Topo

Após exposição em redes sociais, saqueadores devolvem produtos à polícia no ES

Eletrodomésticos furtados pela população e devolvidos na delegacia do bairro de Goiabeiras, em Vitória - Gilson Borba/UOL
Eletrodomésticos furtados pela população e devolvidos na delegacia do bairro de Goiabeiras, em Vitória Imagem: Gilson Borba/UOL

Daniela Garcia e Paula Bianchi

Do UOL, em São Paulo e em Vitória

09/02/2017 20h03

À espera do nascimento do quinto filho, Geter Silva, 43, decidiu que precisava tomar um ar. Saiu pela porta do hospital e, ao andar pelas ruas, viu uma centena de pessoas saqueando a loja Dadalto, no centro de Cachoeiro de Itapemirim, no interior do Espírito Santo. Por "impulso", Silva diz ter levado uma máquina de lavar para casa.

Sorridente, o vigia aparece carregando o eletrodoméstico em um vídeo que circulou pelas redes sociais. "Um parente da minha ex espalhou para geral", disse ao UOL. Além de Cachoeiro de Itapemirim, que conta com 163 mil habitantes, as imagens de Silva se espalharam pelo Brasil. Um dia após o saque, Silva se apresentou à delegacia da cidade e devolveu a máquina de lavar. 
 
"Família e amigos, foi só um impulso. Não sou ladrão, safado, assaltante", escreveu no Facebook dois dias depois de ter feito a devolução. 
 
9.fev.2017 - Geter Silva aparece no vídeo que circulou nas redes - Reprodução/UOL - Reprodução/UOL
Geter Silva aparece no vídeo que circulou nas redes
Imagem: Reprodução/UOL
 
Assim como Geter Silva, pessoas sem antecedentes criminais estão procurando as delegacias do Espírito Santo para devolver produtos que foram saqueados no começo desta semana. Desde o início da paralisação da Polícia Militar no Estado, lojas viraram alvo de saques coletivos. A maior parte deles aconteceu na segunda-feira (6), segundo o delegado Faustino Antunes Simões Filho, superintendente de Polícia Regional Sul (SPRS), que atende a região da cidade de Cachoeiro de Itapemirim.
 
Para o delegado, a divulgação nas redes sociais de vídeos e fotos de quem fez os saques está facilitando o trabalho da polícia. "Há uma repercussão entre as pessoas e eles (saqueadores) sabem que podemos identificá-los. Muitas mulheres, crianças e homens que não têm nada a ver com o crime têm se apresentado tentando resolver a sua situação", diz. Simões Filho afirma que cerca de 100 pessoas já foram voluntariamente até a delegacia.
 
O policial explica que há uma redução da pena para quem se apresentar à polícia em um "arrependimento posterior". "Isso pode acontecer em um ato voluntário do agente (do furto). Desde que sejam crimes sem violência e que não tenham grave ameaça à pessoa", detalha.
 
O UOL teve acesso a dois autos de apresentação voluntária feitos na 8ª Delegacia de Polícia do bairro Goiabeiras em Vitória. Um homem de 38 anos afirma que decidiu se entregar à polícia depois de "receber ligações e mensagens" de pessoas que o viram carregando um refrigerador na segunda-feira (6). "Ficou preocupado com a repercussão e decidiu se apresentar e devolver o material subtraído", diz o relatório policial.
 
Outro homem de 33 anos também foi pego em vídeos das redes sociais ao levar um fogão em Vitória. A mulher dele já havia recebido as imagens e não permitiu que família ficasse com o eletrodoméstico. "Sua esposa lhe mandou que nem entrasse com o fogão em casa e devolvesse imediatamente", registrou o departamento de polícia.
 
"Eles vieram até aqui, contaram que tinham saqueado a loja 'levados pelo momento' e perguntaram como poderiam devolver as coisas, que estavam preocupados porque viram imagens deles no Facebook", explica o investigador Juliano Martins, da 8ª DP de Goiabeiras, de Vitória. 
 
Segundo Martins, eles podem ser punidos com dois a oito anos de prisão, mas terão a pena atenuada por terem se apresentado na delegacia.
 
O delegado Simões Filho explica que a apresentação voluntária não exime o crime cometido. "Se a pessoa não tem antecedentes, a pessoa pega, no máximo, dois anos. A apresentação voluntária pode gerar uma redução de 2/3 da pena que pode ser convertido em prestação de serviços à comunidade". 
 
A Polícia Civil do Estado não fez um balanço, até o momento, de quantas pessoas se apresentaram voluntariamente depois de terem feitos os saques.
 

Entenda a crise no Espírito Santo

No sábado (4), parentes de policiais militares do Espírito Santo montaram acampamento em frente a batalhões da corporação em todo o Estado. Eles reivindicam melhores salários e condições de trabalho para os profissionais.

Desde segunda-feira (6), o movimento é considerado ilegal pela Justiça do Espírito Santo porque ele caracteriza uma tentativa de greve, o que é proibido pela Constituição. As associações que representam os policiais deverão pagar multa de R$ 100 mil por dia pelo descumprimento da lei.

A ACS-ES (Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar e Bombeiro Militar do Espírito Santo) afirma não ter relação com o movimento. Segundo a associação, os policiais capixabas estão há sete anos sem aumento real, e há três anos não se repõe no salário a perda pela inflação.

A SESP (Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social) contesta as informações passadas pela associação. Segundo a pasta, o governo do Espírito Santo concedeu um reajuste de 38,85% nos últimos 7 anos a todos os militares e a folha de pagamento da corporação teve um acréscimo de 46% nos últimos 5 anos.

Na noite de quarta-feira (8), integrantes do governo reuniram-se com representantes do movimento de familiares, que apresentou uma pauta de reivindicações --anistia geral para todos os policiais e 100% de aumento para toda a categoria-- e uma nova reunião, com a presença do governador César Calnago (PSDB), foi marcada para esta quinta-feira.

Em função da morte de um agente, os policiais civis também paralisaram os seus serviços na quarta. Eles devem decidir se entrarão em greve hoje, em assembleia conjunta com os agentes penitenciários.

Os ônibus também não circulam regularmente na Grande Vitória desde o início desta semana. Nesta quinta, a categoria decidiu que não voltará ao trabalho enquanto a polícia não retornar as ruas. A decisão aconteceu após o assassinato do presidente do Sindirodoviários (Sindicato dos Rodoviários) de Guarapari (ES).