É falso que ômicron apareça mais entre vacinados
São falsas as afirmações difundidas pelo médico Rubens Amaral em um vídeo no Instagram e no Telegram. Ele nega a epidemia de influenza no Brasil e diz que pessoas vacinadas contra a covid-19 estão mais vulneráveis à variante ômicron.
O profissional afirma que, como os sintomas causados pela ômicron são semelhantes aos da gripe, as pessoas contaminadas pela H3N2 estariam, na verdade, infectadas com a variante do coronavírus.
O médico ainda recomenda o tratamento precoce, que não tem eficácia comprovada.
Ao contrário do que diz Amaral, o Ministério da Saúde e o Conselho Nacional de Saúde reconhecem o aumento de casos de influenza, em especial da variante H3N2, e vários estados já declararam situação de epidemia ou surto da doença.
Em relação à covid, estudos feitos nos Estados Unidos mostram que a maior parte dos infectados pela ômicron não foram vacinados. Além disso, segundo um estudo realizado pelo Imperial College de Londres, o risco de reinfecção por covid-19 pela ômicron na comparação com a delta é maior para não vacinados (6,4 vezes) do que para vacinados (5 vezes). O resultado do estudo foi destacado em um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o avanço da variante publicado em janeiro.
Embora pessoas vacinadas possam se infectar com a ômicron, não há nenhuma evidência científica que comprove que a variante contamine de forma mais expressiva essas pessoas. Inclusive, caso contaminados com a cepa, indivíduos vacinados devem ter sintomas leves justamente pela proteção dos imunizantes.
O Comprova entrou em contato com o médico, questionando as fontes utilizadas por ele para embasar o que é dito no vídeo aqui verificado, mas não houve retorno até a publicação desta checagem.
Todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original é classificado como falso pelo Comprova.
Como verificamos?
O primeiro passo da verificação foi a busca por dados oficiais a respeito da disseminação da gripe influenza no Brasil para dimensionar a ocorrência de casos da doença no verão.
Para isso, procuramos informações nos sites oficiais de autoridades sanitárias, como o Conselho Nacional de Saúde, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Instituto Butantan, o Ministério da Saúde e a Organização Mundial da Saúde (OMS). Também entramos em contato com o Ministério da Saúde.
O segundo passo foi encontrar estudos científicos a respeito da variante ômicron do coronavírus e sua relação com o sistema imunológico de pessoas vacinadas. Sobre essa temática foram utilizadas pesquisas da Agência de Segurança de Saúde do Reino Unido, do Instituto Nacional de Doenças Comunicáveis (NICD) e do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos.
Além disso, entrevistamos o diretor do laboratório de imunologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas (Incor), Jorge Kalil, para esclarecer sobre a infecção pela cepa ômicron e o perfil das pessoas infectadas pela variante.
Por fim, o Comprova entrou em contato com o autor do vídeo, o médico Rubens Amaral, por meio de telefone disponível em suas redes sociais, mas não obteve retorno até o fechamento desta verificação.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 7 de fevereiro de 2021.
Verificação
- Epidemia de influenza no Brasil
Embora o médico negue que há uma epidemia de influenza no Brasil no verão, o Conselho Nacional de Saúde e secretarias de saúde de estados como Paraná reconhecem a situação. O aumento de casos de gripe — em especial da variante H3N2 — é reconhecido também pelo governo federal.
Em uma publicação nas redes sociais, o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Rodrigo Cruz, afirma que a cepa Darwin, da influenza H3N2, foi registrada em vários estados.
"Estamos enfrentando tanto o vírus da #GripeH3N2, como a #Covid19, em que ambos atacam o sistema respiratório e apresentam sintomas bem parecidos", escreveu.
Em dezembro de 2021, 17 estados notificaram aumento incomum dos casos de influenza. Pelo menos 11 estados registraram mortes pela variante H3N2.
Em nota enviada ao Comprova, o Ministério da Saúde informou que o padrão de sazonalidade da influenza varia entre as regiões do país, sendo mais marcado naquelas com estações climáticas definidas, ocorrendo com maior frequência nos meses mais frios e em locais de clima temperado.
Por este motivo, espera-se um aumento de casos no outono e inverno, o que não impede a circulação da H3N2 em outras épocas do ano, devido às diferenças geográficas e climáticas.
O órgão explica que para verificar se existe uma epidemia, é preciso avaliar os dados da doença e suas características epidemiológicas locais, sendo através de uma série histórica (avaliando os dados de anos anteriores, o conhecimento e comportamento da doença) ou por meio de uma análise epidemiológica minuciosa (dados de tempo, pessoa e lugar).
