Topo

Moradores têm medo porque sabem que tráfico continua, diz especialista sobre UPPs

Policiais guardaram a entrada do morro Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, zona sul do Rio, na quinta-feira (24), e o comércio ficou fechado - Alessandro Buzas/Futura Press
Policiais guardaram a entrada do morro Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, zona sul do Rio, na quinta-feira (24), e o comércio ficou fechado Imagem: Alessandro Buzas/Futura Press

Gustavo Maia

Do UOL, no Rio

25/10/2013 18h32

Cena comum em favelas dominadas pelo tráfico no Rio de Janeiro, o comércio fechado após confronto entre homens armados e a Polícia Militar, na UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) do Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, zona sul da cidade, na manhã de quinta-feira (24), após a morte de um homem no conflito, foi o mais recente de uma série de episódios relacionados à violência em UPPs da capital fluminense.

Para a professora Sonia Fleury, coordenadora do Programa de Estudos sobre a Esfera Pública da Ebape/FGV (Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas), o que aconteceu no morro Pavão-Pavãozinho, assim como casos similares na Rocinha ou no Complexo do Alemão, por exemplo, demonstra que o medo ainda faz parte da vida de moradores de comunidades com UPPs do Rio, que, segundo ela, sentem-se inseguros por saberem que traficantes de drogas continuam a atuar nessas localidades.

Segundo Fleury, a permanência dos criminosos nos locais com Unidades de Polícia Pacificadora dificulta a identificação dos moradores com a política pública de segurança implantada desde 2008. “Eles sabem que os criminosos estão lá, vendo o que está acontecendo, e por isso muitas vezes não querem se identificar com as UPPs, para não se comprometerem com eles [os traficantes]”.

“O que houve [após a implantação das UPPs] foi uma diminuição do tráfico ostensivo armado, mas não quer dizer nem que ele esteja desarmado e nem que não esteja atuando no local”, afirma a pesquisadora, que é doutora em ciência política e desenvolve trabalhos de pesquisa em comunidades cariocas. “O tráfico não acabou nas favelas com UPPs. O que acabou foi o domínio territorial.”

Principal bandeira do Governo do Estado na área de segurança pública desde 2008, no primeiro mandato do governador Sérgio Cabral (PMDB), a UPP passou a ser alvo de críticas cada vez mais frequentes desde junho deste ano, quando teve início uma onda de manifestações que repercute até hoje na capital fluminense. Atualmente, há 34 UPPs instaladas, todas na cidade do Rio de Janeiro.

Professor do Departamento de Segurança Pública da Faculdade de Direito da UFF (Universidade Federal Fluminense), o antropólogo Roberto Kant de Lima lembra a UPP foi “construída” dentro de uma estratégia militar de ocupação de território que se assemelha a operações de guerra, mas tinha como objetivo administrar conflitos e tratar os moradores como cidadãos.

O problema, segundo Kant, é que “a Polícia Militar brasileira, especialmente no Rio de Janeiro, foi treinada para reprimir conflitos, com a ideia única de acabar com eles, o que acaba implicando em exterminar pessoas”.

“A instituição Polícia Militar não mudou suas tradições por causa da UPP. Ela apenas é inibida nessas unidades, porque tem um ‘farol’ em cima delas, todas as atenções voltadas para as UPPs. É uma coisa meio utópica achar que a polícia, que foi treinada para a repressão, vai mudar só por causa delas”, declara.

Para o professor, não é de surpreender que fatos como a morte do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, 43, na Rocinha, apontada pela Polícia Civil como resultado de tortura praticada por PMs, aconteçam nas UPPs. “Acho até que está indo muito bem. Surpresa é que não apareçam mais [casos]”, afirma.

Sobre os abusos cometidos pelos policiais militares, Sonia Fleury afirmou que os casos podem ser justificados pelo “poder fora dos parâmetros democráticos” dado aos comandantes das UPPs. “Uma política de segurança não pode depender da personalidade de cada um. Se tiver um torturador, como o major Edson [Santos, ex-comandante da UPP da Rocinha, preso acusado de envolvimento na tortura de Amarildo], ele vai torturar. Se tiver alguém bonzinho, vai tratar bem. Cada um decide como quer. A democracia tem que depender de instituições sólidas”.

O professor Roberto Kant também disse que as favelas com UPPs ainda são minoria na cidade. “O resto continua como antes”, declara.

Casos de violência em UPPs

Na UPP da Rocinha, em São Conrado, zona sul da cidade, inaugurada em setembro do ano passado, a investigação sobre o desaparecimento do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, 43, em julho, revelou que ele foi vítima de tortura praticada por policiais da própria unidade. O MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) denunciou 25 PMs pelo crime, que provocou protestos em toda a cidade. Por conta da repercussão do caso, vieram à tona outras denúncias feitas por moradores da favela ao MP envolvendo mais de 20 vítimas de tortura praticados pelos PMs da UPP.

Na última quinta-feira (17), moradores da UPP de Manguinhos, na zona norte do Rio, protestavam contra a morte de um rapaz de 18 anos na comunidade, e policiais da unidade utilizaram armas de fogo durante a manifestação. Uma jovem levou um tiro na perna durante o ato. A família de Paulo Roberto Pinho de Menezes, 18, aponta os PMs da UPP como responsáveis pelo óbito do rapaz.

Um dia depois, dois PMs da UPP instalada no Complexo do Alemão foram baleados durante troca de tiros com homens suspeitos de envolvimento com o tráfico de drogas. Uma UPP foi instalada no local em maio de 2012, mas casos de violência ainda são frequentes na comunidade.

Em maio, o tráfico de drogas impôs toque de recolher obrigando comerciantes do Alemão e da Penha e escolas da região a fecharem suas portas. Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, a ocorrência sinaliza que o processo de pacificação em curso no conjunto de favelas ainda não está completo e que a política de enfrentamento adotada pelo Estado está prestes a atingir o seu limite.