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Ele caiu do parapente em MG e fraturou o crânio. Mas tirou selfie e sobreviveu

Antes e depois do acidente de Thomas no pico do Ibituruna, em Minas Gerais - Arquivo pessoal
Antes e depois do acidente de Thomas no pico do Ibituruna, em Minas Gerais Imagem: Arquivo pessoal

Daniela Garcia

Do UOL, em São Paulo

27/03/2017 04h00

Do alto do pico Ibituruna, no interior de Minas Gerais, o húngaro Thomas Antallfy, 54, se lançou em um voo de parapente do qual guarda poucas memórias. Daquela quinta-feira de fevereiro, o empresário diz ter apenas flashes. Ele se lembra de estar voando a 50 km por hora, quando de repente bateu contra um paredão. Thomas desmaiou e desabou em queda livre. 

Nas 14 horas seguintes, ele ficou inconsciente. Até que despertou em meio a arbustos e não viu ninguém por perto para pedir ajuda. “Eu levantei e tirei uma selfie. Eu poderia ter ligado para alguém, mas minha cabeça não estava funcionando direito”, relatou o empresário em entrevista por telefone ao UOL. Àquela hora ele não sabia, mas havia sofrido fraturas por todo o corpo, inclusive no crânio.

Thomas, radicado em Londres, pratica o parapente há 20 anos e já pilotou em sete países diferentes. Entusiastas do esporte de aventura costumam vir até a região de Governador Valadares, no interior de Minas, em busca de "ventos ascendentes". O ar é favorável para voos longos e sem turbulência, explica Abel Couto, diretor da Associação de Voo Livre Ibituruna. O teto -- a altura atingida em voo -- varia entre 1.800 a 2.500 metros, tendo alguns registros de 3000 metros.

O húngaro continua no Brasil 33 dias depois do acidente. Thomas não sabe o que fez de errado para cair do céu. Só sabe dizer a que horas aconteceu o acidente porque fez fotos no caminho da rampa do salto, por volta das 16h de 23 de fevereiro, e quando acordou da queda, aproximadamente, às 6h do dia seguinte.  

Na selfie, Thomas viu que tinha os olhos roxos e inchados. Lembra apenas que sentia uma dor intensa no ombro direito. De maneira automática, o húngaro adotou o mesmo ritual dos outros voos, como se tivesse feito um pouso normal. Botou o parapente de 20 quilos nas costas e caminhou 300 metros para pedir carona de volta para o albergue em Governador Valadares. “Eu não tive aquele sentimento de ter sobrevivido. Eu apenas pensei na próxima coisa a se fazer”, contou.

Hospital rejeitou internação

Ao chegar no albergue na manhã de sexta-feira (24), Thomas foi recebido por um grupo de amigos igualmente húngaros, sendo que nenhum falava português. Um deles o levou para o Hospital Municipal de Governador Valadares. Segundo relatório do próprio hospital, o paciente teve atendimento da neurologia, da ortopedia e da pequena cirurgia. Recebeu uma receita com uma medicação e, surpreendentemente, foi liberado. Não passou ao menos uma noite internado. 

“Os médicos descobriram que ele tinha um crânio fraturado, uma enorme hemorragia na cabeça e uma contusão cerebral, mas deixaram ele voltar para o hotel. Sem supervisão médica! Ninguém entende o porquê”, afirma Anita Dangel, mulher de Thomas que veio socorrê-lo no Brasil. “Podem ter feito isso por causa da febre amarela ou dengue, talvez porque o hospital estava completamente cheio e havia uma escassez de equipe médica”, acusa. Questionado pela reportagem, o hospital não explicou por que Thomas não ficou internado.

Em Londres, sem ter notícias do marido, Anita passou a questionar os amigos que o acompanhavam por onde ele andava. "Nem os amigos ou o instrutor me informaram sobre o acidente do Thomas". Só quando chegou ao Brasil, descobriu que ele havia passado quatro dias no albergue na seguinte rotina de recuperação: dormia, tomava remédios e bebia água.

24.mar.2017 - Ao lado de Thomas, internado em BH, Anita já estava tranquila ao ver que o marido sobreviveu de uma queda livre sem nenhuma sequela - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Ao lado de Thomas, internado em BH, Anita já estava tranquila ao ver que o marido sobreviveu de uma queda livre sem nenhuma sequela
Imagem: Arquivo pessoal

Highlander?

“Foi um milagre”, resume a neurologista Júlia Kallás, do Hospital Materdei, em Belo Horizonte. Ela atende Thomas desde a madrugada de quarta-feira de cinzas no 1º de março. “Ele sofreu um trauma de alto impacto e mesmo assim chegou aqui consciente, conversando e andando”, detalha a médica. Depois da experiência no hospital público, Anita levou o marido de ambulância para uma unidade privada de referência no Estado. 

Com politraumatismo, Thomas teve que ser atendido por sete especialidades médicas: neurocirurgia, neurologia, ortopedia, otorrinolaringologista, cirurgia torácica, clínica médica e anestesiologia. “Ele quebrou a base do crânio, três costelas, duas vértebras e o ombro direito. O Thomas surpreendeu a equipe porque apesar de ter hematomas e lesões cerebrais ele praticamente não tinha nenhum sintoma neurológico", diz a médica.

O estrangeiro ficou internado no hospital durante uma semana e passou por cirurgia no ombro direito. Nesta terça-feira (28), ele volta ao hospital para fazer check-up e saber se já tem condições de voar para Londres na companhia da mulher. 

No e-mail enviado aos familiares e amigos, Anita relata toda a saga de Thomas e reforça: “ele está vivo”. “Seus membros estão se movendo e funcionando bem, e o mais importante é que ele continua sendo o mesmo Thomas que costumava ser”, escreveu. 

A médica Júlia Kallás garante que o húngaro vai voltar para casa sem nenhuma sequela, o que é um caso raro para a medicina. “Ele sofreu uma fratura na base do crânio. Poderia ter tido um edema cerebral ou ter ficado em coma. Mas ele não se queixa nem de dor de cabeça”, comenta.

Thomas rejeita o rótulo de Highlander, o personagem de filme da década de 1980 que virou sinônimo de imortal. Parece ainda não ter encontrado os motivos para sua sobrevivência. Já Anita tem uma resposta: “Acho que somos, provavelmente, as pessoas mais sortudas do mundo. Simplesmente assim”.