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Mãe de paciente diz que chefe de UTI em Curitiba pediu para que fosse buscar filho morto no hospital; rapaz sobreviveu

Médica chefe da UTI do hospital Evangélico de Curitiba (PR) é presa por suspeita de cometer eutanásia - Henry Milléo/Gazeta do Povo/Futura Press
Médica chefe da UTI do hospital Evangélico de Curitiba (PR) é presa por suspeita de cometer eutanásia Imagem: Henry Milléo/Gazeta do Povo/Futura Press

Rafael Moro Martins

Do UOL, em Curitiba

21/02/2013 18h11

A governanta Juraci da Maia afirma ter ouvido da médica Virgina Helena Soares de Souza um pedido para que fossem desligados os equipamentos que por cerca de uma semana mantiveram vivo o filho dela, Helder Bispo dos Santos, internado na UTI (unidade de terapia intensiva) da instituição com meningite e trombose cerebral.

“Na UTI, meu filho teve coma induzido. Uns cinco ou seis dias depois do internamento, ela (Virginia) me falou que iriam desligar os equipamentos, e que eu deveria buscar o corpo no IML (Instituto Médico Legal) na manhã seguinte. Cheguei a ir ao cemitério, ver o preço do sepultamento. Mas resolvi voltar ao hospital para fazer uma última oração ao lado dele. Foi quando ele reagiu”, conta.

O caso ocorreu em 2004. Helder, hoje com 26 anos, é estudante do terceiro ano do curso de Direito, em Curitiba. “Eu estou vivo para contar o que aconteceu. Depois que as notícias começaram a sair, resolvi que irei à polícia revelar o meu caso, ajudar na investigação. Um professor me disse que minha mãe é testemunha, e eu, uma prova”, afirma.

Diretora médica da UTI, Virginia está sob prisão preventiva desde a terça-feira (19) suspeita, segundo a polícia, de “antecipação de mortes” dentro da UTI geral. “Não falamos em eutanásia (provocar a morte a pedido ou com consentimento do paciente ou familiares). Para nós, trata-se de homicídios”, afirmou na quarta (20) a delegada-titular do Núcleo de Repressão aos Crimes Contra a Saúde (Nucrisa), Paula Brisola, que comanda o inquérito.

Helder teve o atendimento no Evangélico custeado pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Ao todo, passou 28 dias na instituição para se recuperar da meningite. A polícia investiga diferenças no tratamento oferecido a pacientes da rede pública, e diz haver indícios de que eles eram as principais vítimas dos crimes dos quais Virginia é suspeita.

Erro médico

Durante quase dez anos enfermeira voluntária no Evangélico e esposa de um pastor que realizava cultos e prestava assistência espiritual a pacientes e familiares no hospital, Juraci atribui a sobrevivência de Helder ao acesso facilitado à UTI de que ela e o marido dispunham.

“Uns quatro dias depois da internação do meu filho na UTI, a doutora Virginia me disse que iriam desligar os equipamentos. 'Mãe, você tem que entender que ele só está ligado pelos equipamentos, não há mais esperanças', ela falava”, afirma Juraci. “Depois dela dizer isso, meu padastro, que é pastor, passou a ficar 24 horas por dia ao lado do Helder”, afirma Francine Bispo dos Santos, irmã do rapaz.

A cadeia de eventos que levou Helder à UTI do Evangélico começa com um possível erro médico na Unidade de Saúde 24 Horas do Campo Comprido (zona oeste de Curitiba), da prefeitura. “Ele tinha dor de cabeça. Quando chegamos lá, deram duas injeções e nos mandaram pra casa. Mas daí ele passou a ter convulsões. Resolvi levá-lo ao Evangélico, onde eu conhecia o pessoal”, conta Juraci.

No hospital, disseram que ele estava morto. Mas implorei e o colocaram na UTI”, relata a mãe de Helder. Ali, foi entubado e mantido em coma induzido. “Conforme os dias passavam, eu pedia para ele prosseguir internado, e ela (Virginia) me dizia – 'mãe, a gente não pode [manter o paciente na UTI], temos outros pacientes para internar no lugar'.”

Com poucas sequelas do período – além das cicatrizes das sondas e tubos que o mantiveram vivo, convive com enxaquecas periódicas –, Helder crê ter sido vítima, pelo menos, de erro médico. “Até eu reagir, quando meus pais foram fazer a última oração ao meu lado, achavam que eu já tinha morte encefálica”, argumenta.

Da única suspeita até agora identificada pela polícia, ele tem algumas lembranças. “Naquela época, já a chamavam de a chefe da UTI [Virginia passou a ser diretora médica da unidade em 2006]. Ela era a única médica que nunca estava de jaleco branco, tinha as unhas compridas e exalava cheiro de cigarro.”

“Paranoia coletiva”

Na resolução 1995/2012, que “dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes”, o CFM (Conselho Federal de Medicina) estabelece que conflitos éticos – como, por exemplo, a interrupção do funcionamento de mecanismos artificiais de suporte à vida – não podem ser resolvidos isoladamente por um médico.

“Não sendo conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem havendo representante designado, familiares disponíveis ou falta de consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta medida necessária e conveniente”, diz o texto.

“Não seria permitido a um médico, isoladamente, tomar a decisão de desligar equipamentos. É algo que teria de ser documentado, com autorização da família ou do próprio paciente. E temos um comitê de ética aqui, para analisar eses casos. Se aconteceu, é crime, realmente”, falou o diretor clínico do Evangélico, Gilberto Pascolat.

Ele acha, entretanto, “extremamente inverossímil” que Virginia tenha agido dessa forma. “Sigo achando que tudo é má interpretação de frases ditas por ela [no ambiente de trabalho].”

“Estamos vendo um surto de paranoia coletiva. Ontem, alguém descobriu meu telefone para sugerir a culpa da médica pela morte de um senhor de mais de 80 anos na UTI. Todo mundo que passou por lá vai ter algo a dizer contra ela, nesse momento. Daqui a pouco vão jurar que a viram indo toda tarde ao banco de sangue tomar uma caipirinha de sangue coagulado”, ironizou o advogado de Virginia, Elias Mattar Assad.

“Trata-se de um assunto muito delicado, que foi tratado de maneira muito ruim pela polícia. Isso causou uma onda de insegurança pública. Amanhã pretendo fazer uma carta aberta ao CFM sobre o caso”, afirmou.