Passageiros enfrentam "super via crucis" nos trilhos; MP classifica serviço como ineficiente e inadequado
Todo dia, a acompanhante Regina Lúcia de Sousa sai de casa às 4h30 da manhã e caminha por dez minutos até a estação de trem de Saracuruna. Apesar de ser o início da linha, já nesta estação o trem fica lotado, e vai enchendo cada vez mais. Para garantir assento no trem de 5h20, ela chega bem cedinho. Afinal, a viagem até a Central do Brasil leva mais de uma hora e de lá ela ainda segue de ônibus para a Lagoa, onde pega no trabalho às 7h.
No dia 8 de outubro passado, ao voltar para casa, Regina Lúcia - uma das quase 500 mil pessoas que usam o serviço diariamente - teve sua dura rotina ainda mais sacrificada. Ao chegar na Central do Brasil, por volta de 17h30, encontrou a estação fechada, com muita confusão e violência.
"Tinha muita gente e estava cheio de polícia. Os guardas não deixavam o povo passar, agiam com ignorância e não davam orientação. Quando disseram que não ia mais ter trem, a situação piorou. Não queriam devolver o valor da passagem. A população afrontou e a polícia jogou gás lacrimogêneo e spray de pimenta em quem não tinha nada a ver. Deu aquele clarão. Vi policiais ameaçarem e baterem em jovens. Vi uma mulher ser pisoteada. Foi aterrorizante."
Segundo a SuperVia, concessionária que opera o sistema, o problema começou às 16h06, quando ao chegar na Central do Brasil um trem vazio teve o pantógrafo - equipamento que liga o trem aos cabos de energia - danificado. O problema causou a suspensão das partidas da estação por quase 40 minutos. Houve tumulto e o Batalhão de Choque da Polícia Militar foi chamado para conter os manifestantes. Cinco feridos foram encaminhados ao Hospital Sousa Aguiar. De acordo com a concessionária, a estação foi reaberta para embarque às 17h40 e a circulação normalizada às 18h40 em todos os ramais. Nos dias que se seguiram, novos problemas técnicos e operacionais atrasaram os usuários da Supervia.
Para governador, sabotagem; para o MP, serviço ineficiente
Para a polícia, o problema na Central do Brasil foi resultado de uma ação criminosa. Segundo o laudo da perícia, paralelepípedos atirados na linha férrea de um viaduto próximo teriam quebrado o pantógrafo.
O governador Sérgio Cabral chegou a qualificar as ações como "terrorismo". Uma das hipóteses levantadas é que o vandalismo tenha sido orquestrado por milicianos, que controlam linhas de vans recentemente proibidas de circular por estarem irregulares.
O caos na Central na quinta-feira da semana passada foi o "day after" de outro evento grave que na véspera afetou os usuários dos trens metropolitanos do Rio.
Às 7h40 da manhã de quarta-feira (7), um trem que fazia o percurso Japeri-Central do Brasil parou a 100 metros da estação de Nilópolis, na baixada fluminense. De acordo com a SuperVia, houve uma pane elétrica, que teria sido reparada em 20 minutos. Nesse tempo, entretanto, o maquinista abandonou o trem e os passageiros foram mantidos nos vagões parados, sem informações.
Revoltados, alguns começaram a forçar as portas e sair pelas janelas. Muitos seguiram a pé pela via férrea até a plataforma da estação, onde pediram o dinheiro de volta, sem sucesso. A concessionária oferecia apenas vales-passagem. Uma roleta e a bilheteria foram depredadas. Pelo menos dez pessoas ficaram feridas. A circulação entre as estações de Japeri e Deodoro foi suspensa por cinco horas. Na estação de Mesquita, foram incendiados dois vagões de um trem que esperava a situação se normalizar.
