote, a que pertence Jair Bolsonaro, Fux resolveu entregar-se a divagações sobre tipos penais — tentativa de golpe e tentativa de abolição do estado de direito seriam crimes autônomos?; a tentativa seria mesmo um crime? — e sobre a suposta severidade das penas. E usou o caso da cabeleireira — tornada celebridade, heroína e mártir pelos bolsonaristas — como exemplo. Ele já havia pedido vista e teceu considerações sobre a suposta dureza das penas. A mulher já se encontra em prisão domiciliar. Estava em preventiva. Ainda que condenada a 14 anos e ainda que volte para a cadeia, deixará a prisão no ano que vem em razão da progressão da pena — progressão, diga-se, permanentemente fustigada pela extrema direita.
Vamos ver quais serão as considerações de Fux a embasar seu voto. Que vai propor pena menor, bem, isso é certo. Saberemos se o ministro acha que a tal senhora apenas escreveu uma frase com batom numa estátua idiota e sem importância ou se considera que, no contexto dos ataques golpista às respectivas sedes dos Três Poderes, aquele foi um ataque à própria Justiça.
A impunidade sofreu um golpe nesta quinta. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), conseguiu o apoio da maioria dos líderes para adiar sem prazo a votação do malfadado "PL da anistia", uma patuscada inconstitucional em favor da impunidade. Há, no entanto, espaço para, digamos, trabalhar no Congresso alguma, sei lá como chamar, "compensação" (?) à oposição.
Já escrevi aqui e reitero: por que não elaboram um projeto que traga algumas causas de redução e de aumento de pena? A lei pode retroagir para beneficiar, mas não para agravar, a situação dos réus. Assim, os ditos "pequenos" seriam beneficiados; os grandes já estão encalacrados, mas convém acenar para o futuro, desestimulando aventuras disruptivas. Os projetos de anistia fazem precisamente o contrário e incentivam o "vá lá e meta fogo no Supremo". Afinal, como quer o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), os atos de 8 de janeiro de 2023 deveriam ser julgados no "antigo tribunal de pequenas causas".
Estou curioso para ouvir Fux. É preciso que se diga que seu voto um tanto sem foco na aceitação da denúncia contra o primeiro grupo de golpistas deu, vamos dizer, gás à tese absurda da anistia, especialmente como aquele papo de que o tribunal julgava sob violenta emoção. Que falasse por si, não pelos outros. Ademais, ele concordou, na maioria das vezes, com a dosimetria do relator. Ajudou a alimentar a fantasia de que há centenas de pessoas submetidas a penas draconianas quando se sabe que mais de 50% fizeram acordo de não persecução penal e mais de 25% foram condenados a penas inferiores a um ano.
Trata-se, a rigor, de um não problema. Estamos a falar de uma não causa. Expõe-se aqui a invenção de um martírio. A extrema direita usa o "Mané golpista" para tentar livrar a cara de gente graúda. Setores da imprensa caíram como patos, e colunistas de maus bofes, indispostos com o Supremo por ignorância ou convicção ideológica, compraram a causa e ajudaram a construir a pantomima. Muitos até se divertem com o fato de que "a base de Lula é frágil" — daí o número e assinaturas em favor da urgência para o treco da anistia — como se isso fosse uma novidade; como se o presidente não governasse com o apoio apenas parcial de partidos que estavam com Bolsonaro em 2022; como se não fosse verdade que o petista venceu, sim, a eleição presidencial, mas os conservadores e reacionários levaram o Congresso.
"Ah, não fosse o Supremo tão duro com a turma do 8 de janeiro, não haveria a pressão pela anistia..." Trata-se de uma falácia grosseira, derivada dos falsos motivos brandidos pelos bolsonaristas em favor da impunidade. Em primeiro lugar, demonstrado está, inexiste o tal excesso de rigor; em segundo lugar, os graúdos do golpe, a começar de Bolsonaro, também acham que não fizeram nada demais. Observem a ligeireza com que o ex-presidente diz, por exemplo, que estado de defesa e estado de sítio são meros remédios constitucionais...
Saberemos se o voto de Fux será um olhar resoluto para a legalidade e a estabilidade democrática ou se dará uma piscadela para golpistas do futuro — e, fiquem certos, sempre os haverá. Se não forem contidos, tragam até os que piscam para eles.
4 comentários
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Edivaldo Silva de Moura
Muito boa a colocação de Reinaldo Azevedo. Dentro da lógica. Essa "PL DA ANISTIA", está sendo orquestrado para querer livrar "Bolsonaro" o Golpista de 08 de Janeiro. Há de ser rejeitada a ANISTIA.
Carlos Alberto Ferreira da Silva
Parabéns, tio Rei, pelo excelente texto.
Kleverton Melo de Carvalho
Força, capetão. Logo logo será um presi em nosso país.