Um ano após denúncias contra padres, ex-coroinhas relatam humilhação e preconceito em Arapiraca (AL)
As denúncias sobre os abusos sexuais cometidos por padres em Arapiraca (120 km de Maceió), feitas há um ano e três meses, mudou a vida dos três ex-coroinhas que acusaram os religiosos. O UOL Notícias conversou com dois deles –ambos relataram que estão confiantes na condenação dos acusados, cujo julgamento acontece nesta sexta-feira (8), mas sofrem com o preconceito na cidade.
Eles continuam morando em Arapiraca, mas contam que vivem isolados. A terceira vítima se mudou para Maceió.
“Apesar de não termos testemunhas para confirmar os abusos, temos os nossos depoimentos fortes, com detalhes minuciosos. Isso deve fazer a diferença na hora da decisão do juiz”, acredita Anderson Farias, hoje com 22 anos.
Em tom de revolta, o jovem relatou que teria sido abusado dos 14 aos 17 anos, quando “tive forças para dar um basta naquela situação.” Ele conta que está ansioso com o início do julgamento e prefere que sua família fique em casa para não se expor a mais humilhações.
“Amanhã [sexta-feira, 8] haverá o momento em que eu mais esperei em toda a minha vida: o julgamento daqueles que me abusaram, que destruíram meu psicológico. Espero que haja um resultado condenatório e assim outras vítimas tenham coragem de denunciar os abusos que sofreram desses padres. Sei que ainda tem muitas vítimas e que não denunciam por medo da impunidade.”
O outro ex-coroinha, Fabiano da Silva Ferreira, 22, que foi filmado mantendo relação sexual com o monsenhor Luiz Marques, relata que ainda não superou o trauma de ser "aliciado, explorado e abusado sexualmente durante seis anos.” “Não é fácil a gente se livrar de um trauma como esse. Eu era uma criança de 12 anos quando comecei a sofrer os abusos. Isso ocorreu até meus 18 anos, quando ocorreu a filmagem do vídeo. Se não fossem as imagens, ninguém acreditaria em nós, as ameaças eram constantes”, afirmou.
Fabiano relata que enfrenta problemas psicológicos graves e que encontrou no esporte uma forma de tentar esquecer o trauma. “Depois que denunciamos os abusos, no ano passado, fiquei muito depressivo sem conseguir dormir. Pesadelos e lembranças horríveis tomaram conta da minha cabeça, mas estou melhor depois que voltei a treinar karatê. O esporte me faz extravasar”, relatou ele, dizendo que ficou desempregado e não consegue trabalho devido a “forte influência dos padres na sociedade.”
“Por onde ando sou vítima de piadas, mas o pior de tudo é o julgamento, como se nós fossemos os vilões da história. Esses padres ainda têm muita influência na cidade e as pessoas me dão as costas quando vou atrás de emprego. Graças a Deus tenho meus pais para me sustentar”, disse Fabiano. Ele contou também que largou os estudos devido ao preconceito que enfrentou por parte dos colegas de classe.
Os dois jovens afirmam ainda ter fé em Deus, mas disseram que não frequentam mais as atividades realizadas pela Igreja Católica.
Anderson e Fabiano contam que evitam sair de casa para não se expor a piadas. Anderson afirma que, depois que o caso se tornou público, sua rotina virou "de casa para o trabalho”. “Todos nós três estamos vivendo mais nas nossas casas, evitamos sair, pois as pessoas soltam muitas piadas com relação a um fato criminoso, que dói na minha alma até hoje. Mas não somos culpados, somos vítimas daqueles padres”, disse, ressaltando que, se não fosse proprietário de um pequeno comércio, estaria desempregado pelo preconceito.
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