"Em 2021, a partir do mês de outubro, mesmo com a pandemia do SARS-CoV-2, começou a ser observada a circulação dos vírus influenza de maneira intensificada e com predominância do vírus influenza A (H3N2) - indicando um início de sazonalidade de temporalidade atípica em algumas unidades federadas do país, podendo ser configurada como uma epidemia, ou surtos localizados de influenza A (H3N2) e que já se encontra em redução", diz a nota.
Em entrevista ao Comprova, o diretor do laboratório de imunologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas (Incor), Jorge Kalil, diz que epidemias e surtos de influenza são incomuns no verão. Apesar de terem sintomas parecidos com os da covid, testes laboratoriais, explica Kalil, são capazes de diagnosticar o vírus.
"São feitos diagnósticos moleculares ou celulares para identificar a influenza. Ela realmente é incomum no verão, é uma anormalidade", disse.
Em entrevista à Agência FioCruz de Notícias em dezembro de 2021, o pesquisador do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo da Fiocruz Fernando Motta disse que um dos fatores que ajuda a entender o aumento dos casos de influenza é a combinação de uma circulação reduzida do vírus influenza em 2020 com a baixa adesão à campanha de vacinação em 2021.
No ano passado, o Brasil vacinou 72,1% do público-alvo, quando a meta era 90%. Vale lembrar que o imunizante contra a influenza, na época, não incluía a cepa H3N2. Os dados são do Ministério da Saúde. A campanha de imunização começou em abril e se estendeu até setembro diante da baixa adesão.
- Ômicron entre vacinados
Outra afirmação falsa feita pelo médico é a de que a ômicron "aparece mais em pessoas picadas", em referência a quem se vacinou contra covid-19. Ele chega a dizer que "as pessoas picadas têm um sistema imunológico que facilita a penetração da ômicron nelas".
Jorge Kalil explica que, comprovadamente, a maior parte das pessoas que foram hospitalizadas ou morreram em decorrência da infecção pelo coronavírus foram as não vacinadas, o que refuta a alegação do médico de que a nova cepa apareceria mais em indivíduos imunizados.
Isso não significa, no entanto, que pessoas vacinadas não possam se contaminar com a ômicron. Segundo o especialista, a capacidade da variante ômicron escapar aos "anticorpos antigos" (gerados pela vacinação ou pela infecção por variantes anteriores) é alta, porém não total. Isso significa que pessoas vacinadas podem se contaminar com a cepa, mas o imunizante contribuirá para um quadro mais leve da doença.
"A resposta imunológica que você tinha pode ser mais fraca, é o que acontece com essas variantes. A vacina inicial dá uma imunidade e depois essas variantes escapam da resposta imune. Os anticorpos que você tem para bloquear essa contaminação não são mais ativos. Mas a gente sempre tem uma resposta celular. Essa resposta somada aos anticorpos que sobraram depois dessas mudanças na célula humana ainda são suficientes para deixar a doença mais leve", diz.
Uma pesquisa do Instituto Nacional de Doenças Comunicáveis, da África do Sul, mostrou que a ômicron é menos grave que as outras variantes do coronavírus. Segundo o estudo, a onda gerada por essa variante teve menos casos graves e isso está associado à vacinação e a proteção conferida por infecções anteriores.
No dia 12 de janeiro, a Casa Branca, dos Estados Unidos, divulgou dois gráficos com base em informações do Departamento de Saúde de Nova York, referentes aos meses de outubro, novembro e dezembro de 2021 (veja aqui).
Desde o primeiro caso da ômicron registrado nos EUA, em 1º de dezembro, o número de infecções em pessoas não vacinadas foi de cerca de 500 para cada 100 mil habitantes, para mais de 3 mil para cada 100 mil habitantes em 19 de dezembro. Entre os vacinados, a taxa que se aproximava de zero, foi para 500 no mesmo período.
Em duas semanas, as hospitalizações decorrentes da ômicron entre os não vacinados aumentaram de cerca de 30 (para cada 100 mil habitantes), em 5 de dezembro, para 80 (para cada 100 mil habitantes). Entre os vacinados, o índice, que era quase zero, teve uma pequena alteração e ficou abaixo de 10.
O médico Jorge Kalil explica que a ômicron pode infectar pessoas vacinadas, mas que a maioria dos contaminados deve ter sintomas leves justamente pela proteção dos imunizantes.
"Existem algumas pessoas que apesar de terem sido vacinadas podem se infectar com a ômicron e ter doença leve. Agora, se você olhar qualquer estatística no mundo, você vai ver que 90 a 95% das pessoas que estão hospitalizadas ou vieram a morrer não são vacinadas, apesar de elas serem uma porção pequena da população", pontua.
