Por que policiais militares não podem entrar em greve?
Familiares de policiais militares do Espírito Santo montaram acampamento em frente a batalhões da corporação em todo o Estado no último sábado (4), e desde então estão impedindo a saída dos carros de polícia, o que vem sendo chamado de "greve branca" e resultou em caos na segurança pública, estabelecimentos fechados e ruas vazias.
O movimento teve início quando mulheres de PMs começaram os protestos em quartéis de Vitória. No Rio de Janeiro, parentes de PMs também estariam se organizando, por meio de grupos de WhatsApp, para impedir a saída de policiais.
Familiares indo às ruas no lugar de policiais militares para reivindicar melhores salários e condições de trabalho para essa categoria não é raro. Em 2015, por exemplo, parentes de PMs também obstruíram a saída em cerca de 30 quartéis da Brigada Militar no Rio Grande do Sul.
Eles vão às ruas no lugar dos militares pelo fato de que a Constituição Federal de 1988 proíbe que militares façam greve, uma determinação que inclui de membros das Forças Armadas a policiais e bombeiros militares.
“É greve branca”
Para o doutor e mestre em Direito Processual Penal pela PUC-SP Dirceu Augusto da Câmara Valle, a proibição tem razão na força que essas tropas possuem. “São tropas armadas baseadas em hierarquia e disciplina. Elas têm condições de tomar o Estado. Então, o constituinte entendeu por bem impedir que os PMs e militares das Forças Armadas tivessem a possibilidade de fazer greve”, explicou.
Além disso, a Polícia Militar está dentro do rol de serviços considerados essenciais para a sociedade.
“O questionamento que se faz é: quem nos dá a segurança tem direito a parar de trabalhar pedindo melhores condições? Essa categoria é especial, é a mais diferente das que existem dentro do serviço público. Não há condições de que ela se manifeste através do direito de greve [sem prejudicar a sociedade]. Por isso é vetado, e é algo que não acontece apenas no Brasil”, acrescenta o professor de Direito Constitucional da USP (Universidade de São Paulo) Rubens Beçak.
A ACS (Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar e Bombeiro Militar) do Espírito Santo já havia dito que não tinha relação com o movimento que está paralisando os serviços de segurança no Estado desde o fim de semana. Mesmo assim o movimento dos parentes tem sido visto como uma “greve branca”.
“É uma greve branca, mesmo que eles estejam se apresentando aos quartéis", Dirceu Valle, doutor em Direito Processual Penal.
"Qualquer categoria profissional fica em casa quando está paralisada. Mas o militar não pode, porque a ausência dele do quartel é transgressão, ele pode responder por crime de deserção”, acrescentou.
Com a proibição da greve, associações dos familiares acabam tendo esse papel de fazer as reivindicações, negociar com os governos, de proteger os interesses da categoria, segundo o professor de Direito Constitucional e Direitos Humanos do Damásio Educacional, Erival Oliveira.
“Eles são proibidos de fazer greve e, inclusive, de criarem sindicatos. Então, como reivindicar melhores salários e condições de trabalho? Acabam encontrando uma saída”, explicou.
Mesmo com proibição, paralisações não são raras
Apesar da proibição, casos de paralisações de policiais militares têm sido notícia ao logo dos anos. Em Pernambuco, há informações de que PMs estão se articulando para paralisar suas atividades antes do Carnaval – um dos momentos do ano que mais demandam o trabalho da Polícia Militar no Estado, que possui tradição na festa.
O mesmo Estado viveu dias de terror em 2014, quando os PMs decidiram parar suas atividades pedindo um reajuste de 50% dos salários. Na ocasião, aconteceu algo parecido com o que têm o corrido no Espírito Santo: saques a lojas, assaltos, toque de recolher, população amedrontada e acuada dentro de suas próprias casas.
Na verdade, houve uma onda greve de militares no Nordeste em 2014. PMs do Rio Grande do Norte também iniciaram uma paralisação, assim como os militares da Bahia. Nesse último caso, o principal líder da categoria acabou sendo preso.
Segundo Beçak, em todos os casos a Justiça decreta a ilegalidade do movimento, mesmo daqueles que não envolvem PMs diretamente. “Dialeticamente quando acontece pressão não adianta ter uma limitação constitucional. Quando as condições de trabalho e os salários se mostram inadequados na percepção da categoria, sempre acabam arrumando uma maneira de protestar. Mas a Justiça sempre vai entender que a greve é ilegal”, explica.
Decretada a ilegalidade, esses militares estão sujeitos a sanções previstas nos estatutos militares. “A penalidade vai desde prisões dentro dos quartéis até a cassação de patentes. É diferente de outras categorias públicas cujas sanções são administrativas”, explicou Beçak.
Salário baixo, estresse e aposentadoria
Valle diz que, apesar de ser completamente de acordo com a proibição, é preciso se colocar no lugar dos PMs. “É um baixo salário para carga de trabalho e para o estresse que se tem. Eles defendem a sociedade oferecendo o próprio peito como escudo. É elevado o número de PMs que morrem em confrontos. Além disso, por trás da farda existe um ser humano que quer comprar comida, morar em um lugar digno. Tudo isso pode se tornar uma situação limite para que movimentos como o do Espírito Santo aconteçam”, acredita.
Os militares ficaram de fora da reforma da previdência proposta pelo governo federal, o que inclui policiais militares e bombeiros, o que tem sido criticado. A mudança nas regras previdenciárias dos militares será encaminhada em forma de projeto de lei, segundo parlamentares que participaram do encontro com o presidente Michel Temer.
“Quando se observa, o militar pode se aposentar com 30 anos de serviço, ou seja, tem militar que com 60 anos já está aposentado, as vezes menos. Mas é preciso entender que, no caso do PM, ele tem uma jornada de 12 horas (das 7h às 19h). Muitas vezes, se falta dez minutos para ele sair e acontece uma ocorrência, ele precisa atendê-la e acaba passando muito mais do horário, sem hora extra”, defendeu Valle.
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