Trauma ainda perturba vítima de ataque com lâmpadas em SP
Quatro anos depois de ser atacado com lâmpadas fluorescentes e de ser espancado por um grupo de adolescentes na avenida Paulista, em São Paulo, Luis Alberto Betonio ainda vive o trauma provocado pela agressão. Ele abandonou o curso de jornalismo, porque tem medo de sair na rua e sofrer um novo ataque. Os adolescentes cometeram outros crimes em 14 de novembro de 2010. Ao menos parte dos atos estaria relacionada à intolerância contra homossexuais.
Betonio também evita dar entrevistas, mas, com a intermediação de seus advogados, aceitou conversar com o UOL. Mas somente por e-mail. As respostas foram enviadas à reportagem pelo advogado Felipe Almeida. “Minha vida mudou completamente. Precisei fazer muitas sessões com psicólogos, inclusive com acompanhamento médico em razão dos remédios fortes. Ainda tenho acompanhamento psicológico em razão das frequentes recaídas”, afirma o rapaz, hoje com 27 anos.
Às 6h daquele 14 de novembro, um domingo, Betonio caminhava com dois amigos pela avenida Paulista. Eles voltavam de uma balada. Jonathan Lauton Domingues, à época com 19 anos, e quatro adolescentes andavam no sentido contrário da calçada. Um dos jovens carregava duas lâmpadas fluorescentes. Ao passar pelo trio, ele usou uma delas para atingir Betonio na cabeça. Em seguida, utilizou a outra para agredi-lo pelas costas.
O agredido reagiu, mas foi imobilizado por Jonathan Domingues e passou a ser espancado pelos demais. Chegou a ficar desacordado. Seguranças de prédios vizinhos correram em direção ao grupo para interromper a violência, e os adolescentes fugiram. Câmeras de um edifício registraram o início do ataque.
“Penso todos os dias e não consigo entender como alguém pode ter tanto ódio, tanta agressividade. Eles batiam com prazer, com muita vontade. Quando ouvi o rapaz dizer ‘aproveita para bater porque agora ele está imobilizado’, achei que morreria ali. E de fato não estaria vivo se os seguranças não tivessem interferido”, conta a vítima.
“Em razão de distúrbios pós-traumáticos, fui obrigado a trancar a faculdade de jornalismo, um sonho que me foi privado. Enfrentei muitas dificuldades para sair sozinho e muitas vezes deixei de ir aos lugares por receio. Vivo preocupado, inclusive de ser novamente surpreendido. O trauma ainda atrapalha muito minha vida”, relata.
Na própria avenida Paulista, o grupo agrediu outras pessoas naquela noite. A violência seria uma ação homofóbica. “O segurança que interviu, impedindo que o bando me matasse, me disse que ouviu deles: ‘Viado tem que morrer’. Tenho convicção de que eles tentaram me matar porque acreditavam que sou homossexual”, diz Betonio.
Os quatro, que eram menores à época, foram responsabilizados pela Justiça e tiveram de cumprir medidas socioeducativas. Jonathan Domingues tem julgamento marcado para 30 de março de 2015. Como se envolveu em outros casos de violência naquela noite, ele é réu pelos crimes de tentativa de homicídio triplamente qualificado, furto qualificado e lesão corporal.
O advogado Felipe Almeida espera que o acusado receba uma pena de pelo menos dez anos em regime fechado “em razão da brutalidade”. “Ele virou a noite cometendo crimes”, afirma.
Almeida e o advogado Marcos Seixas Franco do Amaral também movem contra os agressores e suas famílias uma ação com pedido de indenização. O valor não é divulgado. “Ele [Betonio] não recebeu qualquer contribuição das famílias dos agressores. Ele está desassistido”, afirma Amaral. Não há previsão para o julgamento desta ação.
Os ataques de quatro anos atrás serão lembrados com um ato neste domingo (16). Militantes LGBT, feministas e movimentos negros estão organizando “A Revolta da Lâmpada” com uma ampla pauta de reivindicações. Eles se reunirão no local dos ataques, na avenida Paulista, e depois marcharão até o centro de São Paulo.
Defesa
A reportagem do UOL esteve nos dois endereços residenciais do acusado que constam no processo judicial, mas não o encontrou. São dois edifícios situados na região da Paulista. Funcionários disseram que Domingues não mora nos prédios.
De acordo com os advogados de acusação, ele chegou a ficar foragido e ainda não se pronunciou no processo. O julgamento poderia acontecer mesmo sem sua presença, desde que um advogado faça a defesa.
Denúncias
Casos de violência contra homossexuais podem ser denunciados por telefone, pelo número 100, mantido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
A quantidade de denúncias feitas por este telefone no país tem caído. Foram 3.017 relatos em 2012, contra 1.695 em 2013, uma redução de quase 44%. No primeiro semestre de 2014, a secretaria contabilizou 537 denúncias, uma baixa de 48,5% em relação aos 1.044 casos dos primeiros seis meses do ano passado. As denúncias são repassadas para os governos dos Estados.
No Estado de São Paulo, a Secretaria da Segurança Pública mantém a Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância) para investigar esse tipo de crime.
Daniela Branco, titular da Decradi, disse que a delegacia foi criada em 2006 com a finalidade de reprimir e analisar os delitos de intolerância. Em 2013, foram registrados 49 boletins de ocorrência relacionados a vítimas LGBTT: 20 de injúria, sete de lesão corporal, dez de ameaças, cinco por outros crimes (difamação, constrangimento ilegal) e sete não criminais. No mesmo período, a delegacia instaurou 34 inquéritos policiais.
Segundo a delegada, os crimes homofóbicos, em sua maioria, são cometidos por pessoas conhecidas, como vizinhos e colegas de trabalho. Os delitos cometidos por membros de grupos intolerantes ocorrem com maior incidência em locais onde há aglomeração de pessoas, como casas de shows e bares.
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