Por que Lula não quis receber em audiência a única candidata mulher à PGR?
A provável confirmação do nome do subprocurador da República Paulo Gonet para chefiar o MPF (Ministério Público Federal) aproximará Lula de seu adversário na última eleição, Jair Bolsonaro (PL).
Lula parece decidido a repetir a inovação do ex-presidente, que em 2019 interrompeu a prática seguida desde 2003, nas oito nomeações antecedentes.
Assim como Bolsonaro, o presidente ignorou até aqui a sugestão de escolha do PGR pela categoria, realizada por meio de uma votação de lista tríplice, aberta a todos os integrantes do MPF e organizada pela ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República).
Em junho, a subprocuradora carioca Luiza Frischeisen, de 57 anos, foi a escolhida por 526 dos 1.153 procuradores em atividade no MPF para chefiá-los. O normal seria que ela fosse chamada para pelo menos uma conversa com o presidente, o único a bater o martelo em relação à escolha, com liberdade para seguir ou não a sugestão da categoria. Mas o convite nunca veio.
O desinteresse de Lula em saber o que ela pensa sobre o papel do Ministério Público pós-Aras e pós-Lava Jato dá pistas sobre o que o presidente espera do órgão responsável por fiscalizá-lo.
É um gesto estranho à trajetória do presidente. E gesto de desprezo não apenas por ela, mas também pela metade da instituição que decidiu votar nela.
Frischeisen já havia sido sugerida para o cargo pela maioria de seus colegas em 2021, em meio à reposta caótica do governo Bolsonaro à pandemia de covid-19. Para a maioria dos integrantes do MPF, era um nome para dar rota ao órgão fiscalizador do poder.
Na época, representantes do bolsonarismo espalharam memes tratando-a como "esquerdista" impensável para o posto, por causa de seu currículo.
Sua tese de doutorado sobre a construção da igualdade e o sistema de Justiça no Brasil, que virou livro, é referência em análises acadêmicas sobre a implementação de ações afirmativas no Brasil. No trabalho, as ações afirmativas são citadas como ferramenta de rompimento de desigualdades históricas no acesso ao exercício de direitos essenciais para uma vida digna.
Coordenada pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ), a bancada feminina do Congresso Nacional encaminhou ao presidente texto defendendo a escolha de Frischeisen, como forma de "solidificar e fortalecer as políticas públicas voltadas para a diversidade, inclusão e proteção dos direitos das mulheres".
Quem também enviou carta foi a presidente da Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos na gestão atual, Enéa de Stutz e Almeida.
"Pela importância histórica deste seu terceiro mandato, (...) ouso manifestar-me e apelar à sua conhecida sensibilidade e espírito democrata no sentido de indicar como próxima PGR a dra. Luiza", ela registrou, depois de mencionar o papel da subprocuradora na temática da Justiça de transição - que trata da reparação por violações a direitos humanos durante a Ditadura Militar - e em defesa do Estado Democrático de Direito.
Partícipe da equipe de transição do governo Lula, o grupo suprapartidário Elas no Orçamento expressou seu apoio. O mesmo fez a Associação dos Auditores Federais de Controle Externo (Aud-TCU), entre outras organizações. Em 132 anos, apenas uma mulher esteve na lista dos 43 Procuradores-Gerais que por aqui passaram.
O nome mais cotado para ser escolhido por Lula, Paulo Gonet, era sócio do ministro do STF Gilmar Mendes no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) até 2017, ano em que vendeu sua parte ao filho do ministro por R$ 12 milhões, conforme revelou na época o site BuzzFeed News.
O UOL perguntou à Secretaria de Comunicação da Presidência da República as razões de o presidente não ter chamado Frischeisen para uma conversa. Não houve manifestação.
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