Confrontos por torre blindada no Alemão expulsam moradores e silenciam Largo do Samba
O nome ainda é Largo do Samba, mas a localidade de Nova Brasília, no Complexo do Alemão, zona norte do Rio, hoje está silenciosa. Boa parte dos estabelecimentos da região onde fica a praça fechou e muitos moradores deixaram suas casas. Circular pelas ruas que desembocam no largo só se for para levar as crianças na escola ou trabalhar. Até a instalação da torre blindada da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), em abril, o largo era movimentado e ponto de encontro de moradores.
A reportagem do UOL foi à região --atualmente uma das mais violentas da capital-- onde ao menos cinco pessoas morreram e três PMs ficaram feridos num intervalo de dez dias em decorrência de confrontos entre a polícia e criminosos em abril passado.
O local sediava ensaios da Paraíso da Alvorada, que depois virou o bloco Unidos do Complexo do Alemão, por isso carrega o samba em seu nome. Mas o cenário atual é bem diferente.
As casas da região guardam as marcas da guerra durante as operações para a instalação da torre, que começaram em fevereiro. Sinais de tiros nas paredes de confrontos antigos na Nova Brasília se misturam com os novos furos, a maioria deles feitos por fuzis.
“Tenho vontade de ir embora, muitos têm. Tem gente abandonando as casas para morar de aluguel porque não aguenta mais. Está vendo ali minha janela de isopor, foi tiro”, aponta uma moradora para um dos vidros faltando de sua janela, atingida por um disparo recentemente.
Embora a violência dos confrontos em decorrência da torre blindada tenha diminuído, troca de tiros continuam comuns na região.
Traumatizados e com medo também dos policiais militares da UPP, os moradores mudaram a rotina. Crianças não brincam mais nas ruas, idosos não têm coragem de usar a Academia da Terceira Idade e as vias ficam mais vazias.
“Tenho 50 anos e moro aqui desde os 18, mas nunca foi assim não”, diz a mesma moradora, que preferiu não se identificar.
O aumento da violência também tem reflexo no comércio. Ivan José Casemiro trabalha em uma loja de móveis na rua da Assembleia e viu o movimento cair nos últimos meses.
“Ninguém quer vir pagar prestações dos móveis com medo de tiroteio. A Kombi [que faz o transporte no complexo] para e o pessoal entra correndo, não tem ninguém na rua”, afirma o vendedor.
Por questão de segurança a ida da reportagem à comunidade chegou a ser adiada devido ao clima de tensão entre os moradores e a PM após a conclusão da instalação da torre.
"Torre é símbolo do fracasso"
O Largo do Samba era um ponto estratégico para o tráfico e para a polícia. Fica no meio de uma das vias principais de Nova Brasília, a rua Sete de Setembro, e tem duas entradas e acessos a becos que ligam a outras partes da comunidade.
Um dos poucos pontos comerciais que ainda resistem no largo é a lavanderia de Roseli Coelho, que está ali há seis anos. Ela, assim como outros comerciantes da região, diz não ter sido informada ou consultada sobre a instalação da torre.
“Não existe diálogo nenhum. O clima está tenso, qualquer barulho a gente fica com medo. Eles [PMs] ficam com essas armas aí, para fora. Antes não era assim”, afirma a comerciante sobre os fuzis apontados para fora da torre.
Para os moradores, a presença da PM na região é desproporcional, o que provoca a tensão na convivência.
“A realidade é essa, comércio fechado, as crianças todas dentro de casa. Não podem brincar na praça agora com a cabine. Isso de dia, imagine à noite? Você dá um bom dia e eles nem respondem. O que não pode acontecer é eles remarem contra a maré ao ponto de a comunidade dizer que antes era feliz e não sabia ”, afirmou o presidente da associação de moradores de Nova Brasília, Júlio César Ribeiro Camilo.
Para o ouvidor-geral da Defensoria Pública, Pedro Strozenberg, que acompanha a situação na região, a instalação da torre blindada é o símbolo de que a política de pacificação fracassou ali.
“É absolutamente inadequado transformar uma região de alta circulação de pessoas no centro de confrontos. Isso para não chamar de perverso, porque diferencia de quem vale e quem não vale. Vai na contramão de um modelo de pacificação. A torre é o símbolo do fracasso de uma política de respeito, proteção e integração das pessoas”, afirmou o defensor, que se reúne com o Ministério Público desde março para encontrar formas de melhorar a situação da região.
"Mais inteligência, menos confronto"
“Em novas formas de combate ao tráfico, que reage, quem leva a pior é o morador. Estamos conversando com a Secretaria de Segurança Pública para usar mais a inteligência e diminuir o confronto. Nos reunimos com associações e também com a PM para voltarem a ter diálogo. Mas, por conta dos confrontos, há resistência. Não confiam na polícia”, disse a promotora da Tutela Coletiva, Gláucia Santana.
Instalar uma torre blindada na Nova Brasília sem dialogar com moradores também é visto como falha pela promotora.
“Se houvesse diálogo, talvez [a torre] fosse admitida pela população, mas quando rompe um canal de diálogo, dificulta muito. Estamos investigando denúncias desde a instalação da torre. O ‘samba’ ali morreu, vamos resgatar isso com esse trabalho, é nossa meta”, diz Gláucia.
Maior controle da polícia por meio do Ministério Público --via fiscalizações-- é uma das frentes que Strozenberg defende para melhorar as condições de vida dos moradores.
“É um dos pontos. O segundo ponto é que não vamos conseguir melhorar a segurança sem avançar com políticas públicas. Fecharam a Vila Olímpica, bibliotecas, houve retração em projetos sociais. O terceiro ponto é construir um diálogo entre a polícia e a população”, conclui o defensor.
O UOL procurou o comando das UPP para falar com o major Leonardo Zuma, comandante da UPP Nova Brasília, sobre as estratégias para a segurança da região. A entrevista não foi autorizada pela assessoria de imprensa da UPP porque “o comandante já falou bastante sobre esse e outros assuntos”, segundo a resposta.
“A Coordenadoria de Polícia Pacificadora esclarece que o comando geral da Polícia Militar, através do Estado-Maior Geral, está reformulando o plano estratégico dos complexos do Alemão e Penha. Além de algumas possibilidades, está em estudo a instalação de outras bases avançadas, com o objetivo de reforçar o policiamento e garantir a segurança de policiais e moradores, bem como possibilitar que outros órgãos públicos e concessionárias de serviços tenham condições de atender às demandas das comunidades”, diz a nota da comunicação das UPPs.
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