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Obra em bairro histórico gera debate intenso sobre urbanização do Recife

Ação do movimento Ocupe Estelita acontece na avenida Engenheiro José Estelita, onde empreiteiras pretendem construir um conjunto de edifícios em um bairro histórico do centro do Recife - Direitos Urbanos/Divulgação
Ação do movimento Ocupe Estelita acontece na avenida Engenheiro José Estelita, onde empreiteiras pretendem construir um conjunto de edifícios em um bairro histórico do centro do Recife Imagem: Direitos Urbanos/Divulgação

Márcio Padrão

Do UOL, em São Paulo

01/06/2015 06h00

Desde abril de 2012, um consórcio de empreiteiras e o poder público do Recife convivem com a resistência constante de movimentos sociais por conta da construção de um imenso projeto imobiliário em um bairro histórico da capital pernambucana. Nesse conflito de interesses estão, de um lado, o Consórcio Novo Recife, e do outro, o levante popular capitaneado pelo grupo Direitos Urbanos, que por sua vez gerou o movimento Ocupe Estelita.

Em linhas gerais, o projeto Novo Recife pretende reformar o antigo Cais José Estelita, uma área de 10 hectares abandonada por anos, e transformá-lo em um conjunto de 13 prédios com 42 a 137 metros de altura, além de áreas de uso público com parque, praças, vias, ciclovias, calçadas e outros equipamentos. A sociedade civil defende que o projeto teve discussão pública insuficiente, atenderá mais a interesses privados e poderá trazer consequências sérias para a urbanização da cidade.

Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, a situação causada hoje pelo consórcio Novo Recife é na verdade um reflexo de um processo de verticalização e especulação imobiliária que há décadas toma conta de bairros valorizados do Recife.

O maior exemplo desse processo é o bairro de Boa Viagem, onde fica a principal praia da cidade. A partir da década de 50, começaram a surgir os primeiros prédios acima de dez andares e, nos anos seguintes, a legislação vigente permitiu que edifícios de mais de 30 andares fossem construídos à beira da orla recifense.

Os efeitos disso foram uma grande faixa de sombras que cobre a praia de Boa Viagem ao longo do dia; a supervalorização do metro quadrado do bairro, com apartamentos que chegam a custar R$ 3,5 milhões e que transformou a região em moradia da elite local; aumento no contingente de veículos que levou a mais congestionamentos no trânsito; e sobrecarregamento do sistema de esgoto, com constantes rompimentos de tubulações.

Outros bairros seguiram a tendência dos "espigões" nos últimos anos, como Casa Forte, Torre e Parnamirim. As edificações levaram o Recife a ser atualmente a 30ª maior cidade em proporção de arranha-céus, segundo o site especializado em construção civil Emporis. Tornaram-se também uma contestada mudança de paradigma em relação à horizontal arquitetura histórica da cidade, herança dos tempos do conde holandês Maurício de Nassau, que governou o Recife de 1637 a 1644.

Em paralelo, a cidade recebeu obras públicas de grande impacto. A Via Mangue é um corredor viário que cortará a zona sul, com custo de R$ 431 milhões. Foi parcialmente entregue em 2014 e ainda está em construção.

Também na zona sul, o shopping center RioMar, inaugurado em 2012, surgiu cercado por palafitas e foi adotado pelos manifestantes do Ocupe Estelita como símbolo de exclusão social. O grupo JCPM, dono do shopping, também possui empreendimentos imobiliários na cidade.

Mas a obra mais polêmica dos últimos anos foi as "Torres Gêmeas", como são conhecidas popularmente o Píer Maurício de Nassau e o Píer Duarte Coelho, dois edifícios de luxo de 42 andares construídos no Cais de Santa Rita, no bairro de São José e a poucos quilômetros do Cais José Estelita.

A construção das torres começou em 2005 e foi concluída em 2009, após batalha judicial com o Ministério Público Federal, que apontava irregularidades na obra. Com sua excessiva proximidade com o mar e grande altura, os prédios diferem radicalmente do entorno do bairro histórico. Em 2012, a Prefeitura do Recife transformou a área em frente às construções em espaço público.

As "Torres Gêmeas" são vistas como exemplo primordial do que o Novo Recife poderá significar para a cidade. A discussão sobre como aproveitar a área do Cais José Estelita não é apenas urbanística. Há nuances políticas, com grupos de esquerda e vereadores da oposição questionando as gestões recentes do PT e PSB; econômicas, com construtoras que ainda veem o Recife com potencial para a verticalização; e sociais, pois a ascensão dos prédios de luxo provocam um processo de gentrificação, afetando a população de baixa renda dos bairros.