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Sob protestos, TJ extingue 50 comarcas na Bahia e deixa 655 mil "órfãos" do Judiciário

Aliny Gama e Carlos Madeiro<br>Especial para o UOL Notícias<br>Em Maceió

28/10/2011 07h00

A decisão de extinguir 50 comarcas do interior da Bahia colocou o TJ (Tribunal de Justiça) no centro de um bombardeiro de críticas de prefeitos e instituições representativas no Estado. A polêmica medida foi tomada no último dia 19, quando os desembargadores definiram o fechamento de 50 das 277 unidades judiciárias alegando falta de recursos e de mão-de-obra para atender a população. A definição não foi bem recebida por municípios, OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e sindicato de servidores, que acusam o Judiciário de não discutir o assunto e de descumprir a Constituição estadual.

A extinção de comarcas atingiu algumas das cidades menos populosas, mas algumas delas com mais de 20 mil habitantes, como é o caso Candiba (28 mil habitantes), Ibitiara (26 mil habitantes), Planalto (24 mil habitantes) e Itaquara (22 mil habitantes). Segundo apurou o UOL Notícias, 655 mil moradores da Bahia ficaram sem Justiça em seus municípios e terão que viajar por até quase 90 km para ter acesso a uma comarca de cidades vizinhas.

Segundo afirmou a presidente do TJ-BA, Telma Britto, em seu relatório sobre a decisão, “a escassez da receita” impede que o Judiciário de manter a estrutura ideal e suprir “os claros no quadro de servidores”. O relatório aponta que existe uma carência de 281 juízes na Bahia, que não poderiam ser supridas de imediato por falta de dinheiro em caixa para contratação. O relatório, porém, não cita o montante que será economizado com a medida. 

“Pior ainda é que, para atender a um reduzido número de habitantes, que poderá ter acesso à Justiça na cidade mais próxima, se deixe sem atendimento, por absoluta falta de recursos, quantidade infinita de pessoas”, justificou Britto em seu relatório, citando que o critério para extinção foi “exclusivamente técnico”.

Para a presidente do TJ-BA, o funcionamento de uma comarca sem o número ideal de trabalhadores "não garante" o direito à Justiça às pessoas. “A falta de magistrados e de servidores constitui óbice de tal relevância que é preferível dispor dos serviços a uma distância de poucos quilômetros, muitas vezes menor do que a percorrida dentro da zona urbana da própria comarca, do que esperar por um juiz substituto ou pela disponibilidade do servidor que não dá conta do serviço”, disse.

Britto também alegou "corte abrupto” de recursos – sem citar valores – para justificar o fechamento das 50 comarcas. “Não se justifica deixar ativas comarcas de pouco movimento e número reduzido de processos enquanto processos e mais processos se mantêm paralisados por falta de pessoal”, finalizou.

OAB pode ir ao CNJ

O presidente da OAB na Bahia, Saul Quadros, criticou o fechamento das comarcas e afirmou que o TJ-BA não discutiu a extinção com a comunidade, “que é a parte interessada”, nem com os juízes, “que vão aglutinar as comarcas extintas”. “Existem comarcas que vão ficar sobrecarregadas depois que acumularem as extintas. Essa situação nos causa preocupação, pois mostra o quanto está deficiente o Poder Judiciário”, disse ao UOL Notícias, assegurando que a OAB vai pressionar o Judiciário para que a medida seja reavaliada.

“Temos de avaliar caso a caso e ainda chamar a comunidade para discussão. Foram poucos os prefeitos consultados, e não houve debate aprofundado. O TJ-BA decidiu e não deu o direito a ninguém de se pronunciar. Caso não ouça nosso pedido, vamos bater às portas do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), porque não podemos deixar isso acontecer sem essa avaliação”, disse Quadros.

O presidente afirmou que, no dia 18 de agosto, a OAB ingressou com uma ação contra o TJ-BA para que seja realizado concurso público para preenchimento das vagas em aberto. “Dessas 50 comarcas que o TJ-BA anunciou extinção, 40 não têm juiz. Por que abriram essas comarcas?”, questionou.

Prefeitos reclamam

A decisão de extinguir comarcas causou muitos protestos de prefeitos, que foram até Salvador na última terça-feira (25). “É inaceitável o que está ocorrendo, e precisamos denunciar as dificuldades que estamos passando. A comarca mais próxima de nossa cidade fica agora a 87 km, e temos que atravessar o rio Parnamirim de balsa. É uma injustiça tremenda o que está acontecendo. O TJ deveria se preocupar em cortas gastos cortando as regalias, os privilégios e as gratificações que muitos têm”, disse o prefeito de Morpará, Sirley Novais.

Já o prefeito de Capela do Alto Alegre, Claudinei Novato, afirmou que o prédio onde funcionava a comarca da cidade custou R$ 1,3 milhão e foi inaugurada em 2009. Agora, com a desativação, o prédio está abandonado. Em protesto, os vereadores do município aprovaram, no último dia 23, uma moção de repúdio ao TJ-BA pela extinção da comarca.

Outro que também protestou foi o prefeito de Rio do Antônio, Antônio Oliveira Morais. Ele encaminhou, esta semana, um manifesto de repúdio ao TJ-BA. “Manifesto o meu grau de insatisfação, acolhido pelos munícipes, com a desativação da Comarca de Rio do Antônio. Solicito, em nome da população do município, que a presidente do TJ-BA, a desembargadora Telma Brito, reveja essa decisão, com o intuito de permanecer em funcionamento a comarca na cidade, garantido a todos o acesso aos serviços do Judiciário”, diz o documento.

A medida também foi criticada pelo Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário da Bahia. Em nota, a entidade diz que a decisão foi ilegal. “Sabe-se que a medida é inconstitucional, pois a Lei de Organização Judiciária permite que o Tribunal de Justiça desative varas e não comarcas. Desativação de comarcas só pode ser feita pela Assembleia Legislativa”, assegurou.

O sindicato também disse que a medida causa prejuízo à população e aos servidores. “O Sinpojud chama atenção para os prejuízos causados à população, que ao precisar dos serviços cartorários terá que se dirigir a outra cidade para realizá-los, bem como aos servidores destas comarcas que serão deslocados à mercê do Poder Judiciário, que tem agido como se estivesse acima do bem e do mal”, afirmou.

A Assembleia Legislativa da Bahia informou que solicitou e aguarda um parecer da procuradoria da Casa para que a Mesa Diretora decida se vai contestar ou não a legalidade da decisão do judiciário baiano. 

O UOL Notícias tentou em contato com o Ministério Público da Bahia para saber qual a posição do órgão sobre a decisão do Judiciário, mas até a publicação da matéria não recebeu resposta dos questionamentos encaminhados por e-mail.