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Sem-terra iniciam protestos contra desocupações em Alagoas; Igreja critica o Estado

Carlos Madeiro

Especial para o UOL Notícias<br>Em Maceió

10/02/2011 14h59

Trabalhadores rurais de quatro movimentos iniciaram nesta quinta-feira (10) uma série de protestos contra as 18 desocupações de terra realizadas pela Polícia Militar, a mando da Justiça, em janeiro. Segundo CPT (Comissão Pastoral da Terra), MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), MLST (Movimento de Libertação dos Sem Terra) e MTL (Movimento Terra, Trabalho e Liberdade),  cerca de 200 famílias foram retiradas de acampamentos e assentamentos alagoanos, onde casas e plantações teiram sido destruídas de forma violenta. Em alguns casos, os trabalhadores reclamam do uso da força policial, que teria ferido trabalhadores durante cumprimentos de mandados.

Logo no início da manhã de hoje, os sem-terra ocuparam e fecharam o porto de Maceió. Além disso, eles chegaram a Maceió e ocuparam a praça da Faculdade, no bairro do Prado, e prometem ficar acampados e realizando protestos pela capital por tempo indeterminado. Além disso, eles ocupam, desde o dia 31 de janeiro, a sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), no centro de Maceió, e parte da praça Sinimbu, em frente à sede do órgão.

Por conta da série de desocupações, a Igreja lançou nota criticando as ações do poder público. “A Arquidiocese de Maceió vem a público externar a sua mais profunda solidariedade com as famílias sem-terra que estão sendo vítimas de despejos violentos por parte do Estado. Apelamos pelo diálogo e o não uso da violência contra os mais fracos, que historicamente foram usurpados dos seus direitos”, diz o texto.

Além de se solidarizar, a Igreja alerta para aquela que promete ser a desocupação mais tensa do ano: da família Bota Velha, em Murici. “Queremos neste momento difícil pelo qual passam os camponeses sem-terra em Alagoas ser solidários com as 102 famílias acampadas em Bota Velha, em Murici, onde vivem desde 2002 e que estão sendo ameaçadas de sofrerem despejo no próximo dia 21 de fevereiro.”

Para os movimentos, existe uma estratégia montada para desocupar áreas ocupadas por trabalhadores rurais. “A Vara Agrária e o governo estão utilizando a estratégia da violência no início do ano, enquanto ainda reina o clima de comemorações ou férias. As reintegrações estão acontecendo numa velocidade assustadora. É uma clara intenção de passar o rolo compressor sem que haja qualquer tipo de reação da sociedade. Quem dera a reforma agrária caminhasse no mesmo ritmo”,afirmou o coordenador da CPT em Alagoas, Carlos Lima, em artigo encaminhado aos jornalistas.

Violência em Murici

Um dos maiores protestos dos trabalhadores rurais é contra a desocupação da fazenda Cavalheiro, em Murici, ocorrida no último dia 26. Segundo a coordenadora do MTL, Maria José da Hora, 75 famílias ocupavam o local havia 10 anos e foram retirados à força do local, após várias tentativas frutradas de negociação. “Usaram bala de verdade, bala de borracha, spray de pimenta, bomba de gás”, afirmou.

Em protesto contra a saída forçada dos agricultores, cerca de 50 famílias ocuparam, há 11 dias, a sede do Incra. “O protesto é por tempo indeterminado, até que nos deem um novo local para viver”, complementou.

O trabalhador rural José Vicente Pereira é um dos que se queixa da violência da desocupação. Ele afirma que ficou ferido no braço com um tiro. Quase 20 dias após o ocorrido, ele ainda tem uma cicatriz. “A gente fechou a BR-104, e o pessoal da polícia veio atirando. Ele não mirou em mim, mas atingiu meu braço”, assegurou.

O major Alexandre Paranhos, do Centro de Gerenciamento de Crises da Polícia Militar, disse ao UOL Notícias que, antes de cumprir qualquer mandado judicial, a polícia faz a negociação com os movimentos sociais e tenta intermediar soluções para as decisões de reocupação. Segundo ele, o grande número de desocupações de janeiro se deve ao acúmulo de processos - "a polícia cumpriu quase um mandado por dia no úlitmo mês" - e o aumento da pressão no Judiciário para solucionar questões agrárias antigas.

“Algumas pessoas acham que é a polícia quem decide sobre suspender uma determinação, o que não é verdade. Nós apenas cumprimos as determinações, mas fazemos de tudo para que seja encontrada uma alternativa definitiva para o problema. Mas, infelizmente, nem sempre é possível", assegurou.

Segundo o major, apesar da tentativa à exaustão de negociar, “nós temos o limite da lei”. “Em nenhuma desocupação houve uso de força em excesso em desocupações, tanto que não tivemos feridos graves ou mortes. Sempre seguimos a doutrina policial, cidadã. Mesmo quando é empregada a força, é usada apenas a força necessária, como prevê a Constituição. Ninguém pode ser ingênuo e achar que ferimentos leves, em desocupações forçadas, não podem acontecer”, explicou, negando veementemente que a polícia tenha usado bala letal contra os sem-terra durante a desocupação da fazenda Cavalheiro, em Murici.

Juiz culpa o Incra

O juiz da Vara Agrária, Ayrton Tenório, explicou que o grande culpado pelos problemas agrários de Alagoas é o Incra. "Tudo isso que está acontecendo é culpa do governo federal, que tem obrigação de fazer a reforma agrária e não está fazendo. A Vara apenas media conflitos, não desapropria. O problema é que o Incra não tem mais sequer credibilidade com a Justiça, com os produtores e com os movimentos sociais. Nós sempre chamamos o Incra, negociamos, mas o órgão não cumpre. Tem casos de produtores que convenci a vender as terras com a promessa de receber em três meses e já faz quase um ano que não recebeu nada. Ou seja, ninguém quer vender para levar calote", explicou.

Sobre os mandados de desocupação, ele afirma que todos os trabalhadores rurais estavam conscientes dos mandados e que teriam que deixar os assentamentos. "Os acampamentos daquela região de Murici e de Messias estavam cientes disso. O pessoal da fazenda Bota Velha foi comunicada em agosto. Demos 90 dias para saída, não foi cumprido. Demos mais 60, e o Incra não fez nada e a situação permaneceu. Com a demora, a Justiça tem que ficar no lado de quem tem direito, que é o dono da terra", disse Tenório.

O UOL Notícias entrou em contato com a assessoria de imprensa do Incra em Alagoas e foi informado que a superintendente substituta, Alessandra Costa, iria falar sobre o assunto, já que o titular está de férias. Contatada, ela informou, primeiramente, por meio de um funcionário do órgão, que estava em reunião e que retornaria a ligação ainda esta manhã. A reportagem fez várias tentativas até o início da tarde, mas ela não atendeu, nem retornou as ligações.