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Wálter Maierovitch

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Ratzinger, a renúncia que modernizou a Igreja

Ratzinger em sua primeira aparição ao público como papa Bento 16, no Vaticano, em abril de 2005 - Max Rossi/Reuters
Ratzinger em sua primeira aparição ao público como papa Bento 16, no Vaticano, em abril de 2005 Imagem: Max Rossi/Reuters

Colunista do UOL

31/12/2022 16h27

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Joseph Aloisius Ratzinger, no catolicismo conhecido por papa Bento 16, teve marcante passagem pela Igreja. Foi papa de abril de 2005 a 2013.

Sucedeu ao polonês Karol Wojtyla, considerado, por muitos historiadores, como o responsável maior pela queda do Muro de Berlim e o fim do comunismo soviético.

O populista e político Wojtyla abriu lugar ao doutrinador Ratzinger, que não se importava, diversamente do antecessor, em manter uma Igreja com muitos fiéis.

Ratzinger preferia número menor, mas fiéis seguidores, sem tergiversar, com os princípios rígidos do cristianismo católico tradicional e o catecismo reformado.

A apologética não lhe convencia como método. Voltava-se, como diziam muitos e com um certo exagero, ao rigor dos lefebvrianos.

No seu pontificado, a Igreja perdeu fiéis: houve redução no número de católicos.

Outra marcante diferença. Wojtyla morreu no trono petrino. Entendia em dar testemunho - pelo sofrimento físico e pela dor lancinante que suportava com altivez - de entrega à vontade de Deus.

Ratzinger, numa reunião com cardeais que decidiam sobre beatificações, surpreendeu ao anunciar uma renúncia até então guardada a sete chaves.

O então papa Bento 16, em latim, alegou ingravescente aetate, ou seja, idade avançada e os seus efeitos, a não mais possuir vigor para prosseguir como pontífice.

Ratzinger marcou a história. Não pelo fato de ter sido o segundo papa a renunciar ao pontificado, num organismo que une o poder espiritual ao temporal: o papa é monarca absoluto do estado do Vaticano. Única monarquia absoluta cristã em pleno século 21.

A renunciou materializou-se em 28 de fevereiro de 2013. Existia um precedente. Em 1415, o papa Gregório 12 havia renunciado.

A propósito, a história da Igreja não considera renúncia o ato de Celestino 5, pois ele, com anterior vida de eremita, refutou o papado.

O certo foi ter a renúncia de Ratzinger aberto a Igreja para a modernidade. Está aí, para não deixar dúvida, o humanismo progressista do papa Francisco.

A ingravescente aetate, a velhice, nunca foi engolida por muitos vaticanistas, nome dado aos jornalistas que cobrem o Vaticano e o papado.

O verdadeiro motivo teria sido o atraso de Ratzinger em condenar clérigos pedófilos, os abusos sexuais, os lobistas gays de batina e o escândalo chamado Vatileaks (a lembrar: o mordomo de papas, Paolo Gabrielle, vazou documentos ultrassecretos).

Ocorreu também o problema apontado como corrupção na Cúria, o órgão de governo do estado do Vaticano. O cardeal Bertone foi o epicentro do escândalo e o seu candidato, tipo tábua de salvação para a sucessão de Ratzinger, foi o derrotado cardeal arcebispo do estado de São Paulo (Brasil).

Ainda mais, Ratzinger não conseguiu limpar a lavanderia representada pelo banco do Vaticano, denominado pela sigla IOR. Era uma mancha antiga. Do tempo que o financista Michelle Sindona lavava dinheiro da Máfia no banco do Vaticano. Sindona morreu envenenado e já apelidado de " Banqueiro do Vaticano e da Máfia".

Já quando comandava o órgão sucessor da Inquisição, destinado à difusão da doutrina da fé, Ratzinger não acreditou em informes sobre pedófilos na Igreja. Seus críticos falam em ter mantido o silêncio para evitar um grande escândalo.

Para não correr riscos de ser alcançado por jurisdições de outros estados, Ratzinger logrou um título de "papa emérito" e se manteve no estado do Vaticano até a morte.

Num pano rápido, a Igreja ganhou com a renúncia de Ratzinger, um papa sem mando, engolido pela Cúria e por escândalos.