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Passageiros enfrentam "super via crucis" nos trilhos; MP classifica serviço como ineficiente e inadequado

Marina Lemle<br>Especial para o UOL Notícias<br>No Rio de Janeiro

18/10/2009 07h11

Todo dia, a acompanhante Regina Lúcia de Sousa sai de casa às 4h30 da manhã e caminha por dez minutos até a estação de trem de Saracuruna. Apesar de ser o início da linha, já nesta estação o trem fica lotado, e vai enchendo cada vez mais. Para garantir assento no trem de 5h20, ela chega bem cedinho. Afinal, a viagem até a Central do Brasil leva mais de uma hora e de lá ela ainda segue de ônibus para a Lagoa, onde pega no trabalho às 7h.

Raio-x dos trens do Rio

Viagens por dia716
Capacidade estimada 1 milhão de passageiros/dia
Horário de maior movimentodas 6h às 9h e das 17h às 20h
Preço da passagemR$ 2,50
Extensão da malha ferroviária de serviços225 km
Número de carros em circulação525
Número de estações89
Municípios atendidosRio de Janeiro, Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Nilópolis, Mesquita, Queimados, São João de Meriti, Belford Roxo, Japeri, Paracambi e Magé
No dia 8 de outubro passado, ao voltar para casa, Regina Lúcia - uma das quase 500 mil pessoas que usam o serviço diariamente - teve sua dura rotina ainda mais sacrificada. Ao chegar na Central do Brasil, por volta de 17h30, encontrou a estação fechada, com muita confusão e violência.

"Tinha muita gente e estava cheio de polícia. Os guardas não deixavam o povo passar, agiam com ignorância e não davam orientação. Quando disseram que não ia mais ter trem, a situação piorou. Não queriam devolver o valor da passagem. A população afrontou e a polícia jogou gás lacrimogêneo e spray de pimenta em quem não tinha nada a ver. Deu aquele clarão. Vi policiais ameaçarem e baterem em jovens. Vi uma mulher ser pisoteada. Foi aterrorizante."

Segundo a SuperVia, concessionária que opera o sistema, o problema começou às 16h06, quando ao chegar na Central do Brasil um trem vazio teve o pantógrafo - equipamento que liga o trem aos cabos de energia - danificado. O problema causou a suspensão das partidas da estação por quase 40 minutos. Houve tumulto e o Batalhão de Choque da Polícia Militar foi chamado para conter os manifestantes. Cinco feridos foram encaminhados ao Hospital Sousa Aguiar. De acordo com a concessionária, a estação foi reaberta para embarque às 17h40 e a circulação normalizada às 18h40 em todos os ramais. Nos dias que se seguiram, novos problemas técnicos e operacionais atrasaram os usuários da Supervia.

Para governador, sabotagem; para o MP, serviço ineficiente
Para a polícia, o problema na Central do Brasil foi resultado de uma ação criminosa. Segundo o laudo da perícia, paralelepípedos atirados na linha férrea de um viaduto próximo teriam quebrado o pantógrafo.

O governador Sérgio Cabral chegou a qualificar as ações como "terrorismo". Uma das hipóteses levantadas é que o vandalismo tenha sido orquestrado por milicianos, que controlam linhas de vans recentemente proibidas de circular por estarem irregulares.

Problemas sobre os trilhos

  • Rafael Andrade/Folha Imagem

    Passageiros são vistos perto de cancelas de embarque que foram destruídas durante protesto na manhã de hoje na estação de trens de Nilópolis, na baixada fluminense; 11 ficaram feridos

  • Reprodução de TV

    Manifestantes protestaram na linha do trem em Nilópolis (RJ), depois que um problema operacional causou atrasos na manhã do dia 7 de outubro

O caos na Central na quinta-feira da semana passada foi o "day after" de outro evento grave que na véspera afetou os usuários dos trens metropolitanos do Rio.

Às 7h40 da manhã de quarta-feira (7), um trem que fazia o percurso Japeri-Central do Brasil parou a 100 metros da estação de Nilópolis, na baixada fluminense. De acordo com a SuperVia, houve uma pane elétrica, que teria sido reparada em 20 minutos. Nesse tempo, entretanto, o maquinista abandonou o trem e os passageiros foram mantidos nos vagões parados, sem informações.

Revoltados, alguns começaram a forçar as portas e sair pelas janelas. Muitos seguiram a pé pela via férrea até a plataforma da estação, onde pediram o dinheiro de volta, sem sucesso. A concessionária oferecia apenas vales-passagem. Uma roleta e a bilheteria foram depredadas. Pelo menos dez pessoas ficaram feridas. A circulação entre as estações de Japeri e Deodoro foi suspensa por cinco horas. Na estação de Mesquita, foram incendiados dois vagões de um trem que esperava a situação se normalizar.

Após analisar várias imagens de panes em trens da companhia, inclusive em Nilópolis, onde os passageiros ficaram cerca de 20 minutos trancados nos vagões, o Ministério Público do Rio de Janeiro classificou como ineficiente e inadequado o serviço ferroviário oferecido pela prestadora. Para o MP, o incidente não foi um episódio isolado: atrasos constantes, má condição dos vagões e panes generalizadas evidenciam o colapso no sistema de trens capitaneado pela concessionária.

Na terça-feira (13), o MP pediu à Justiça que a SuperVia resolvesse, em 48 horas, todos os problemas técnicos de suas composições ferroviárias ou retirasse de circulação os trens que não apresentassem condições seguras de trafegabilidade. O pedido foi acatado na quinta-feira (15), em liminar da juíza Maria Isabel Gonçalves, da 6º Vara Empresarial, que também estabelece multa diária de R$ 100 mil caso a ordem seja descumprida.

O promotor de Justiça Carlos Andresano, titular da 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa do Consumidor do Contribuinte da Capital, destacou que a má prestação frustra a população e é causa geradora de revoltas e tumultos.

"Os consumidores dependem desta atividade para se locomover. Acontecimentos como estes obrigam os passageiros a desmarcar compromissos, impedem as pessoas de chegarem a seus destinos no tempo estimado e ocasionam, além de aborrecimentos, danos materiais e morais de toda a ordem", destaca.

O MP exige ainda da concessionária que respeite a integridade física e psicológica dos usuários, adotando medidas de segurança adequadas, como a previsão de resgate em casos inevitáveis de pane e a prestação de informações aos passageiros, por meio de sistema de som apropriado e de funcionários qualificados, a fim de se evitar o pânico.

Para o secretário Julio Lopes, a contribuição do MP é boa porque ajuda o governo a fiscalizar e a cobrar não só a SuperVia, mas todos os concessionários que atuam nos transportes. Ele reconhece que precisam ser feitos "investimentos imensos", mas garante que existe um processo de qualificação permanente e que há fiscalização constante do Estado sobre os serviços. A SuperVia informou só vai se pronunciar quando for comunicada oficialmente pela Justiça.
  • Divulgação