Cantora é presa após ônibus ser queimado em BH e acusa PM de racismo
A prisão da jovem Marcella Eduarda Januária de Carvalho, 18, acusada de ter participado de um ataque que incendiou um ônibus em Belo Horizonte, opôs movimentos sociais, a Comissão de Direitos Humanos da OAB-MG, as polícias Militar e Civil e a Justiça mineira.
A capital mineira e a região metropolitana registraram, desde o início do ano, mais de 20 casos de vandalismo contra veículos do transporte público. Investigação da Polícia Civil revela que os atos podem estar relacionados à retaliação de integrantes de uma facção criminosa pela morte recente do líder do grupo. Os suspeitos atuariam em duas cidades do entorno da capital mineira.
Marcella, conhecida como Madu Carvalho, estava dentro do ônibus que fora incendiado. Ela foi presa por policiais militares no final da noite do dia 14 deste mês, na região do Barreiro. Os PMs conseguiram deter suspeitos do ataque na sequência ao ato. O flagrante foi posteriormente ratificado pela Polícia Civil mineira.
Pesa contra ela a acusação de supostamente ter se passado por uma usuária comum e acionado o sinal para descer. No momento em que o veículo parou, adolescentes invadiram o ônibus a atearam fogo nele, não sem antes terem determinado a saída dos poucos passageiros, do motorista e do cobrador. A moça é acusada de conluio com os suspeitos.
A cantora foi reconhecida por testemunhas. Em seguida, disse ter ficado quatro dias confinada em presídio da região metropolitana de Belo Horizonte, até ser solta na manhã do último sábado (19). Por ordem da Justiça, passou a portar uma tornozeleira eletrônica. A soltura se deu após pagamento da fiança de R$ 1.000, valor levantado por meio de uma vaquinha na internet promovida por integrantes de um movimento social.
'Foi um trauma horrível'
Ouvida pelo UOL, a jovem negou as acusações e afirmou que apenas voltava para casa, situada numa ocupação urbana, após ter acompanhado uma vizinha que passou mal até um hospital. Marcella disse ter sido vítima de preconceito e racismo.
“Os criminosos abriram as portas do ônibus e mandaram a gente correr. Eu estava correndo quando fui abordada pelos policiais. Eles disseram que fui eu quem deu o sinal e tinha participado do crime. Ainda me acusaram de ter aliciado os menores para cometer o ato”, descreveu.
“Com certeza eu fui vítima de racismo. Eu não tenho antecedentes criminais, nunca fui presa, sou cantora e estudo”, diz ela, que afirmou que irá processar o Estado. “Para mim, foi um trauma horrível. Mas isso não vai tirar minha vontade de ser uma cantora reconhecida. Ainda vou pegar papel e caneta e fazer disso uma letra de música.”
A mãe de Marcella pediu ajuda para a Casa de Referência da Mulher Tina Martins, movimento social que luta contra a desigualdade de gênero e promove o acolhimento de mulheres em situação de violência. Integrantes da casa fizeram uma ação de arrecadação pela internet para pagar a fiança estipulada. Outras duas entidades, o Movimento de Mulheres Olga Benário-MG e o MLB-MG (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas - Minas Gerais), também ajudaram a levantar o dinheiro.
A vereadora Áurea Carolina (PSOL) criticou o trabalho da polícia. Em sua página no Facebook, a parlamentar disse ter visto uma ação de discriminação, preconceito e racismo: “Por ser mulher, jovem, negra e moradora de ocupação, Madu foi presa em mais uma ação de criminalização da juventude periférica”.
OAB vê arbitrariedade; PM diz que acusação é descabida
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MG (Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Minas Gerais), Willian Santos, disse que vai entrar com pedido na Justiça para que ela seja liberada do uso da tornozeleira.
“Quando é negro, já é suspeito”, afirmou o presidente, referindo-se com crítica à ação da PM que culminou na prisão da moça. “Somos contra essa arbitrariedade. Queremos a apuração desse caso. Vamos enviar um relatório para a Ouvidoria de Polícia. O cobrador e o motorista do ônibus podem ter reconhecido ela, mas justamente por ela estar dentro do ônibus. A Polícia Militar faz o que quer”, disse.
O major Flávio Santiago, chefe da assessoria de imprensa da Polícia Militar de Minas Gerais, afirmou que os policiais envolvidos no caso agiram apenas no cumprimento da lei: “Os policiais, durante a operação do estado de flagrância, no momento em que se depararam com ela, viram elementos suficientes para perceberem a participação ou o envolvimento dela junto com demais suspeitos".
Santiago ainda classificou de “anacrônica” a acusação feita pelos defensores da cantora sobre a motivação para a sua detenção. “É uma fala anacrônica, completamente descabida. Houve um ônibus queimado, e a polícia conseguiu atrelar [a participação] os suspeitos. Como ela pertence a uma ocupação, isso chamou a atenção dos movimentos [sociais]. A polícia não fez nada além do previsto em lei. E a corporação é uma defensora dos direitos das pessoas”, disse.
22 ônibus queimados neste ano
A Polícia Civil informou ter prendido quatro homens suspeitos de serem mandantes dos atos de vandalismo contra os coletivos. Ainda com investigação em curso, a corporação informou, de antemão, ter identificado que uma das motivações para os ataques teria sido a retaliação de criminosos do tráfico de drogas pela morte de um líder do bando. A apuração segue no intuito de prender mais suspeitos.
Sobre o caso específico da jovem, a assessoria de imprensa do órgão afirmou que não poderia pormenorizar situações individuais em face de uma investigação em andamento. Desde janeiro deste ano, 22 ônibus foram queimados em Belo Horizonte e região metropolitana.
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