Outro estudo realizado nos Estados Unidos pelo CDC e publicado em janeiro de 2022 mostrou que as pessoas não vacinadas no país apresentaram um risco 53 vezes maior de morte por covid-19 em comparação com as pessoas vacinadas com duas e três doses.
Com a ômicron, o risco entre quem não se vacinou foi 13 vezes maior em relação aos imunizados. A dose de reforço apresentou taxa de proteção de 90% contra a variante.
O estudo "Effectiveness of a Third Dose of mRNA Vaccines Against COVID-19? (Eficácia de uma terceira dose de vacinas do mRNA contra a COVID-19, tradução livre), do CDC, concluiu que pessoas vacinadas com dose de reforço são menos propensas a serem infectadas pela ômicron. A pesquisa foi publicada em 28 de janeiro deste ano.
Um segundo estudo, publicado na Revista Médica Jama em 21 de janeiro deste ano, mostrou que a dose de reforço ajudou a evitar que as pessoas adoecessem com a ômicron. A pesquisa avaliou pouco mais de 13 mil casos da variante nos EUA e descobriu que as chances de desenvolver uma infecção sintomática eram 66% menores para pessoas que receberam reforço em comparação com aquelas que receberam apenas duas injeções.
Uma verificação sobre o mesmo tema foi feita pela Agência Lupa em novembro de 2021. Segundo a Lupa, na época, não havia evidências científicas suficientes que comprovassem uma relação entre a nova variante ômicron e a vacinação. Além disso, não há nenhuma pesquisa que tenha concluído que a cepa é mais severa entre as pessoas totalmente imunizadas contra a covid-19.
- Quem é Rubens Amaral
Rubens Amaral é formado em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Santos. Tem mestrado em Educação pela Universidade Católica de Santos, é especialista em nefrologia, fisiologia do exercício na saúde pela USP e coach pelo Instituto Brasileiro de Coaching.
Apoiador do presidente Jair Bolsonaro, Rubens Amaral é contrário à aplicação de vacinas para combater a covid-19 e já incentivou, repetidamente, o uso de ivermectina como tratamento precoce contra a doença, o que não tem eficácia comprovada pela ciência.
Em dezembro de 2021, o Comprova investigou uma afirmação enganosa do médico sobre a eficácia das vacinas frente ao surgimento de novas variantes do coronavírus.
Por que investigamos?
O Comprova verifica informações suspeitas que tenham viralizado nas redes sociais ou aplicativos de mensagens sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19. O conteúdo checado foi compartilhado no Instagram e no Telegram, tendo alcançado mais de 47 mil visualizações.
As opiniões do médico dão fôlego aos discursos contrários à imunização e à ciência, e contribuem para o aumento da desconfiança sobre as vacinas. Devido aos alcance que as publicações de Amaral têm nas redes sociais, informações falsas a respeito das vacinas e da pandemia são compartilhadas e difundidas por milhares de pessoas.
A eficácia e a segurança dos imunizantes já foram amplamente defendidas e comprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Ministério da Saúde. Além de prevenir quadros graves da doença, as vacinas reduzem as chances de contaminação e transmissão do vírus.
Ao longo da pandemia, o Comprova fez diversas verificações que refutam falas e conteúdos compartilhados na internet que desacreditam a ciência e impactam negativamente no combate ao coronavírus. Alguns exemplos são as verificações a respeito da proteção das máscaras contra a epidemia de H3N2, que é falsa a afirmação de um médico sobre o vírus da covid ser parcialmente desconhecido e que as vacinas são "lixo", e que a ômicron existe e não é um conceito criado apenas para esconder os efeitos adversos das vacinas contra o coronavírus.
Outra fala do médico Rubens Amaral também já foi verificada pelo Comprova. Na ocasião, foi confirmado que, ao contrário do que afirmou o profissional, as vacinas contra a covid-19 continuam sendo eficazes mesmo com o surgimento de novas variantes do vírus.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado.
Este conteúdo foi investigado por Plural Curitiba e NSC Comunicação, e a investigação foi verificada por Jornal do Commercio, CNN Brasil, Metrópoles, O Dia, piauí, Nexo, SBT e O Estado de S. Paulo. A checagem foi publicada no site do Projeto Comprova em 7 de fevereiro de 2022.
O Comprova é um projeto integrado por 40 veículos de imprensa brasileiros que descobre, investiga e explica informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Envie sua sugestão de verificação pelo WhatsApp no número 11 97045 4984.
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