Moradores de Viana (MA) negam origem indígena de feridos em confronto
A repercussão da violência no confronto entre indígenas e moradores da zona rural de Viana (a 220 km de São Luís), no último dia 30, levantou um debate entre moradores na cidade: quem são esses indígenas que teriam surgido do nada e que são desconhecidos na região?
Durante dois dias, a reportagem do UOL andou por comunidades e ouviu dezenas de moradores da área pleiteada pelos indígenas. Todos afirmaram que não conheciam nem tinham notícias de ocupação indígena no município há pelo menos dois séculos.
A disputa pela terra atinge antigos moradores de povoados, que têm a posse das terras. Essa área, porém, seria pertencente aos índios gamelas, que teriam recebido a doação da Coroa Portuguesa, ainda em 1759. Os índios, dizem moradores, deixaram de viver em tribos e se integraram à cidade desde pelo menos o século 19.
A partir de 2015, quatro propriedade foram ocupadas, e os donos legais dela foram expulsos pelo grupo que se autodeclara indígena. A ação é chamada de "retomada de território" e criou enorme tensão na região disputada.
Casas de taipa em terrenos pequenos
Na terra requerida pelos indígenas não há grandes fazendas. São em sua maioria pequenos proprietários e trabalhadores rurais que vivem da agricultura de subsistência, como plantações e pesca, e dependem dos precários serviços públicos.
São raras as propriedades com mais de dez hectares. Também não há casas ou construções luxuosas --pelo contrário, são imóveis normalmente pequenos, alguns de taipa.
É em meio a esse cenário que o grupo formado por cerca de 1.400 autodeclarados índios iniciou a série de ocupações. A última delas ocorreu justamente no domingo. O alvo foi o sítio Ares Pinto. A população local se rebelou contra a ocupação e teve início um confronto armado que expulsou os índios e resultou em 13 feridos hospitalizados.
Hoje, os gamelas não são registrados na lista de povos pela Funai (Fundação Nacional do Índio) e não têm terras demarcadas ou mesmo em estudo pela União. Apenas no ano passado houve um pedido oficial para realizar estudos antropológicos e dar início a uma demarcação.
Moradora mais antiga diz que 'nunca ouviu falar' em índio
Entre moradores da zona rural de Viana, a grande adesão de autodeclarações indígenas é considerada uma "seita". "Só pode ser coisa do demônio isso. Não tem explicação como é que gente daqui, que se criou conosco, que todo mundo conhece, de uma hora para outra larga tudo para dizer que é índio e viver tomando terra. Muitos deles têm terreno já. Acredito que acham que podem ganhar novas terras", disse um morador que pediu para não ser identificado nem fotografado.
Eles contam que os habitantes das comunidades passaram a ser cooptados para que se declarassem índios e passassem a lutar pelo direito à terra. A maioria recusou, mas alguns posseiros e trabalhadores acabaram aceitando.
A moradora mais antiga da região das pretendidas terras é Maria de Lourdes Borges. Aos 81 anos, ela nasceu e viveu em duas comunidades rurais de Viana e garante que nunca existiu índios nessa região.
"Esses anos todos que estou aqui nunca ouvi falar em índio aqui. Esses que se dizem agora são moradores daqui, civilizados, não têm nada de indígena. É invenção deles", conta.
O filho de Maria, Mariano Borges, conta que estudou com muitos dos que agora se intitulam índios. "Conheço tudinho, não tem nenhum ali que seja índio. Pode até ser descendente, ter algo assim, mas nenhum nunca falou nada disso", afirma.
Aldeias mistas
Os cerca de 1.400 autodeclarados indígenas pedem o direito a posse de 14 mil hectares de terra que cortam três municípios maranhenses: Viana, Matinha e Penalva. Nessas terras há pelo menos 42 comunidades formadas, em sua maioria, por não indígenas.
Os gamelas afirmam não possuir um líder e vivem espalhados em dez das 42 comunidades --sendo quatro delas só com integrantes da etnia. Os que passaram pelo confronto estão na aldeia Cajueiro Piraí --que na verdade é uma grande casa de uma das quatro propriedades "retomadas" e que têm processo de reintegração judicial tramitando na Justiça Federal de São Luís.
Um dos que fala pelo grupo é Inaldo Gamela. Ele alega que a busca pela legalização da terra ocorreu por conta do avanço das cercas na área. "Eles foram colocando cerca e hoje estamos só com 500 hectares. Por que devemos aceitar? Procuramos a Funai, mas não vamos esperar parados, vamos fazer nossas retomadas", afirma.
Quando questionado do porquê da demora em buscar o direito à terra, outro líder, Francisco Jansen Gamela, disse: "Isso não posso responder".
Funai explica critérios para ser considerado índio
Segundo Bruno de Lima e Silva, da Funai maranhense, que está em Viana para acompanhar o caso, a pré-fase de qualificação da etnia foi concluída em julho do ano passado. Agora, é necessária a criação de um grupo de trabalho para que antropólogos e pesquisadores investiguem o caso.
Porém, para serem reconhecidos, são necessários três elementos: a autodeclaração, o reconhecimento de outras tribos e a historicidade. "Quanto à historicidade não há o que contestar", diz Daiane Veras, técnica da Funai que também está acompanhando os índios em Viana.
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