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Evangélicos formam torcidas organizadas e são proibidos de xingar nos estádios

Torcida organizada evangélica do Botafogo, a Fogospel, tem cerca de 200 adeptos, e costuma se posicionar no setor oeste superior do Engenhão - Divulgação/Fogospel
Torcida organizada evangélica do Botafogo, a Fogospel, tem cerca de 200 adeptos, e costuma se posicionar no setor oeste superior do Engenhão Imagem: Divulgação/Fogospel

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

13/07/2012 06h00

Grupos evangélicos estão se organizando e vestindo a camisa de seu time de futebol do coração para torcer nos estádios. A diferença em relação às torcidas organizadas tradicionais é que os religiosos devem seguir três mandamentos básicos: não consumir bebidas alcoólicas antes, durante ou depois das partidas; não provocar ou se envolver em brigas e/ou confusões com outros grupos de torcedores; e não proferir palavrões ou qualquer tipo de xingamento no decorrer dos jogos.

O fenômeno das torcidas organizadas evangélicas surgiu em 2005, com a "Torcida Evangélica do Coritiba", no Paraná. Hoje, esse tipo de organização se espalhou pelo país. No Rio, por exemplo, os dois principais representantes desse segmento são a "Fogospel", formada por torcedores do Botafogo, e a "Flagospel", que reúne flamenguistas evangélicos

Questionado sobre a eficiência da proibição a palavrões e xingamentos, hábito popular do torcedor brasileiro, o presidente da Flagospel, Henrique Reinaldo da Silva, afirmou à reportagem do UOL que todos os integrantes das torcidas evangélicas acabam passando por um processo de reeducação e conscientização.

"Você realmente não escuta palavrão porque essa é uma das poucas regras que nós colocamos. Não brigamos, não bebemos e não falamos palavrão. É claro que existem pessoas que não são evangélicas e se juntam a nós por conta do clima mais tranquilo, elas acabam cedendo ao ímpeto de xingar um determinado jogador, por exemplo. Mas para quem é efetivamente integrante da torcida evangélica, isso é mais do que uma regra, é uma questão de bom exemplo", explica.

TRÊS MANDAMENTOS

  • NÃO BEBER

    Os integrantes das torcidas organizadas evangélicas não podem consumir bebidas alcoólicas antes, durante ou depois dos jogos.

  • NÃO BRIGAR

    Os torcedores religiosos não podem em hipótese alguma se envolver e/ou provocar brigas, confusões e tumultos nos estádios durante os jogos de futebol.

  • NÃO XINGAR

    Os integrantes das torcidas organizadas evangélicas não podem proferir palavrões durante os jogos ou mesmo xingar um ou mais jogadores. Mesmo se o atacante desperdiçar um gol cara a cara com o goleiro, por exemplo.

    "O palavrão é algo que faz parte do contexto de quem está acostumado a assistir aos jogos no estádio, muitos vão para extravasar. Eu mesmo já fiz muito isso. As pessoas xingam mesmo, é natural. Mas quem é evangélico tem que passar por esse processo de adaptação, pois o grande objetivo desse projeto é criar um ambiente familiar e pacífico dentro do estádio", completou Silva.

    Para o fundador da Fogospel, pastor Hercules Martins, as pessoas podem até sentir alguma dificuldade de adaptação no começo, mas acabam se encaixando na filosofia do grupo "em questão de três ou quatro jogos". Segundo ele, não há imposição, e sim um "constrangimento natural" em função da postura coletiva.

    "Não se trata de uma questão de norma comportamental, pois as pessoas que optam por assistir aos jogos com a Fogospel já se enquadram em um determinado padrão. Muitos pais levam os filhos justamente em função disso. Mas se a pessoa ainda tem esse hábito, mesmo sendo evangélica, já muda de comportamento três ou quatro jogos depois. Nunca precisei chamar atenção de alguém por esse motivo", afirmou.

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    Convivência pacífica

    Apesar da histórica rivalidade entre Flamengo e Botafogo, as duas torcidas organizadas congregam na mesma igreja, situada em Olaria, na zona norte do Rio de Janeiro. De acordo com os criadores da Fogospel e da Flagospel, o clima de rivalidade entre os torcedores dos clubes mais tradicionais do Rio --juntamente com Vasco e Fluminense-- é preservado nos cultos e encontros realizados na igreja Comunidade Evangélica Torre Forte, em Olaria, na zona norte do Rio. No entanto, as brincadeiras e gozações são feitas "de forma saudável, com respeito", segundo o pastor Hércules Martins, que está acostumado a ouvir a mesma piada antes e depois das pregações:

    "Eles falam que o culto é muito bom, mas que seria ainda melhor se eu não fosse botafoguense", diz.

    O presidente da Flagospel afirma que as brincadeiras são saudáveis, mas inevitáveis:

    "Um brinca com o outro. Sempre me falam, por exemplo, que o símbolo do Flamengo é o urubu, e o urubu não pode ser um animal de Deus. Mas tudo é feito com muito respeito. Na verdade, nós criamos uma nova família, e é algo que está atraindo até mesmo os integrantes das torcidas organizadas tradicionais. Temos muitos testemunhos de pessoas que quase morreram em brigas entre torcidas e hoje se converteram, e estão conosco".

    Diferentemente do que ocorre no ranking geral de torcidas, onde o Flamengo tem mais adeptos do que o Botafogo, a Fogospel é atualmente a que leva o maior número de torcedores evangélicos para os jogos realizados na capital fluminense: cerca de 200 pessoas (a Flagospel possui, no máximo, 70). A torcida evangélica do Botafogo representou, na verdade, a fonte de inspiração para que o fotógrafo Henrique Reinaldo da Silva criasse a Flagospel:

    "Ei, juiz! Vai se converter", grita torcida evangélica

    "O Fogospel é a maior de todas, sem dúvida, até por ter sido a primeira. Sou da mesma igreja que o pastor Hercules e aproveitei essa ideia bem-sucedida para criar a Flagospel. Pensávamos que a magnitude de um projeto como esse, em relação ao Flamengo, teria uma magnitude muito maior, pois a torcida do Flamengo em geral é muito numerosa. Então surgiu como uma brincadeira no Facebook e hoje não para de crescer".

    Segundo Silva, a convivência das duas torcidas organizadas no mesmo espaço religioso é absolutamente "pacífica e respeitosa". Os cultos temáticos ocorrem sempre com cada torcedor vestindo a camisa de seu respectivo clube, e há até torcedores de clubes de fora do Rio, a exemplo de um fiel que é torcedor do Cruzeiro.

    "O que nos une, independentemente do clube de coração, é o evangelho. Ele está acima de nós. É claro que existe uma rivalidade, já que moramos no país do futebol e o Rio é muito forte nisso. Mas esse movimento de cultos reunindo torcedores de vários clubes é algo que está crescendo. Não só na minha igreja, em várias. Já fui chamado para pregar para vascaínos, tricolores, flamenguistas... Às vezes o pessoal ameaça dar uma vaia, mas é tudo na base da brincadeira", afirma  Martins.