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Gritei que ele era louco e denunciei para evitar crimes, diz abusada no metrô

Alice Vergueiro/Futura Press/Estadão Conteúdo
Imagem: Alice Vergueiro/Futura Press/Estadão Conteúdo

Marcelle Souza e Caio do Valle

Colaboração para o UOL, em São Paulo

12/01/2017 04h00

As festas de fim de ano trouxeram um alívio para Fabiana*, 28, quando, na manhã do dia 23 de dezembro, não precisou enfrentar o vagão lotado da linha 5-lilás, que faz parte do trajeto entre a sua casa e o trabalho, por volta das 8h. O mínimo conforto, no entanto, foi interrompido por um homem que decidiu encostar em seu corpo por trás, em uma clara referência sexual, já que havia espaço entre os passageiros.

Imediatamente, a assistente de recursos humanos decidiu reagir: “Você é louco?”, gritou para que os demais passageiros percebessem que ela estava sendo abusada. O homem revidou e ameaçou agredir Fabiana dentro do trem. “Em nenhum momento ele negou que tivesse me ‘encoxado’. Ele não gostou que eu reagi e começou a dizer que iria me bater”, conta ela.

De acordo com dados da Delpom (Delegacia de Polícia do Metropolitano) obtidos pelo UOL, o horário com mais ocorrências de abuso sexual no Metrô e na CPTM é o das 8h. O número de registros desse tipo em toda a rede aumentou nos últimos cinco anos.

No caso de Fabiana, outros passageiros se mobilizaram para ajudá-la, afastaram o homem e ela decidiu mandar um SMS para o atendimento do Metrô. “Ele fez por maldade mesmo. Eu não quero passar por isso outra vez”, afirma.

Se a gente fingir que nada aconteceu, que está tudo bem, ele pode fazer isso outra vez."

Fabiana*, passageira que já foi abusada no metrô

Na estação Santo Amaro, os seguranças aguardavam a jovem e o suspeito na porta do vagão. Ela foi atendida pela equipe do Metrô e os dois foram encaminhados, em carros separados, para a Delpom, na estação Barra Funda, zona oeste de São Paulo.

“Eu perdi a manhã inteira para fazer o boletim de ocorrência, mas acho que vale a pena. Muitas mulheres não vão para a polícia por receio de perder tempo ou achar que não vai dar em nada. Para mim, só o fato de ele responder por um processo, de levar uma bronca da polícia, já é alguma coisa”, diz. “Se a gente fingir que nada aconteceu, que está tudo bem, ele pode fazer isso outra vez, pode achar ‘ela deve ter gostado’, mas não é assim, a gente tem que ser respeitada.”

Há seis anos, Fabiana já tinha sofrido esse mesmo tipo de violência em um micro-ônibus. “Eu senti uma coisa quente atrás de mim. Quando vi, era um cara que estava me 'encoxando'. Olhei para a cara dele e desci no ponto.”

Na época, ela diz que ficou confusa e sentiu raiva por não ter conseguido responder rapidamente. “É horrível, porque você se sente abusada, lesada, constrangida, por mais que você seja a vítima. Por isso muitas mulheres saem de perto, ficam em silêncio. Eu quis fazer a denúncia para incentivar outras mulheres [a denunciar], porque eu acho que, se aumentarem os índices [de abuso no metrô], outros homens vão se sentir inibidos de fazer o mesmo.”

Mais casos às 8h

Entre janeiro e outubro de 2016, o Metrô e a CPTM registraram 168 casos de abuso sexual em suas dependências. Desses, 31 ocorreram entre 8h e 8h59. O segundo horário com mais registros é entre 7h e 7h59, com 24 episódios desse tipo. Há picos de ocorrências também das 18h às 18h59 (20 casos) e das 19h às 19h59 (15 registros).

Os números levam em conta três tipos de casos: estupro e violação sexual mediante fraude (que são crimes previstos no Código Penal e passíveis de prisão) e importunação ofensiva ao pudor (que não é considerado crime, e sim contravenção em que a pena prevista é uma multa).

Houve um aumento expressivo de registros de abuso nos últimos cinco anos: em 2012, foram oito ocorrências; em 2013, subiu para 17; em 2014, foram 70. Somadas as três categorias, foram 168 registros de abusos em todo o ano de 2015.

Procurada pela reportagem, a Secretaria de Transportes Metropolitanos disse que o aumento de registros é resultado das campanhas de incentivo às denúncias de abuso sexual do Metrô e da CPTM.  De acordo com a pasta, “cerca de nove entre dez suspeitos são detidos pelos agentes de segurança do Metrô e da CPTM e encaminhados para as autoridades policiais”. A secretaria diz que cabe ao delegado de polícia a tipificação penal da ocorrência e do crime.

“Em caso de abuso sexual é importante que a vítima informe imediatamente a um funcionário do Metrô ou da CPTM, apontando ou descrevendo as características e roupas do autor do crime para que o mesmo seja localizado e detido. Os passageiros também podem colaborar por meio do serviço SMS-Denúncia do Metrô (97333-2252) e da CPTM (97150-4949), que garantem total anonimato ao denunciante. A mensagem é recebida no Centro de Controle de Segurança, que destaca os agentes mais próximos para verificação imediata e providências”, informou em nota.

* A jovem teve seu nome alterado para preservar sua identidade.