Especulação e altura de prédios no Estelita são fontes de discórdia; veja
Obra mais controversa dos últimos anos no Recife, o projeto Novo Recife tem como objetivo construir um conjunto de 13 prédios na área do antigo Cais José Estelita, terreno da antiga Rede Ferroviária Federal situado em área estratégica, entre a zona sul e o centro histórico da cidade.
Entidades defendem que o projeto teve discussão pública insuficiente, atenderá mais a interesses privados e poderá trazer consequências sérias para a urbanização da cidade. O Consórcio Novo Recife adquiriu o terreno em 2008 e desde 2012 há uma acalorada discussão pública sobre o melhor uso do terreno.
Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, o Novo Recife acentuará um processo de verticalização e especulação imobiliária que há décadas age em bairros valorizados do Recife. O projeto sofreu algumas modificações --a maior delas é a criação dos 13 prédios de forma escalonada, variando de 42 a 137 metros de altura, contra os 12 prédios de 40 andares (137 metros) do projeto inicial-- a fim de preservar a visão dos edifícios históricos no entorno do novo condomínio. Mas a discussão ainda está longe de acabar.
Roberto Montezuma, presidente do CAU-PE (Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco), disse acreditar que esse modelo de verticalização está esgotado. "Virou a cidade do carro, que não valoriza calçada, os edifícios e seus espaços públicos, a proteção do meio ambiente, e virou essa cidade hostil em que estamos vivendo."
"A ilha de Antônio Vaz, onde se situa o terreno do Estelita, teve um dos primeiros planos de urbanização da cidade, ainda no período holandês. Por que não repensar toda a área da ilha para o seculo 21? Aprendi que por melhor que você faça as partes, se você as faz de forma isolada, sem conversar com a região, o somatório dessas soluções vira um Frankenstein", diz.
Montezuma também crê que a história arquitetônica da cidade pode ser preservada sem detrimento do progresso. "Barcelona é um exemplo nacional a longo prazo, tem plano de futuro com um pé no presente". diz.
Integrante do Ocupe Estelita, Chico Ludermir diz temer que as obras visando o público de alto poder aquisitivo expulse moradores antigos da região. "Faço parte do Coque Re-Existe, rede que discute a urbanização no bairro central do Coque, que já é alvo da especulação imobiliária."
"As obras recentes na região da Ilha do Leite e Joana Bezerra levaram à desapropriação de famílias. Tinha casa ali com 30, 40 anos, que foi avaliada em apenas R$ 5.000, empurrando as pessoas para a miséria."
Ludemir atenta ainda para riscos ambientais e de segurança causados pela verticalização. "Para mim é muito evidente que esse adensamento traz muitos malefícios. os prédios criam ilhas de calor, furam poços que sobrecarregam o esgoto. E morar no 15º andar é uma relação muito diferente com a cidade em relação a quem mora em casas. Você se isola, se distancia da própria cidade e ainda pode sofrer com males como depressão e pânico."
O professor de arquitetura da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) Tomás Lapa representou a sociedade civil em audiências públicas sobre o Novo Recife, mas se desligou do debate após se decepcionar com os rumos da discussão.
"Eles [os empresários do consórcio] alegam que satisfizeram todas as exigências, mas não abrem mão de um metro quadrado do que projetaram ali. Se depender das construtoras, não tem limite para a verticalização. Os caras não têm ética. Mas não estamos mais no tempo de empurrar à goela da população o apagamento de um dos cartões-postais mais preciosos do Recife", afirma.
Um grupo de professores de arquitetura da Unicap (Universidade Católica de Pernambuco) apresentaram em 2014 uma proposta de planejamento para a área do Cais José Estelita. O consórcio aproveitou algumas sugestões, como a integração da avenida Dantas Barreto com o cais, a diminuição da escala das novas edificações a serem construídas no entorno da avenida Dantas Barreto e a abertura de algumas vias no terreno.
"O projeto inicial do Novo Recife tinha muitos problemas, inclusive legais, e apresentava desintegração com o entorno, com a comunidade e o próprio sistema viário local. Acredito que o atual projeto minimiza essa desintegração, mas ainda fica longe de muitas expectativas que a sociedade tem de maneira geral para o lugar. Sobretudo o impacto dos gabaritos propostos [altura dos prédios], pois só baixou na região da Dantas Barreto [no bairro de São José]", diz a professora da Unicap Clarissa Câmara.
Para o secretário de planejamento urbano da Prefeitura do Recife, Antônio Alexandre, a densidade das áreas construídas --isto é, o espaço entre prédios-- é um problema mais sério que a verticalização. "É verdade que o atual modelo de desenvolvimento urbano se esgotou. Mas a expansão imobiliária em bairros como Boa Viagem ocorreu em uma época que a legislação não foi atualizada. Para dar uma ideia, pela lei atual, as Torres Gêmeas da cidade não poderiam passar de quatro andares."
Segundo o secretário, o debate sobre o Estelita foi prejudicado porque teria ocorrido sob forte "carga emocional".
"Tem áreas que precisam de maior ocupação imobiliária, mas por outro lado a lei tem que ser mais restritiva, avançar pra habitação de interesse social em áreas de baixa renda que não estão sendo alcançadas pela questão no Estelita. É como se desviássemos energia que poderia resolver a cidade no seu conjunto. A cidade precisa de uma agenda positiva da urbanização."
Procurado pela reportagem, o Consórcio Novo Recife afirmou que "está de acordo com a Lei Municipal nº 18138/2015 que cria o Plano Específico para o Cais de Santa Rita, Cais Estelita e Cabanga. Para tanto, apresentou para análise pela Prefeitura do Recife o redesenho do projeto original decorrente do processo de entendimento conduzido pela Prefeitura do Recife".
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