Topo

Com indenizações baixas, Belo Monte ameaça criar geração de sem-teto no PA

Moradores de Altamira (PA) protestam durante audiência pública para discutir a desapropriação de imóveis - MPF/Divulgação
Moradores de Altamira (PA) protestam durante audiência pública para discutir a desapropriação de imóveis Imagem: MPF/Divulgação

Carlos Madeiro

Do UOL, em Maceió

16/11/2014 06h00

Moradores de Altamira, no Pará, resistem em deixar suas casas para dar lugar ao avanço das obras da usina hidrelétrica de Belo Monte. O problema é o valor das indenizações propostas pelo consórcio responsável pela construção, insuficientes, segundo eles, para compra de novas moradias. O impasse pode gerar uma geração de sem-teto.

Belo Monte é a maior obra do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), com gastos previstos de R$ 28,9 bilhões. O governo federal diz que a usina, quando pronta, vai beneficiar 18 milhões de pessoas.

Segundo o cadastro feito pela Norte Energia S.A., responsável pela obra --e informado pelo MPF (Ministério Público Federal)--, 8.000 famílias terão de deixar suas casas durante o cronograma das obras. Dessas, 600 são indígenas.

Segundo balanço da empresa, 1.327 famílias que viviam em áreas historicamente alagadas pelo Xingu já foram atendidas. Dessas, foram 1.000 casas enregues, 295 indenizações pagas e 32 atendidas pelo aluguel social, pago durante um ano.

Mas os valores das indenizações estão bem aquém dos preços de novos residências. Isso deve-se, principalmente, ao boom imobiliário causado pelas obras da usina no município que elevou o preço do metro quadrado.

“Fiz o cadastro, entreguei toda documentação e prometeram que eu ia ganhar uma casa. Agora não vão mais dar casa e oferecem uma indenização de R$ 27 mil”, contou ao UOL Maria Marlete de Freitas, 27, que mora numa casa com os dois filhos.

“Já rodei tudo, não tem nada que possa comprar com esse dinheiro. Essa minha casa valeria pelo menos R$ 60 mil. Eles dizem que, se não assinar, vão para Justiça e passar o trator por cima. Assim, vai todo mundo morar na rua”, afirmou.

A situação de Marlene é semelhante a de outras centenas de moradores da região da baixada de Altamira. Segundo o MPF, as indenizações propostas chegam a ser de apenas R$ 15 mil, o que torna insuficiente a aquisição de um novo imóvel.

“O programa de relocação e reassentamento tem que ter como resultado uma construção semelhante. Não é só a avaliação do bem pelas benfeitorias: o valor tem de permitir que a pessoa tenha uma nova moradia. Isso é indiscutível para o MPF”, disse a procuradora procuradora da República no Pará, Thais Santi.

Audiência pública

Na última quarta-feira (12), uma audiência pública debateu o assunto. Foram questionados os critérios usados pela Norte Energia na seleção de quem tem direito a casa nova e sobre os valores das indenizações.

Maria dos Santos, 80, participou do encontro e denunciou que foi obrigada a assinar um papel em branco e aceitar uma indenização de R$ 42 mil --valor que a impede de comprar uma casa nova. Ela é analfabeta.

Segundo o MPF, são negadas moradias novas para as pessoas que vivem em reservas extrativistas e em terras indígenas que mantém casas de apoio na periferia de Altamira.

Sem defensoria

Em Altamira, não há Defensoria Pública da União. A defensoria estadual deixou de ter profissionais há quatro meses, o que tornou ainda mais grave o problema.

“Chegou-se a um contexto em que o morador negociava direto com o empreendedores e, se não houvesse o acordo, o empreendedor era o próprio âmbito recursal”, afirmou a procuradora.

O MPF considera que a melhor solução é tentar um diálogo, em vez de buscar a judicialização.

“Foi criada uma câmara de conciliação com o empreendedor e o Estado e defensoria para tentar avaliar a aplicação dessas regras, com possível flexibilização, alteração do plano, para que as pessoas tenha acesso”, disse Thais.

Segundo a procuradora, seis defensores da União serão enviados emergencialmente para ajudar na mediação dos conflitos.

Problema fundiário

Um dos problemas da região é a falta de regularização das terras. Muitas casas não têm escrituras ou registros, e os donos têm apenas contratos de compra e venda, o que dificulta na hora de negociar e cobrar uma nova moradia. 

Antonia Melo, ONG Xingu Vivo - MPF/Divulgação - MPF/Divulgação
Antonia Melo, da ONG, Xingu Vivo
Imagem: MPF/Divulgação

Segundo Antonia Melo, da ONG (organização não-governamental) Xingu Vivo, grande parte dos moradores vive em áreas alagáveis, em casas de taipa ou madeira, em áreas ribeirinhas.

Antonia disse que, além das indenizações, as casas já entregues apresentam problemas, como a falta de serviços básicos.

“Prometeram que o novo conjunto ter infraestrutura, posto de saúde, escola, transporte para as famílias, só que esse novo projeto são cinco novos bairros com uma distância, de 4 a 7 km de onde moravam. Nenhuma reunião aprovou esse projeto com os moradores. As comissões de visita criadas não funcionaram, apenas serviram para que coronograma das condicionantes fosse cumprido pela empresa”, disse.

Segundo Antonia, a empresa tem negociado em tom ameaçador com os moradores, que quase sempre seriam coagidos a aceitar as condições.

“Eles estão tentando convencer as pessoas a aceitaram indenizações. Eles massacram pessoas de idade avançada com oferecimento de indenização pequenas. Ainda ameaçam, dizendo que tem de aceitar que, caso contrário, será pior, vão perder tudo”, disse.

Segundo a Norte Energia S.A., os valores das indenizações foram definidos "de acordo com o Caderno de Preços referendado pelo órgão fiscalizador do empreendimento." A empresa disse Norte Energia já realizou 2.746 negociações e garante que em 97% dos casos houve acordo.

"Ao todo serão beneficiadas 4.100 famílias com casas de 63 m², com sala e cozinha conjugadas, três quartos, sendo uma suíte e banheiro social. Os novos bairros terão estrutura urbana completa com água tratada, esgotamento sanitário, luz elétrica e pavimentação asfáltica", informou a nota encaminhada ao UOL.