Com estiagem na Amazônia, ribeirinhos sofrem com falta de água potável, locomoção e recesso escolar
A seca que atinge a Amazônia há quase dois meses está mudando a rotina dos milhões de ribeirinhos que vivem às margens dos rios, lagos e igarapés da região. Famílias acompanham a descida das águas em barcos e casas flutuantes fugindo da estiagem que, só no Estado do Amazonas, já fez 40 municípios decretarem estado de emergência. Em meio à maior bacia hidrográfica do planeta, ribeirinhos procuram novas fontes de água potável. Mais de 600 toneladas de alimentos e remédios já foram distribuídas pelas Forças Armadas e pela Defesa Civil Estadual.
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O agricultor André de Souza, 58, mora em uma casa flutuante na comunidade do Cristo Redentor, no município de Manacapuru (85 km de Manaus), um dos mais afetados pela estiagem. Com a baixa das águas, ele teve de se mudar com a mulher e cinco filhos para outra comunidade, mais perto do rio Solimões.
“A nossa casa fica na beira de um igarapé. Como o rio secou, não tínhamos mais como sair da casa de barco. Tivemos que nos mudar pra ficar mais perto do beiradão”, diz. Para conseguir água potável, André tem de viajar uma hora e meia em uma canoa de madeira movida a um pequeno motor conhecido como “rabeta”. “A água que a gente tem lá perto não é boa pra beber. Temos que ir a outra comunidade pra conseguir água de uma mina”, conta.
Lucilene da Silva Nascimento, 34, não mudou de casa. Mas mudou sua casa de lugar. A construção de madeira está assentada em um conjunto de toras que a torna flutuante. Durante a cheia, a casa fica estacionada na foz de um igarapé localizado na comunidade Irapajé 2, a pouco mais de duas horas, usando uma lancha rápida (conhecida na região como voadeira), da sede de Manacapuru. Com a seca, a casa teve de ser rebocada por mais de dois quilômetros para que a família não ficasse isolada. “Meu marido vive da pesca, mas o igarapé e os lagos onde ele pescava secaram. A situação está difícil”, conta a dona de casa, mãe de dois meninos e uma menina.
Lucilene diz que a seca está dificultando até o recebimento do dinheiro do programa Bolsa Família, pelo qual ela tem direito a R$ 134. Para sacar o benefício, ela precisa ir até Manacapuru, já que nas comunidades ribeirinhas da região não há postos bancários. Mas na vazante, a viagem à sede do município fica arriscada. O canal do rio Solimões está cada vez mais estreito e, em alguns pontos, há formação de redemoinhos. “O nosso barquinho é muito pequeno. Sou ribeirinha, mas nem no rio eu entro. Tenho medo. Mas também tenho medo de perder o benefício. Com essa seca, esse dinheiro faz falta”, conta.
Os três filhos de Lucilene também foram diretamente afetados pela estiagem. As aulas nas comunidades ribeirinhas de Manacapuru foram suspensas, assim como em outros municípios do interior do Amazonas. “Eles estão sem ir à escola há quase um mês”, lamenta a dona-de-casa.
"Um tal de aquecimento global"
O casal Maria da Silva Leite, 57, e Anicolino Almeida Leite, 66, deixou a casa onde morava, próxima à comunidade do Rosário, para viver em um barco de 13 metros de comprimento por quatro de largura. Os dois são agricultores e pescadores, mas a falta de acesso à água potável os obrigou a deixar a comunidade onde viviam. “Não tem condições. Pra chegar até a comunidade onde tem água, a gente tinha que dar uma hora e meia de 'pernada'. Somos velhos. Eu tenho reumatismo e meu marido perdeu uma vista. O jeito foi vir para perto do leito do rio”, diz Maria da Silva.
Anicolino, que ouve as notícias das cidades por um rádio de ondas curtas, acredita que o clima da região está mudando nos últimos anos. Conta que até já ouviu falar “de um tal de aquecimento global”, mas não sabe explicar o que a expressão significa. “A última seca que eu vi igual a essa foi a de 1963. Eu era moço. Depois, nunca mais eu vi. Essa seca de agora aconteceu depois de uma cheia bem grande (a cheia de 2009 foi a maior registrada no Estado do Amazonas). O clima está ficando doido”, observa Anicolino enquanto caminha pelo leito seco de um lago onde costumava pescar.
Gado prejudicado
O pecuarista Alcides Rebouças de Oliveira, 68, subestimou o poder da seca deste ano e corre o risco de ver seu gado passar fome. Ele não tirou as cerca de 300 cabeças que mantém em uma área de terra firme para uma área mais próxima do leito do rio. Hoje, os animais estão isolados e sem acesso a uma fonte de água.
O pasto, cada vez mais ralo, já não é suficiente para alimentá-los. Para piorar a situação, os bois tentam chegar ao capim que nasce no leito seco dos igarapés e lagos, mas, como ainda há umidade no solo, muitos acabam atolando.
“É muito triste você ver um gado assim passando fome e sede. Já estou aqui há muitos anos e nunca vi algo parecido”, conta Isac da Silva, 34, vaqueiro da pequena propriedade de Alcides.
Isac ganha R$ 600 por mês para cuidar do gado e é um dos poucos que estão conseguindo tirar vantagem com a seca: como a baixa no nível dos igarapés afastou as comunidades, agora ele ganha dinheiro transportando cargas do porto improvisado à beira do rio Manacapuru, até as comunidades que antes eram abastecidas por canoa. Para transportar um galão de 50 litros de gasolina, ele ganha R$ 10.
O comerciante Natan Caldeira de Andrade, 52, tem uma pequena venda na comunidade Nossa Senhora do Carmo, e é um dos que mais paga frete a Isac. “O meu lucro encolheu muito. Não tenho como aumentar o preço da mercadoria porque aqui o dinheiro é pouco e povo não poderia comprar”, afirma.
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