RO registra 37 mortes por conflito agrário desde 2015 e lidera mortes no campo
A disputa pelo uso e posse das terras em Rondônia chegou à 16ª morte de líder sem-terra em 2016 e elevou ainda mais a tensão no Estado campeão em mortes no campo no país. Desde o ano passado, 37 líderes camponeses foram mortos em Rondônia.
Nesta segunda-feira (19), a CPT (Comissão Pastoral da Terra), órgão ligado à Igreja Católica, denunciou o assassinato do casal Isaque Dias Ferreira, 34; e Edilene Mateus Porto, 32. Eles eram líderes da Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia e Amazônia Ocidental e do Acampamento 10 de maio. O crime ocorreu no último dia 13, em Alto Paraíso (211 km de Porto Velho). A Polícia Civil abriu inquérito para apurar o caso.
Segundo a comissão, o casal denunciava a grilagem de terras na região e costumava cobrar os órgãos públicos sobre regularização de terras e pelo fim da violência no campo.
Mortes em série
Desde o ano passado, Rondônia vem se destacando pela série de mortes no campo. Em 2015, o Estado registrou o maior número de assassinatos desde 1985, quando a CPT passou a computar os dados: 21 mortos. Este ano, até a morte do casal, foram 16 assassinatos --o que significa quase duas mortes por mês. Para se ter ideia de quão alto é o número, as mortes no Estado representam 30% do total de assassinatos por conflito de terra no país.
Segundo a CPT, houve apenas a prisão dos acusados de dois casos de crimes ocorridos em janeiro, ambos na fazenda Tucumã.
Segundo Luís Roberto, da coordenação regional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), o crescimento da violência é fruto de fatores históricos, impulsionada pelo aumento do preço da terra e a crise econômica.
"As causas principais são o efeito economia e aumento da especulação, porque, aumentando valor [da terra], e aumenta o conflito", disse.
O líder camponês afirma que a maioria das 37 mortes desde 2015 é relativa a disputas antigas pela terra. "São ocupações mais antigas, não são recentes. São terras ocupadas nos últimos cinco anos, em que os conflitos se acirraram. São terras sem documento, que o processo está na Justiça, mas o fazendeiro tem uma posse.
A região mais afetada é o Vale do Javari. "É uma região onde há uma migração da soja, e o preço da terra cresceu cinco vezes mais que o resto do Estado. Na região foram 2/3 dos conflitos com morte, mas que geograficamente ocupa menos de 1/5 do Estado", explica.
Conselho Nacional intervém
A tensão no campo chamou a atenção do Conselho Nacional de Direitos Humanos, que fez uma visita ao Estado em junho. Por quatro dias, os conselheiros foram a áreas afetadas e ouviram lideranças camponesas.
Segundo o representante da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que viajou ao local, Everaldo Patriota, o clima no campo é de extrema tensão e a situação de Rondônia é a mais preocupante do país.
“A situação é grave porque há fazendeiros armados. É um barril de pólvora! Lá eles têm os guaxebas --que é como chamam os pistoleiros--, e muitos são policiais e ex-policiais. Esse ano eles disseram que tinham 2.000 homens armados para enfrentar os movimentos sociais. Então aquele lugar pode ter um troço pior que Eldorado dos Carajás [PA]”, disse.
Patriota diz que Rondônia é uma situação singular poque há áreas que já tiveram determinação da Justiça para posse pública, mas o governo federal não fez a emissão do registro.
"Você tem um sistema de segurança e Justiça que tutelam o grileiro, tutela a posse irregular, mas não afere a função social da sociedade. Além dos movimentos sociais conhecidos, há grupos lá sem nenhuma ligação ideológica, são famílias que lutam pela terra. E nesse cenário, o agronegócio crescendo, com o boi, com a soja, torna a situação muito delicada”, explicou.
Na sexta-feira (16), o conselho aprovou um relatório com recomendações para órgãos estaduais federais cobrando ações para reduzir a tensão e efetivar a distribuição da terra.
Problema histórico e de difícil solução
O problema de terras em Rondônia é grave e antigo. Segundo o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Rondônia tem 106 áreas em situação de disputa, em 23 municípios. Ao todo são 8.759 famílias acampadas, sendo 25% enquadradas em “alto grau de risco de conflitos graves.”
“Do total de imóveis ocupados, 75% dependem de ação direta do programa Terra Legal para futura destinação à reforma agrária, e 25% demandam atuação do Incra”, informou o órgão, em nota.
Em Rondônia, na época da ditadura militar, muitos fazendeiros ganharam vantagens do governo para construir empresas na região, ganharam recursos a fundo perdido e a posse de terra. Porém, como a maioria não executou os projetos apresentados, as terras deveriam retornar ao Estado, o que ocorre a passos lentos.
No dia 16, o Incra apresentou ao governo do Estado duas propostas para tentar a solução dos conflitos: destinação de imóveis rurais para a reforma agrária e titulação definitiva em projetos de assentamentos.
“As ações envolvem vistorias, arrecadação de áreas, indenizações e titulação. O trabalho seria priorizado em dez fazendas, selecionadas segundo critérios como: grave conflito instalado ou iminente e nível avançado de andamento e instrução processual na Superintendência do Incra/RO. Essas áreas totalizam 25,5 mil hectares, que atenderão a 1.083 famílias. O custo seria de aproximadamente R$ 25 milhões com a indenização das benfeitorias úteis e necessárias a serem pagos em moeda corrente e R$ 79 milhões com a indenização da terra nua, pagos por meio TDA (Títulos da Dívida Agrária)”, diz o órgão.
Ao todo, a demanda de títulos definitivos no Estado é de 34.121. O Incra quer, até 2017, emitir 10 mil títulos em projetos de assentamentos do Estado.
Governador vai procurar Temer
O governador Confúcio Moura (PMDB) informou que irá pedir uma reunião com o presidente Michel Temer para discutir a regularização fundiária de terras no Estado.
“Essa competência está desigual, com o Terra Legal tendo mais de 70% da responsabilidade e o Incra pouco mais de 20%. Temos de solucionar os conflitos, é necessário titular as terras. Imaginem que temos 90 mil propriedades. Com isso tudo regularizado, o Estado vira uma potência, vai dar um salto qualitativo, um impulso na economia. Precisamos documentar as terras. O resto, os produtores fazem”, disse, também em nota.
O UOL procurou, desde a segunda-feira (19), a Secretaria de Segurança Pública de Rondônia, mas não conseguiu contato com a assessoria de imprensa do órgão. Dois e-mails foram enviados para o endereço eletrônico indicado no site do órgão, mas não houve resposta.
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