Após analisar várias imagens de panes em trens da companhia, inclusive em Nilópolis, onde os passageiros ficaram cerca de 20 minutos trancados nos vagões, o Ministério Público do Rio de Janeiro classificou como ineficiente e inadequado o serviço ferroviário oferecido pela prestadora. Para o MP, o incidente não foi um episódio isolado: atrasos constantes, má condição dos vagões e panes generalizadas evidenciam o colapso no sistema de trens capitaneado pela concessionária.
Na terça-feira (13), o MP pediu à Justiça que a SuperVia resolvesse, em 48 horas, todos os problemas técnicos de suas composições ferroviárias ou retirasse de circulação os trens que não apresentassem condições seguras de trafegabilidade. O pedido foi acatado na quinta-feira (15), em liminar da juíza Maria Isabel Gonçalves, da 6º Vara Empresarial, que também estabelece multa diária de R$ 100 mil caso a ordem seja descumprida.
O promotor de Justiça Carlos Andresano, titular da 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa do Consumidor do Contribuinte da Capital, destacou que a má prestação frustra a população e é causa geradora de revoltas e tumultos.
"Os consumidores dependem desta atividade para se locomover. Acontecimentos como estes obrigam os passageiros a desmarcar compromissos, impedem as pessoas de chegarem a seus destinos no tempo estimado e ocasionam, além de aborrecimentos, danos materiais e morais de toda a ordem", destaca.
O MP exige ainda da concessionária que respeite a integridade física e psicológica dos usuários, adotando medidas de segurança adequadas, como a previsão de resgate em casos inevitáveis de pane e a prestação de informações aos passageiros, por meio de sistema de som apropriado e de funcionários qualificados, a fim de se evitar o pânico.
Para o secretário Julio Lopes, a contribuição do MP é boa porque ajuda o governo a fiscalizar e a cobrar não só a SuperVia, mas todos os concessionários que atuam nos transportes. Ele reconhece que precisam ser feitos "investimentos imensos", mas garante que existe um processo de qualificação permanente e que há fiscalização constante do Estado sobre os serviços. A SuperVia informou só vai se pronunciar quando for comunicada oficialmente pela Justiça.
Raio-x dos trens do Rio
Viagens por dia | 716 |
Capacidade estimada | 1 milhão de passageiros/dia |
Horário de maior movimento | das 6h às 9h e das 17h às 20h |
Preço da passagem | R$ 2,50 |
Extensão da malha ferroviária de serviços | 225 km |
Número de carros em circulação | 525 |
Número de estações | 89 |
Municípios atendidos | Rio de Janeiro, Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Nilópolis, Mesquita, Queimados, São João de Meriti, Belford Roxo, Japeri, Paracambi e Magé |
"Tinha muita gente e estava cheio de polícia. Os guardas não deixavam o povo passar, agiam com ignorância e não davam orientação. Quando disseram que não ia mais ter trem, a situação piorou. Não queriam devolver o valor da passagem. A população afrontou e a polícia jogou gás lacrimogêneo e spray de pimenta em quem não tinha nada a ver. Deu aquele clarão. Vi policiais ameaçarem e baterem em jovens. Vi uma mulher ser pisoteada. Foi aterrorizante."
Segundo a SuperVia, concessionária que opera o sistema, o problema começou às 16h06, quando ao chegar na Central do Brasil um trem vazio teve o pantógrafo - equipamento que liga o trem aos cabos de energia - danificado. O problema causou a suspensão das partidas da estação por quase 40 minutos. Houve tumulto e o Batalhão de Choque da Polícia Militar foi chamado para conter os manifestantes. Cinco feridos foram encaminhados ao Hospital Sousa Aguiar. De acordo com a concessionária, a estação foi reaberta para embarque às 17h40 e a circulação normalizada às 18h40 em todos os ramais. Nos dias que se seguiram, novos problemas técnicos e operacionais atrasaram os usuários da Supervia.
