Uma única rua no Rio concentra 1% dos roubos de cargas do Brasil
Uma rua no bairro da Pavuna é palco da maioria dos roubos de cargas no Rio de Janeiro. A Herculano Pinheiro, na zona norte da cidade, passa a impressão de um local tranquilo. No entanto, é responsável por 1% de todos os assaltos a cargas ocorridos no Brasil. Em um ano, a via sofreu com 180 interceptações de veículos.
Apenas em 2016, a região da Pavuna, que faz divisa com cidades da Baixada Fluminense, teve 1.340 roubos desta natureza, o que corresponde a 13% do total de casos registrados no Estado do Rio. No ano passado, foram contabilizados 9.870 roubos de cargas contra 7.225 em 2015 --um crescimento de 36,6%.
De acordo com dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), o mês de janeiro de 2017 já acumula 693 assaltos a cargas --109 ocorreram na região da Pavuna. Há cinco anos, este tipo de crime não chegava a 500 casos na região.
No ano passado, o Brasil registrou 22.551 casos de roubo de mercadorias. Rio de Janeiro e São Paulo registraram 87,8% das ocorrências. Já Minas Gerais é responsável por apenas 2,1% dos crimes. Os dados foram divulgados nesta quinta-feira (16) e não incluem informações sobre os Estados do Acre, do Amapá, do Paraná e de Roraima.
Quem trabalha no local conta que os bandidos não se intimidam e atuam em qualquer horário, mesmo à luz do dia.
O frentista Daniel Carlos, 36, diz que os criminosos agem sempre da mesma maneira: "Eu trabalho aqui há quatro anos. Vejo mais de um assalto por semana. Os bandidos usam carros caríssimos. Já vi até [uma picape] Land Rover sendo utilizada nos assaltos. Sempre estão armados com fuzis e têm motociclistas acompanhando as ações".
De acordo com ele, os ladrões mandam o motorista parar e levam o veículo. "Às vezes tem até troca de tiros por aqui. Normalmente, eles conseguem fugir."
"Trabalho com muito medo"
O número de roubo de cargas no Rio tem crescido em uma velocidade alarmante, segundo especialistas. Nos últimos cinco anos, o aumento foi de 169%.
O presidente da Federação de Transportes de Cargas do Estado do Rio, Eduardo Rebuzzi, explica que o aumento ocorreu em função da popularização do roubo de cargas. Segundo ele, mercadorias baratas como alimentos passaram a ser o novo foco de bandidos devido à facilidade para revender os produtos.
"Antigamente, quadrilhas especializadas em roubos visavam as cargas de remédios e de eletrodomésticos, mas agora facções criminosas conseguem interceptar os veículos, levá-los até as favelas e descarregar as mercadorias. Depois, os produtos são vendidos por preços bem mais em conta, o que torna o crime mais rentável a curto prazo."
Foi o que aconteceu com Rodrigo Torres, 28, que já foi assaltado em apenas três meses como ajudante de transporte. Responsável pela carga e descarga de um caminhão de sorvetes, conta que os bandidos tomam os celulares para impedir qualquer pedido de ajuda e vendam os olhos de todos até chegarem às comunidades.
"Já fui assaltado e até minha aliança levaram. Eles vão com a gente para a favela. Chegando lá, tem que ajudar a descarregar com outras 20 pessoas que aparecem. É tudo muito rápido. Depois, nos deixam ir embora."
O motorista George Deodoro, 33, é proprietário de um caminhão-baú. Ele presta serviço a empresas de gêneros alimentícios e já foi assaltado três vezes na mesma região.
"Nem aceito mais trabalhar com carnes. É uma mercadoria muito visada. Precisa até de escolta armada. Nas três vezes em que fui assaltado, levaram o equivalente a R$ 70 mil em produtos. Agora só pego mercadorias como cereais e água. Trabalho com muito medo."
Pedido de resgate de veículos de carga chega a R$ 3.000
O presidente da Associação de Produtores e Usuários da Ceasa Centrais de Abastecimento do Estado, Waldir de Lemos, disse que, no mês passado, assaltantes ligaram pedindo dinheiro para devolver um caminhão vazio da Ceasa que havia sido roubado.
"Agora, eles ligam pedindo resgate para o caminhão. Pediram R$ 3.000 para devolver o veículo. O dono do carro não quis, porque tinha seguro."
Somente no ano passado, o prejuízo com roubos de cargas no Rio de Janeiro foi de R$ 619 milhões, segundo um estudo da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio). O valor não leva em consideração a quantidade de impostos que o governo deixou de arrecadar com a venda das mercadorias no comércio irregular.
Inevitavelmente, o consumidor também é prejudicado, pois, como explica o gerente de estudos de infraestrutura da Firjan Riley Rodrigues, "os custos com segurança, que variam de 12% a 30%, são repassados diretamente para o preço final dos produtos".
As seguradoras de transporte também sentem os reflexos do aumento do roubo de cargas no Estado. Dados da Federação Nacional de Seguros Gerais mostram que o valor pago às empresas com ressarcimento aumentou em R$ 140,6 milhões nos últimos três anos. Com isso, o lucro do setor passou de R$ 128 milhões em 2014 para R$ 43 milhões em 2016.
Uma posição nada agradável em ranking mundial
A JCC Cargo Watchlist, instituição britânica que avalia riscos para seguradoras em mais de cem países, elevou o Brasil da décima para a sexta posição em uma lista dos lugares com maior ameaça para transporte de cargas.
Atualmente, o levantamento mostra Iraque e Somália empatados com o Brasil, enquanto Iêmen, Líbia e Síria dividem o primeiro lugar. Ao todo, 68 países aparecem no ranking.
Uma razão para os altos índices de criminalidade no Rio está na diminuição dos efetivos das forças de segurança que atuam no Estado. A delegacia especializada no combate a roubos de cargas perdeu metade dos seus policiais nos últimos dez anos.
Em 2005, cerca de cem policiais civis trabalhavam na delegacia. Agora, são 50. Já o efetivo da Polícia Rodoviária Federal diminuiu 36% nos últimos cinco anos.
Procurada, a Polícia Civil do Rio não se manifestou. A Secretaria de Segurança disse para procurar a Polícia Militar ou a Civil. Já a PM informou que realiza operações para coibir a prática de roubo e furto de cargas em todo o Estado. Em nota, o órgão disse que revistas são realizadas em veículos nas vias de escoamento das cidades, em especial nas saídas e nas entradas da capital, do interior, da Baixada Fluminense e da Grande Niterói, na região metropolitana. A corporação disse também que atua com operações sistemáticas na região dos Morros da Pedreira e do Chapadão, para onde costumam ser levados os caminhões roubados.
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