Vereador que revelou uso de verba da saúde com sertanejos pode ser cassado
Em poucos dias, o jovem vereador negro de Embu das Artes, Abidan Henrique da Silva, de 26 anos, pode ser cassado do cargo para o qual foi eleito. Mas volto no tempo antes de contar essa história.
Os obstáculos estão em seu rumo desde os primeiros anos no bairro de periferia na Zona Sul de São Paulo onde nasceu, filho de uma empregada doméstica e de um marceneiro.
Abidan percorreu um caminho improvável a partir da 8ª série do ensino fundamental, quando conseguiu uma bolsa de estudos para estudar em escola particular e, pouco tempo depois, foi contemplado com um curso de verão de inglês na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
Ingressou na Escola Politécnica da USP e saiu de lá com o diploma de engenheiro civil e tino para a disputa política, depois de participar das eleições no Grêmio Estudantil.
Em 2020, foi eleito o segundo mais jovem vereador de Embu das Artes, aos 23 anos, pelo PSB.
A trajetória do jovem chamou a atenção da Faria Lima, em especial de Pedro Godoy de Bueno, dono de uma fortuna de R$ 3 bilhões e CEO dos Laboratórios Dasa, que doou R$ 100 mil à campanha.
Também doaram o fundador da Lanx Capital, Marcelo Pereira Lopes de Medeiros (R$ 60 mil) e o CIO da Constellation Asset Management, Florian Bartunek (R$ 50 mil).
A vida do vereador em Embu se complicou por conta de sua atuação crítica, como único representante da oposição ao prefeito da cidade, Ney Santos, do Republicanos, mesmo partido do governador Tarcísio de Freitas.
Em outubro do ano passado, ele denunciou manobra orçamentária da prefeitura para custear quase R$ 2 milhões em cachê de artistas como Wesley Safadão, Leonardo e Jorge e Mateus na Embu Country Fest. Para garantir a festa, o prefeito buscou recursos onde mais falta: na pasta da Saúde.
Vereadores obstruíram a pauta da Câmara e esvaziaram o plenário na sessão em que Abidan apresentaria o decreto que viabilizou a manobra.
Ele denunciou a postura em vídeo publicado em suas redes sociais. "Os vereadores foram em bando, embora, como ratos", registrou.
Parlamentares da base interpretaram a metáfora como quebra de decoro. Com apoio do prefeito, a comissão de ética da Casa concluiu relatório a favor da cassação do vereador.
"Inadmissível que tais palavras de ódio sejam tratadas como normais e aprazíveis entre nobres edis eleitos pelo Povo", registrou relatório final.
Em depoimento, o vereador Lúcio Costa contou que o filho o perguntou por que ele seria um rato. "Me senti extremamente ofendido", reclamou.
"Fui difamado, eu não fujo das minhas responsabilidades", completou outro vereador, Sander da Conceição, também em depoimento formal.
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Quero receberA defesa de Abidan rememorou episódios em que outros vereadores referiram-se aos pares como "filhos do diabo" ou proferiram delicadezas como "vou te dar um murro, seu sem-vergonha".
Presidente da comissão, a vereadora Aline dos Santos não permitiu que as lembranças fossem mencionadas nos autos, "por falta de pertinência com o objeto do processo".
No domingo pós-Carnaval, Abidan voltou a atazanar a vida do prefeito: obteve na Justiça a proibição de uso de recurso público para pagamento de um cachê de R$ 630 mil ao cantor Léo Santana marcado para celebrar o aniversário da cidade. A decisão foi revertida poucas horas antes do show pelo Judiciário, considerando-se o argumento de que a apresentação já estava paga.
"Fomos eleitos para resolver problemas, principalmente os criados por estes carniceiros que são os nossos adversários", disse o prefeito Ney Santos em vídeo nas redes sociais no mesmo dia do evento.
Ato contínuo, o processo de cassação de Abidan voltou a andar.
A comissão mista que analisava o processo registrou nesta semana o seu parecer: "vislumbramos um discurso de ódio, incitando o povo contra esta Instituição Democrática, inflando a população contra seus vereadores".
A votação do decreto de cassação do vereador está marcada para quarta-feira. Dificilmente o cenário será revertido entre os pares.
Abidan se prepara para a nova batalha: lutar pela manutenção de seu mandato na arena do Judiciário.
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