Para governador, sabotagem; para o MP, serviço ineficiente
Para a polícia, o problema na Central do Brasil foi resultado de uma ação criminosa. Segundo o laudo da perícia, paralelepípedos atirados na linha férrea de um viaduto próximo teriam quebrado o pantógrafo.
O governador Sérgio Cabral chegou a qualificar as ações como "terrorismo". Uma das hipóteses levantadas é que o vandalismo tenha sido orquestrado por milicianos, que controlam linhas de vans recentemente proibidas de circular por estarem irregulares.
Problemas sobre os trilhos
-
Passageiros são vistos perto de cancelas de embarque que foram destruídas durante protesto na manhã de hoje na estação de trens de Nilópolis, na baixada fluminense; 11 ficaram feridos
-
Manifestantes protestaram na linha do trem em Nilópolis (RJ), depois que um problema operacional causou atrasos na manhã do dia 7 de outubro
Às 7h40 da manhã de quarta-feira (7), um trem que fazia o percurso Japeri-Central do Brasil parou a 100 metros da estação de Nilópolis, na baixada fluminense. De acordo com a SuperVia, houve uma pane elétrica, que teria sido reparada em 20 minutos. Nesse tempo, entretanto, o maquinista abandonou o trem e os passageiros foram mantidos nos vagões parados, sem informações.
Revoltados, alguns começaram a forçar as portas e sair pelas janelas. Muitos seguiram a pé pela via férrea até a plataforma da estação, onde pediram o dinheiro de volta, sem sucesso. A concessionária oferecia apenas vales-passagem. Uma roleta e a bilheteria foram depredadas. Pelo menos dez pessoas ficaram feridas. A circulação entre as estações de Japeri e Deodoro foi suspensa por cinco horas. Na estação de Mesquita, foram incendiados dois vagões de um trem que esperava a situação se normalizar.
Após analisar várias imagens de panes em trens da companhia, inclusive em Nilópolis, onde os passageiros ficaram cerca de 20 minutos trancados nos vagões, o Ministério Público do Rio de Janeiro classificou como ineficiente e inadequado o serviço ferroviário oferecido pela prestadora. Para o MP, o incidente não foi um episódio isolado: atrasos constantes, má condição dos vagões e panes generalizadas evidenciam o colapso no sistema de trens capitaneado pela concessionária.
Na terça-feira (13), o MP pediu à Justiça que a SuperVia resolvesse, em 48 horas, todos os problemas técnicos de suas composições ferroviárias ou retirasse de circulação os trens que não apresentassem condições seguras de trafegabilidade. O pedido foi acatado na quinta-feira (15), em liminar da juíza Maria Isabel Gonçalves, da 6º Vara Empresarial, que também estabelece multa diária de R$ 100 mil caso a ordem seja descumprida.
O promotor de Justiça Carlos Andresano, titular da 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa do Consumidor do Contribuinte da Capital, destacou que a má prestação frustra a população e é causa geradora de revoltas e tumultos.
"Os consumidores dependem desta atividade para se locomover. Acontecimentos como estes obrigam os passageiros a desmarcar compromissos, impedem as pessoas de chegarem a seus destinos no tempo estimado e ocasionam, além de aborrecimentos, danos materiais e morais de toda a ordem", destaca.
O MP exige ainda da concessionária que respeite a integridade física e psicológica dos usuários, adotando medidas de segurança adequadas, como a previsão de resgate em casos inevitáveis de pane e a prestação de informações aos passageiros, por meio de sistema de som apropriado e de funcionários qualificados, a fim de se evitar o pânico.
Para o secretário Julio Lopes, a contribuição do MP é boa porque ajuda o governo a fiscalizar e a cobrar não só a SuperVia, mas todos os concessionários que atuam nos transportes. Ele reconhece que precisam ser feitos "investimentos imensos", mas garante que existe um processo de qualificação permanente e que há fiscalização constante do Estado sobre os serviços. A SuperVia informou só vai se pronunciar quando for comunicada oficialmente pela Justiça.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.