A pedido do MP, polícia irá investigar mais 21 homicídios em UTI em Curitiba
A Polícia do Paraná irá investigar mais 21 mortes de pacientes da UTI (unidade de terapia intensiva) geral do Hospital Evangélico, o segundo maior de Curitiba. Segundo o MPE (Ministério Público Estadual), os procedimentos adotados pela equipe médica “levantam muita suspeita” de que houve “antecipação de óbitos”.
“Em todos, há registro da aplicação de Pavulon [um medicamento que age como bloqueador neuromuscular], sem justificativa médica, seguido de morte. Mediante um pedido de autorização penal de retirada da ação, esses prontuários darão origem a um novo inquérito”, informou o promotor Marco Antonio Teixeira, coordenador do Centro Operacional das Promotorias de Justiça da Saúde Pública do MPE (Ministério Público Estadual).
O MPE ofereceu nesta segunda-feira (11) à Justiça denúncia contra quatro médicos, três enfermeiros e um fisioterapeuta por sete homicídios duplamente qualificados e formação de quadrilha.
Os denunciados são a médica Virginia Helena Soares de Souza, diretora da UTI geral do Evangélico desde 2006 (por sete homicídios), os médicos Anderson de Freitas (dois homicídios), Edison Anselmo da Silva Junior e Maria Israela Cortez Boccato e as enfermeiras Laís da Rosa Groff e Patrícia Cristina de Gouveia Ribeiro (um homicídio cada).
Todos eles, além do enfermeiro Claudinei Machado Nunes e da fisioterapeuta Carmencita Emília Minozzo, também deverão responder por formação de quadrilha.
Morte por asfixia
Segundo o MPE, os denunciados "prescreviam medicamentos bloqueadores neuromusculares normalmente empregados em medicina intensiva para otimização de ventilação artificial, conjugados com fármacos anestésicos, sedativos e analgésicos, procedendo-se [a seguir] ao rebaixamento nos parâmetros respiratórios dos pacientes-vítimas então dependentes de ventilação mecânica, fazendo-os morrer por asfixia".
Um médico com experiência em medicina intensiva ouvido pelo UOL, que falou sob a condição de ter identidade mantida em sigilo, explicou que medicamentos como o Pavulon impedem paralisam os músculos responsáveis pela respiração, entre outros. Por isso, são usados em situações em que a respiração voluntária do paciente atrapalhe a ventilação artificial. Porém, sua administração deve ser conjugada com o uso do respirador.
“Nos casos objeto da denúncia, ainda que de modo geral não houvesse indicação terapêutica do Pavulon, ele foi prescrito pelo médico, ministrado por enfermeiros, e em seguida os parâmetros do respirador eram reduzidos de forma que o paciente morresse de asfixia. Em comum, a aplicação [do Pavulon] era registrada no prontuário e pouco depois o paciente morria”, disse a promotora Fernanda Nagl Garcez, da Promotoria de Proteção à Saúde Pública de Curitiba.
“Requeremos ao juiz que os 21 prontuários que seguem o modus operandi [que o MP vê existir nos sete casos de homicídio que denunciou] sejam remetidos ao Nucrisa [núcelo da polícia que apura os casos de morte na UTI] para novos inquéritos. Essas e outras mortes por homicídio não estão descartadas. Haverá novas investigações sobre possíveis novas mortes na sindicância [aberta pelas secretarias municipal e estadual da Saúde e pelo SUS (Sistema Único de Saúde)] e em novos inquéritos policiais”, disse Fernanda.
Com novas investigações no horizonte, o MPE não descarta que outros profissionais sejam indiciados por homicídios cometidos na UTI do Evangélico. “Pedimos hoje [segunda] que cópia do inquérito seja remetida à polícia e que a investigação continue. É possível que façamos o aditamento desta ou o oferecimento de novas denúncias”, explicou Teixeira.
Pode ser o caso da médica Krissia Wallbach, que também atuou no Evangélico e foi indiciada por homicídio qualificado no inquérito policial, mas não é denunciada pelo MPE.
O motivo
Apesar das denúncias e da suspeita de novos homicídios, o MPE ainda não sabe ao certo qual a motivação dos possíveis homicídios na UTI do Evangélico. “[Por ora, a] Motivação é pura e simplesmente o que está nos áudios: fazer 'girar' e 'desentulhar' a UTI”, disse Teixeira.
“Não conseguimos chegar a conclusão alguma sobre [uma possível] vantagem financeira [para os médicos envolvidos]. Solicitamos uma sindicância e uma avaliação da Secretaria Municipal da Saúde quanto à forma de pagamento dos médicos. [Pode haver] outras circunstâncias e motivações, mas no momento não temos elementos técnicos para dizer”, afirmou.
“Muito antes da eclosão dessa situação, o MPE já acompanha, em outro procedimento, o dia a dia dos problemas administrativos do Evangélico. [Mas] Não há relação entre um e outro caso, neste momento”, acrescentou. O hospital passa, há alguns anos, por problemas financeiros, e já enfrentou algumas paralisações de funcionários por conta de atrasos nos salários.
“Mas a motivação da denúncia não é só [a provável intenção] de girar, desentulhar a UTI. Há a torpeza [do alegado crime], algo repugnante, que é o fato de se decidir que um paciente iria morrer. É um exercício de onipotência, é brincar de Deus”, disse Teixeira.
Por conta disso, e da ausência de possibilidade de defesa por parte dos pacientes, os homicídios são duplamenta qualificados. A pena, para cada um deles, parte de 12 anos de prisão, afora o crime de formação de quadrilha.
O caso segue para o TJ/PR (Tribunal de Justiça do Paraná), que irá distribuí-lo a uma das duas varas do Tribunal do Júri de Curitiba. A Justiça terá cinco dias para decidir se recebe ou não a denúncia feita pelo MPE.
Também caberá ao Poder Judiciário decidir se trata-se de caso a ser julgado por júri popular.
“No nosso entendimento, e com as provas que existem, são bastante fortes as chances de que a sociedade é que vai julgar essas pessoas”, falou Paulo Sérgio Markowicz de Lima, promotor do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça do Júri.
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