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Após recomendação da OEA, MP-RJ denuncia policiais por chacina em favela em 1994

Paula Biachi

Do UOL, no Rio

20/05/2013 11h45Atualizada em 20/05/2013 17h02

Após receber uma recomendação da OEA (Organização dos Estados Americanos), o MP-RJ (Ministério Púbico do Rio de Janeiro) desarquivou o processo relativo a uma chacina da favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão, que deixou 13 mortos em 1994. Segundo a Promotoria, quatro policiais civis e dois militares foram denunciados 13 vezes por homicídioduplamente qualificado e podem ser condenados a até 30 anos de prisão cada um. Segundo a promotoria, o crime prescreveria no próximo ano.

Em posse da recomendação, o MP constatou que houve um erro no processo, que foi arquivado em 2005 pela 31ª Vara Criminal, e não pelo Tribunal do Júri --o que não poderia ocorrer, já que se tratam de homicídios. Há também o depoimento da mulher de uma das vítimas, que dá conta de que seu marido saiu de casa algemado pela polícia e, depois, foi encontrado morto a tiros.

A chacina ocorreu em 18 de outubro de 1994, quando os policiais entraram na favela Nova Brasília de madrugada para coibir o tráfico na comunidade. Na denúncia, o MP afirma que fica claro os “diversos abusos por parte dos agentes da lei, dentre os quais torna-se possível elencar violência física e de cunho sexual que detonam franca subversão ao suposto objeto” da operação.

“Ao analisar o processo, ficou nítido de que não se tratava só de uma operação policial. Uma testemunha disse que estava dormindo com o companheiro, que era, sim, traficante, quando a polícia entrou na casa e o algemou. Um indivíduo que saiu de um local algemado não pode aparecer morto”, explicou o promotor Marcelo Muniz Neves.

Entre os mortos, 12 eram traficantes, o que é visto pelo promotor como um dos fatores que podem ter levado ao arquivamento do caso. “A sociedade carioca deu um impulso de 1994 para cá. Se na época se passou que era uma operação policial legítima, isso hoje não acontece mais”, afirma Neves.

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O caso foi desarquivado depois de uma denúncia das ONGs Iser (Instituto de Estudos da Religião), Cejil-Brasil (Centro pela Justiça e Direito Internacional) e Human Rights Watch acusando o Estado brasileiro de violação dos direitos humanos devido a outra chacina ocorrida na mesma favela, em maio de 1995, que também resultou em 13 mortes. Este processo, que ainda está em análise pelo MP, levou a OEA a recomendar que o governo brasileiro realizasse uma nova investigação sobre as mortes devido ao uso excessivo de força por parte da polícia e às “possíveis omissões, demoras, negligências e obstruções de justiça provocadas por agentes do Estado”.

Ao desarquivar o processo sobre a chacina de 1995, o MP percebeu que também havia indícios suficientes para desarquivar o processo sobre os crimes cometidos em outubro de 1994.

A ação movida pelas ONGs devido à chacina de 1995 pode, inclusive, levar o Brasil ao banco dos réus na Corte Internacional de Justiça por violência policial. Segundo o promotor Antônio Carlos Biscaia, que acompanha o caso junto à OEA, o governo tem até 19 de junho para apresentar as ações que tomou com base nas resoluções propostas pela organização, que incluem ainda garantir que os familiares das vítimas sejam indenizados pelo Estado e criar mecanismos para erradicar a impunidade pela violência policial. Dependo da avaliação da OEA, o caso poderá ser encaminhado à Corte Internacional.

O desarquivamento do processo ocorre em meio a à divulgação de um vídeo que mostra a violação da cena de um crime por policiais durante operação na favela do Rola, na zona oeste da capital fluminense, em agosto do ano passado. Segundo a cúpula da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), a divisão de elite da Polícia Civil do Rio de Janeiro, dois dos cinco homens mortos não tinham antecedentes criminais.

Imagens do material divulgado pelo jornal "Extra" no dia 11 de maio, gravadas pelos próprios policiais da Core, flagram o momento em que os agentes arrastam o corpo de uma vítima para um bar no qual estavam outros suspeitos mortos. Segundo a chefe da Polícia Civil, Martha Rocha, o cadáver que é deslocado a fim de violar a cena do crime ainda não foi identificado. O caso está sendo analisado pela Coinpol (Corregedoria da Polícia Civil), que tem 30 dias para concluir o relatório.

Cerca de uma semana antes, foram divulgadas também imagens da operação que terminou com a morte do traficante Márcio José Sabino Pereira, o Matemático, na na noite de 11 de maio de 2012, na favela da Coreia, zona oeste da capital fluminense. Na ocasião, o criminoso foi perseguido pelo helicóptero da instituição, e agentes efetuaram vários disparos. Casas e prédios foram atingidos durante o confronto. O piloto da aeronave, Adonis Lopes de Oliveira, foi afastado de suas funções até que a Coinpol (Corregedoria da Polícia Civil do Rio) conclua a investigação sobre a operação.

A câmera noturna registrou toda a perseguição ao traficante. Os policiais civis acompanhavam a movimentação de Matemático, a uma altura entre 900 e 1.200 metros. Num dado momento, o helicóptero desce a até 20 metros, e os policiais começam a atirar contra o carro em que estaria o traficante.

A perseguição se prolongou por nove quarteirões da comunidade. Centenas de disparos são feitos, atingindo casas e prédios da região, segundo a reportagem. Alguns imóveis possuem marcas dos tiros até hoje. As imagens mostram que motociclistas e pedestres transitavam pela rua em meio aos disparos dos policiais. Durante a perseguição, os policiais diziam termos como "vamos incendiar [o traficante]" e "pega, pega, pega."