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Thiago Herdy

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Em livro, Sergio Moro parece não compreender críticas a ele

Sergio Moro deixou o governo de Jair Bolsonaro depois de acusar o presidente de tentar interferir na PF - Sergio Lima/Poder 360
Sergio Moro deixou o governo de Jair Bolsonaro depois de acusar o presidente de tentar interferir na PF Imagem: Sergio Lima/Poder 360

Colunista do UOL

01/12/2021 04h00

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Em seu livro de memórias, "Contra o sistema da corrupção", a ser lançado amanhã (2), o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro parece não compreender direito a crítica que recebe pelo fato de ter se tornado ministro de um candidato beneficiado indiretamente pelas ações que ele empreendeu como juiz da Lava Jato.

Moro trata o assunto como teoria da conspiração. Diz que não conhecia Jair Bolsonaro quando condenou Lula e o tirou do páreo eleitoral em 2017. Menciona até que tinha viagem marcada para o exterior em janeiro de 2019, portanto, não imaginava tomar posse em cargo público naquele mês.

Ele repete por diversas vezes algo que parece ser verdade: decidiu entrar no governo para lutar por políticas públicas anticorrupção mais consistentes.

Mas a questão que se coloca é: até que ponto uma visão ideológica à direita interferiu em seus gestos como juiz que investigava ações de dirigentes de um governo de centro-esquerda?

"Claro que sentimentos podem às vezes influenciar a valoração de fatos e provas. Julgar é uma ciência humana, não matemática. Mas o juiz deve agir sempre para que subjetividades e sentimentos não influenciem o julgamento", ele reflete, na obra.

Não há dúvida a respeito do voluntarismo em suas ações como juiz. Em seu livro, Moro atribui seu protagonismo à intenção de combater o bom combate em favor do interesse público.

Os autos de processos que envolveram o ex-presidente Lula confirmam um ponto a favor de Moro: em vez de discutir fatos e provas, a defesa do ex-presidente e o próprio discurso do petista buscaram retratar policiais, procuradores e o próprio juiz como politicamente orientados.

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O presidente da República, Jair Bolsonaro, e o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro
Imagem: EVARISTO SA/AFP

No processo, Lula não foi cerceado em seu direito de defesa, simplesmente não a apresentou diante de diversos fatos trazidos ao processo. É razoável o argumento de quem considera a anulação da sentença no STF essencialmente política, já que os mesmos fatos que a ensejaram já haviam sido analisados, sob a mesma perspectiva.

Mas até aceitar assumir um cargo no governo federal, pouco se sabia sobre a visão de mundo de Sergio Moro, muito fechado em sua intimidade e cerimonioso nas relações. Ao aceitar o convite e permanecer por tanto tempo em um governo peculiar como o de Jair Bolsonaro, ele expôs um pouco mais de seu lugar no mundo.

Na noite da eleição do ex-capitão, Moro, na época apenas um juiz, telefonou ao novo presidente. "Eu havia obtido o número do telefone dele e ligamos, eu e minha esposa, para cumprimentá-lo. Foi uma conversa rápida, até porque ele estava no meio das comemorações da vitória".

Nas entrelinhas de seu livro de memórias, o ex-ministro demonstra desapreço por Lula e seu Partido dos Trabalhadores, procedimento não reservado a outros políticos que bebiam da mesma água revelada pela Lava Jato, em especial do PSDB.

Declarações do ex-presidente são trazidas com ironia; manifestações em seu favor, ridicularizadas. Há destaque para petistas na lista da Odebrecht, mesmo que ela abrigasse gente de todas as cores.

"Nem era uma cela propriamente dita, mas uma sala reservada na qual o ex-presidente foi mantido com certo conforto", minimiza, ao relatar o período de Lula na prisão.

Tal escolha narrativa dá pistas dos sentimentos que o habitavam ao alcançar o petista no esquema desvendado pela Lava Jato.

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13.set.2017 - Lula depõe ao então juiz Sergio Moro em Curitiba
Imagem: Reprodução

Um erro

Moro sugere em seu livro que a divulgação de um anexo da colaboração premiada do ex-ministro Antonio Palocci em 1º de outubro de 2018, na última semana antes do 1º turno, não tenha interferido na disputa presidencial. Ele diz que era preciso dar à defesa dos outros acusados a chance de se posicionarem em relação ao documento.

Não é verdade. A ação já estava praticamente instruída, em fase de alegações finais, ou seja, novos elementos não poderiam ser trazidos e utilizados nesta fase por qualquer uma das partes, quando não haveria mais espaço para o contraditório.

Moro sabia que o documento era inédito e sabia como atuava a imprensa diante de documentos inéditos.

"Acontece que a decisão e a divulgação ocorreram antes do primeiro turno das eleições, quando havia vários candidatos na disputa", argumenta, no livro.

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O ex-ministro Antonio Palocci, em fotografia registrada em 29 de novembro de 2018
Imagem: Reprodução/TV Globo

Na semana anterior à divulgação do depoimento, Haddad pulara de 17% para 22% das intenções de voto, enquanto Bolsonaro estacionara em 28%, segundo o Datafolha. Haddad crescia e o segundo turno já estava desenhado.

Não dá pra saber ao certo se o juiz fala sério ao apresentar um terceiro argumento:

"O candidato do PT a Presidência era Fernando Haddad e não Lula, e o nome do primeiro não era sequer mencionado no depoimento".

Um acerto

Os números de estudos encomendados pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) sobre os impactos da Lava Jato no emprego e nas empresas que atuavam na área de petróleo estão na ponta da língua do ex-presidente Lula em seus discursos críticos à operação.

Moro rebate e lembra que a corrupção não é "óleo nas engrenagens da economia", mas "areia nas engrenagens, porque destrói a competição e distorce o investimento do dinheiro público e privado".

Segue o ex-juiz: "mais corrupção gera menos crescimento econômico, mais desigualdade, menor qualidade no provimento dos bens públicos".

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Sergio Moro em evento de filiação ao Podemos
Imagem: Reprodução de vídeo

A visão de Moro é a mesma dos organismos internacionais e das principais entidades de combate à corrupção que atuam pelo mundo.

"As empresas investigadas por suborno tiveram a oportunidade de procurar as autoridades, celebrar acordos de leniência, revelar os crimes e colaborar com a Justiça, reduzindo assim os prejuízos à sua reputação e às suas finanças", lembra Moro.

Ele conclui: "a maioria, porém, confiando na impunidade, optou por negar suas responsabilidades até que, com o aparecimento de mais e mais provas, o quadro em relação a elas foi se agravando. Se tivessem decidido colaborar desde o início, teriam sofrido consequências muito menores".

Ficção

Moro traz em seu livro um testemunho sobre a tarde de 16 de março de 2016, data em que ele atendeu a um pedido do Ministério Público Federal (MPF) e levantou o sigilo do áudio em que Dilma Rousseff (PT) conversa com Lula sobre medida adotada por ela para evitar sua prisão:

"Eu tinha noção de que a divulgação dos diálogos do ex-presidente Lula traria forte repercussão, mas, honestamente, não imaginei que gerasse tanta controvérsia. No fim da tarde daquele dia 16, ao chegar em casa, peguei meu filho, ainda pequeno, e fui ao clube com ele para nos distrairmos. Nem acompanhei os noticiários".

Quem esteve com Moro naquela noite sabe que a última frase deste registro é ficção.