Por que o Brasil inteiro tem menos metrô que cidades como Nova York e Londres?
Um levantamento divulgado na segunda-feira (12) pela CNT (Confederação Nacional do Transporte) mostra que cidades como Nova York, Londres e Tóquio possuem redes de metrô maiores que a soma de todas as linhas de metrô existentes no Brasil. No total, o país possui 309 quilômetros, praticamente metade da rede existente na chinesa Xangai (veja tabela abaixo). Por que o país, tão extenso e com graves problemas de mobilidade urbana, tem tão pouco metrô?
Sistema de alta capacidade, o metrô é capaz de estruturar redes de transporte e o próprio desenvolvimento das cidades. O UOL ouviu a arquiteta e urbanista Andreína Nigriello, professora da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisadora de infraestrutura urbana, e o presidente da ANPTrilhos (Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos), Joubert Flores, para ajudar a explicar os motivos da escassez desse tipo de transporte no país.
O estudo da CNT mostra que as redes urbanas sobre trilhos no Brasil somam 1.062 km, se adicionados os outros sistemas, como os trens urbanos e os VLTs (Veículos Leves sobre Trilhos). Mesmo assim, a marca fica muito aquém do que é considerado necessário para atender a demanda das grandes cidades.
De acordo com a CNT, o país precisa de mais 850 km de linhas sobre trilhos, o que representaria um crescimento de 80% em relação à malha atual. Esse crescimento dependeria de R$ 167 bilhões em investimentos.
Atraso histórico e custo alto
O atraso brasileiro em relação ao metrô é histórico. A década de 1930, diz Nigriello, marcou o início de um processo de ascensão do transporte a motor, que passou a ser priorizado, e de declínio do transporte sobre trilhos no Brasil.
“Começamos a construir metrô tardiamente apesar da existência de projetos antigos”, afirma a pesquisadora. Enquanto grandes cidades do mundo já contavam com linhas de metrô no começo do século 20, a primeira linha brasileira só foi inaugurada em 1974, em São Paulo. Em Buenos Aires, capital da vizinha Argentina, a primeira linha começou a funcionar em 1913. O de Nova York foi inaugurado em 1904; e o de Londres, o mais antigo do mundo, em 1863.
A demora dificulta e encarece a construção. Ou seja, atraso gera atraso. “Quanto maior a demora para construir metrô, mais caro fica porque as cidades se consolidam e as desapropriações custam mais”, comenta a urbanista.
Dezessete municípios brasileiros possuem mais de 1 milhão de habitantes, mas só sete possuem metrô. Entre os que não têm, Manaus é o mais populoso, com 2,1 milhões de habitantes.
Falta de prioridade
Para a professora da USP, é evidente a escassez de investimentos no transporte sobre trilhos, opinião compartilhada por Flores. Embora também concorde que o atraso é histórico, o presidente da ANPTrilhos lembra que cidades latino-americanas como Santiago, no Chile, e Cidade do México começaram a construir metrô na mesma época das maiores cidades brasileiras, mas avançaram mais rapidamente.
“Houve por parte dos governos nesses países uma prioridade no investimento em metrô, o que não aconteceu no Brasil”, afirma Flores.
O projeto e o início das obras do metrô na capital chilena, em São Paulo e no Rio são do mesmo período: o fim da década de 1960 e a década de 1970. Inaugurado em 1975, o sistema de Santiago já possui 103 km de extensão, maior do que qualquer cidade brasileira. A rede paulistana tem 77,4 km; e a carioca, 58,1 km.
Na Cidade do México, o metrô foi inaugurado alguns anos antes, em 1969, e conta com uma extensão ainda maior: 226,5 km.
Flores frisa que as cidades brasileiras precisam superar divergências partidárias e descontinuidades administrativas para garantir a expansão do metrô. “Os projetos de linhas têm quatro, cinco anos de maturação. Precisam ser projetos de Estado, e não de governo.”
Carência de fontes de financiamento
Na avaliação de Flores, o Brasil precisa facilitar a participação de investidores privados na construção de sistemas de transporte sobre trilhos. “Como os governos têm pouca capacidade de investir, é necessário atrair o investimento privado. Para isso, é preciso ter segurança nas regras e garantia regulatória para que o combinado em contrato seja cumprido.”
Para o presidente da ANPTrilhos, o momento de crise econômica e política dificulta investimentos, mas o país não pode ignorar o potencial do metrô como indutor do crescimento econômico. “O metrô é um fator que gera emprego na construção, na criação e na operação do sistema. Além disso, desenvolve áreas das cidades.”
Nigriello diz que o país deveria consolidar formas de captação de recursos para investir em transporte sobre trilhos. Uma opção seria cobrar, de forma criteriosa e negociada, uma contribuição de melhoria dos donos de imóveis beneficiados com a inauguração de estações.
Projetos com problemas
Segundo o presidente da ANPTrilhos, os governos locais precisam melhorar na elaboração de projetos de metrô. “A maioria dos projetos não tem detalhamento suficiente. São conceituais e alguns existem há anos.”
Os projetos, diz Flores, têm de detalhar mais os aspectos técnicos e financeiros da obra para evitar que imprevistos retardem a construção e aumentem os custos. Se o projeto dá margem para dúvidas, acrescenta, o agente financiador (seja público ou privado) não tem segurança para liberar verbas.
Nigriello afirma ainda que os projetos não deveriam privilegiar somente as áreas centrais das grandes capitais. Segundo Nigriello, na região metropolitana de São Paulo, a maior do país, há demanda por metrô, por exemplo, na região do ABC, que abrange municípios como Santo André e São Bernardo do Campo, e em Guarulhos, o segundo maior município do Estado.
Para melhorar projetos e o planejamento do transporte sobre trilhos, o estudo da CNT propõe medidas como a realização de pesquisas Origem-Destino para detectar as demandas de deslocamentos da população e a criação de órgãos metropolitanos de planejamento e de regulação de transporte.
O que diz o governo federal
O Ministério das Cidades afirmou, por meio de nota, que “o governo federal tem incentivado a expansão e a modernização do sistema de trilhos especialmente por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)”.
Os projetos financiados desde o governo Dilma Rousseff (PT) seriam suficientes para atingir a meta proposta pela CNT. “Estão sendo investidas ações de mobilidade urbana sobre trilhos em 47 empreendimentos que abrangem 14 Estados e o Distrito Federal, somando um montante de R$ 98,48 bilhões. No total, é prevista a implantação de 923,62 quilômetros de linhas férreas em sistemas de metrô, trem metropolitano, veículo leve sobre trilhos, monotrilho e aeromóvel, além de modernização de estações”, completa a nota enviada pela assessoria da pasta.
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