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Empresas propõem diminuir número de beneficiários em caso de indenização trabalhista bilionária no TST; decisão é adiada

Camila Campanerut

Do UOL, em Brasília

14/02/2013 16h18Atualizada em 14/02/2013 19h14

O presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro João Oreste Dalazen, reuniu-se na tarde desta quinta-feira (14) com as partes envolvidas na ação civil pública que trata de um dos maiores casos de indenização trabalhista do país, em valor estimado em R$ 1,1 bilhão. A ação se refere à responsabilidade da Shell (Raizen Combustíveis S. A) e da Basf S.A. pela reparação de danos causados aos ex-funcionários e parentes pela contaminação de uma fábrica de pesticidas em Paulínia (SP).

O objetivo da reunião é tentar uma conciliação entre as partes para evitar que o processo se prolongue por mais anos sem que os atingidos recebam as devidas indenizações. “O desfecho deste processo demoraria alguns anos, certamente. Não vou iludir os trabalhadores. Vai demorar, vai ser difícil e vai trazer alguns dissabores e exigir muita paciência dos trabalhadores”, afirmou o ministro. “A realização [da audiência] é fruto da iniciativa do tribunal em virtude de compreendermos a complexidade e os dramas humanos que estão neste processo”, afirmou o ministro. 

De acordo com Dalazen, cerca de mil pessoas foram diretamente atingidas, “cujos nomes ao todo ninguém sabe até o momento”, além de 60 mortos. Já houve seis tentativas de conciliação anteriores neste caso.

As empresas apresentaram uma proposta aos trabalhadores para tentar um acordo. O primeiro item foi uma redução do número de beneficiários de 1068 para 884 funcionários. O advogado Pedro de Abreu Dallari argumenta que a diferença do número de beneficiários se deve ao fato de que algumas pessoas não conseguiram comprovar vínculo empregatício.

A oferta foi oferecida de duas formas: tratamento médico vitalício e a indenização por dano moral individual ou receber o valor da indenização por dano moral em “dobro”, desde que recuse o tratamento médico vitalício oferecido pelas empresas.

O tratamento médico seria gerido por um fundo (a ser criado), cujo financiamento ficaria a cargo das empresas e as partes nomeariam um gestor.  Para casos controversos, em que haja dúvida da necessidade do tratamento, uma junta médica, formada por especialistas indicados pelas duas partes, seria chamada a atuar.

O tratamento médico seria destinado aos ex-funcionários e todos os seus dependentes por toda a vida.  O fundo teria um aporte inicial de R$ 50 milhões e receberia mais recursos à medida que houvesse necessidade.

Caso o ex-empregado opte por não ter o tratamento médico vitalício, as empresas estipularam o valor de indenização por dano moral individual em dobro. O defensor afirmou que as indenizações poderiam ser de R$ 240 mil, em média, chegando ao máximo de R$ 660 mil por grupo familiar.  A variação da soma a ser paga tem como base o tempo de trabalho do funcionário e número de dependentes.

Os valores da indenização coletiva por danos morais ficaram em aberto.

O ministro marcou para a próxima terça-feira (19), às 9h, no Ministério Público do Trabalho, uma nova reunião entre as partes para dar continuação à iniciativa de conciliação.

Apesar da continuidade das negociações, as empresas retiraram da proposta a parte referente à opção do ex-funcionário receber uma indenização maior caso não optasse pelo tratamento médico vitalício.  

Segundo o ministro, a proposta poderia trazer um arrependimento futuro às famílias em caso de doenças decorrentes do contato com o ambiente contaminado pela fábrica.  

Funcionários

Os funcionários foram representados por integrantes do Ministério Público do Trabalho, da ACPO (Associação de Combate aos POPs - poluentes orgânicos persistentes), Instituto Barão de Mauá de Defesa de Vítimas e Consumidores contra Poluidores e Maus fornecedores, Associação dos Trabalhadores Expostos a Substâncias Químicas (ATESQ) e Sindicato dos trabalhadores nas Indústrias dos Ramos Químicos, Farmacêuticos, Plásticos, Abrasivos e Similares de Campinas e Região.

O advogado Mauro Menezes, que defende os trabalhadores, disse ao UOL que irá apresentar, na próxima semana, uma contraproposta às empresas e classificou como “tímida” a iniciativa dos empresários de estimarem o pagamento de aproximadamente R$ 52 milhões em indenizações individuais contra os cerca de R$ 200 milhões estimados para este fim.

“A empresa até hoje não deu os documentos que poderiam comprovar que as cerca de 200 pessoas são também vítimas, quando as empresas fornecerem estes documentos. Nós teremos condição de comprovar. É isso que vamos exigir que seja feito aqui”, afirmou Menezes.

O procurador-geral do Trabalho, Luís Camargo, admite que o número total de vítimas ainda não está fechado e ressalta que é importante garantir a assistência médica às 884 pessoas já identificadas sem o questionamento por parte das companhias sobre as necessidades médicas das vítimas da contaminação.

Procuradas pela reportagem, a empresa Shell ainda não se manifestou sobre esta questão levantada pelo advogado. A Basf, por meio de sua assessoria de imprensa, disse que "sempre forneceu todos os documentos solicitados pela justiça ou pelos ex-trabalhadores". "A informação não confere. Conforme mencionado na audiência, 884 trabalhadores comprovaram vínculo empregatício e são considerados elegíveis pelas empresas. Os demais não comprovaram vínculo empregatício", disse sua assessoria.  
 

Por meio de notas publicadas à imprensa, a Basf afirma que “segue cumprindo com as determinações da justiça e continua confiante no Poder Judiciário" e a Shell disse que “apresentou uma proposta consistente, que garante a parcela mais importante da decisão judicial, ou seja, a assistência à saúde dos habilitados”.

Histórico

Criada no final da década de 1970, a fábrica de pesticidas contaminou, além do solo e do lençol freático, os funcionários e seus familiares que viviam nas redondezas, segundo estudos toxicológicos realizados no local.

Segundo o Ministério Público do Trabalho, depois dos resultados do exame no local, a Shell chegou a comprar todas as plantações das chácaras do entorno e fornecer água potável para as populações vizinhas, que utilizavam poços artesianos contaminados.

A fábrica foi vendida para a Basf em 2000 e encerrou suas atividades em 2002, quando foi interditada pelo Ministério do Trabalho.

No total, 1.068 pessoas pediram indenizações, das quais dez ex-funcionários foram diagnosticados com câncer. Outros 60 morreram em decorrência da suposta contaminação por substâncias cancerígenas. Segundo o advogado dos funcionários, o número de mortos subiu para 62.

A ação civil pública coletiva teve início em 2007 e, em 2012, saiu a condenação da 2ª Vara do Trabalho de Paulínia, que estipulou o pagamento de indenização por dano moral coletivo e ainda a custear despesas com assistência médica a ex-funcionários e seus dependentes.  Foram estipulados os valores de R$ 761 milhões por danos morais coletivos e R$ 64,5 mil para cada indivíduo por dano moral mais R$ 20 mil por ano trabalhado, além do tratamento médico dos ex-funcionários e parentes.

As empresas entraram com recursos e o caso foi levado ao TST (Tribunal Superior do Trabalho).

Além desta ação, o Ministério Público do Trabalho afirmou que há outras 74 ações individuais na justiça paulista relacionada ao caso, movidas por ex-funcionários. Em janeiro deste ano, o TRT (Tribunal Regional do Trabalho) de Campinas (SP) estipulou para essas pessoas o prazo de 90 dias para desistirem das ações individuais e aderirem à ação coletiva.