Após derrota na Justiça, usuários de barcas no Rio preparam novas manifestações contra aumento de tarifa
Após exatamente um mês pagando R$ 4,50 para atravessar a baía de Guanabara, no Rio, os clientes da concessionária Barcas S/A que se organizaram contra o aumento de mais de 60% no valor da tarifa --a passagem custava R$ 2,80 até o dia 2 de março-- temem que a mobilização conjunta caia no esquecimento. Por isso, o grupo está preparando novas manifestações.
Segundo o vice-presidente da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor e do Trabalhador (Abradecont), Evilásio Alves, o governo do Estado se mantém em silêncio à espera de que o reajuste no valor da passagem das barcas “saia do noticiário”.
"Na prática, isso é o que acaba acontecendo. Surgem uma série de acontecimentos no dia a dia e esse aumento absurdo acaba ficando para trás na agenda da mídia. O governo sabe que isso funciona em seu favor e alimenta esse tipo de perspectiva. A mídia é a nossa principal ferramenta, mas o assunto tende a cair na inércia", afirma Alves.
Na esfera judicial, a batalha ainda está longe de acabar. Há três semanas, a Justiça indeferiu o pedido de liminar para suspender o reajuste. A ação civil pública protocolada pela Abradecont continua tramitando na 4ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e caberá ao juiz Mauro Pereira Martins apreciar, nos próximos dias, um recurso movido pelos usuários das barcas.
"A concessionária e o governo do Estado já foram intimados a apresentar suas respectivas defesas. Poderíamos até recorrer a uma instância superior, mas acredito que não seja o caso. Depois que eles se defenderem, o juiz deve marcar uma sessão de conciliação e, se o acordo não vier, uma audiência de instrução e julgamento", disse.
Em caso de nova negativa, o grupo espera contar com o apoio do Ministério Público para cobrar a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), de acordo com o vice-presidente da Abradecont --que é o advogado representante dos usuários das barcas.
"Nesse caso, acredito que o TAC seria o melhor caminho, já que ele estabelece uma obrigatoriedade para a empresa. (...) Não acredito que a Justiça vá compactuar com o governo do Estado", completou.
Para Flávio Serafim, 32, um dos representantes da comissão formada por usuários, o aumento, além de abusivo, “é inexplicável, dez vezes acima da inflação”. "Esse aumento tem um impacto grande na conta dos trabalhadores e afeta o direito de deslocamento e mobilidade na cidade. Na ação coletiva, nós queremos pedir que seja recalculada a tarifa. O ideal é que ela não seja muito discrepante, ao redor de R$ 3,00", defendeu.
Segundo o grupo de clientes da concessionária, ainda não houve diálogo com a Agetransp (Agência Reguladora de Transportes) e a Barcas S/A, tampouco com o governo do Estado. "Houve um contato do governo estadual com o grupo de deputados da Alerj [Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro] que defende a nossa causa, mas não deu em nada", afirmou Alves.
Os usuários têm realizado inúmeros protestos contra a medida desde fevereiro, quando foi anunciado o aumento. Além da ação civil pública protocolada pela Abradecont, os usuários das barcas anexaram ao processo um documento com mais de 25 mil assinaturas de apoio à reivindicação.
Batalha na Alerj
O reajuste de mais de 60% no valor da passagem das barcas movimenta opiniões e atitudes divergentes na Alerj. Os parlamentares de oposição, liderados pelo deputado Marcelo Freixo (PSOL), já enviaram uma representação ao MP para derrubar o aumento. Ainda não houve retorno.
Além disso, o grupo está elaborando um levantamento acerca das isenções fiscais que já foram concedidas pelo governo estadual à empresa Barcas S/A.
De acordo com informações dos bastidores da Alerj, também estão sendo investigadas as "doações" que o Executivo fluminense teria feito à concessionária --principalmente a de um suposto terreno na estação de Araribóia (atualmente utilizado como estacionamento), em Niterói, que serviria para ampliação do terminal.
Do outro lado, deputados da base do governo já aprovaram pelo menos duas vezes a retirada do assunto da pauta de discussões.
A batalha na Assembleia Legislativa se arrasta desde o início de março. Cinco dias após o reajuste, os parlamentares derrubaram o veto do governador Sérgio Cabral (PMDB) que excluía do balanço financeiro da concessionária os recursos arrecadados com as linhas seletivas --a exemplo de Charitas-Rio (R$ 12 a passagem).
O veto também possibilitava a exclusão das receitas provenientes de outras atividades, como a administração dos seus estacionamentos, o aluguel de lojas e espaços comerciais, além da exploração de publicidade.
O texto vetado é uma das emendas feitas ao projeto de lei 1.145/2011, aprovado em dezembro, criando uma nova estrutura tarifária para o serviço e autorizando o Estado a subsidiar parte da passagem para os usuários portadores do Bilhete Único Intermunicipal. Na prática, segundo os deputados, a derrubada do veto vai influenciar no cálculo futuro das tarifas.
Aumento é justificável, diz Agetransp
Na versão da Agetransp, um estudo coordenado por uma empresa terceirizada verificou que há um desequilíbrio econômico e financeiro no contrato com a concessionária responsável pelo serviço de barcas. A análise foi enviada para a Secretaria Estadual de Transportes que, após um cálculo, informou a necessidade do aumento de cerca de 60%.
Segundo a agência reguladora, houve uma deliberação para que a concessionária mantivesse a tarifa das linhas Angra dos Reis, Ilha Grande, Mangaratiba e Paquetá no valor de R$ 4,50 sem aumentar o valor, mas que elevasse as outras linhas.
Além disso, a tarifa praticada aos usuários portadores do bilhete único em duas viagens diárias seria mantida no valor de R$ 3,10, uma vez que o governo subsidiaria o valor restante da passagem. Para os usuários que não possuem o bilhete único, o valor cobrado é de R$ 4,50.
Já os usuários das barcas contra argumentam citando um estudo produzido pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) que sugere que a concessionária faz dupla cobrança de alguns itens ao calcular o preço da passagem.
"Os cálculos feitos de forma independente indicam que um reajuste razoável seria de, no máximo, 6%. Dessa forma, a passagem poderia custar até R$ 3,10, de acordo com as estimativas do relatório produzido pela UFSC", explica o vice-presidente da Abradecont, Evilásio Alves.
A concessionária Barcas S/A, por sua vez, afirma que o último aumento ocorreu em setembro de 2009 e o reajuste atual, homologado pela Agetransp, foi sugerido após estudos realizados pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária (Fapeu), que foi contratada pela agência reguladora.
"A operação da Barcas S/A é deficitária, fato comprovado por estudos profundos de instituições como Copead e Fundação Getúlio Vargas, executados nas duas revisões quinquenais do contrato de concessão. Os prejuízos acumulados pela concessionária ao longo dos anos são declarados nas demonstrações financeiras publicadas regularmente no Diário Oficial do Estado, e em jornais de grande circulação. É importante ressaltar que a tarifa de equilíbrio calculada segue a fórmula métrica do contrato de concessão e foi divulgada na Deliberação 323, da Agetransp, em setembro de 2011", afirma a empresa.
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