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CNJ quer pôr imagens de crianças em cadastro de adoção para atrair pretendentes

Inseparáveis, os irmãos Luiz, 9, e Gabriel, 6,* viveram dois anos em um abrigo no interior do Paraná à espera de uma família - Arquivo pessoal
Inseparáveis, os irmãos Luiz, 9, e Gabriel, 6,* viveram dois anos em um abrigo no interior do Paraná à espera de uma família Imagem: Arquivo pessoal

Daniela Garcia

Do UOL, em São Paulo

05/07/2017 04h00

Antes mesmo de conhecê-los pessoalmente, Ana Bacaroglo, 35, diz ter vivido o “amor à primeira vista” ao ver as fotos dos irmãos Luiz*, 9, e Gabriel*, 6. “Independentemente de terem passado dois anos no abrigo, eles apareciam nas fotos se abraçando, brincando, jogando bola. Dava para ver que havia um elo muito grande entre eles”.

A paranaense assume que as imagens fizeram toda diferença para que, junto do marido, Rogério Bacaroglo, 45, ela tomasse a decisão de adotar as crianças. “A gente queria saber se um era alto, se o outro era gordinho. Não queria imaginá-los de outra forma. Queria amar o filho conforme ele é”, disse a dona de casa ao UOL, por telefone. O casal tem, por enquanto, a guarda provisória dos meninos. 

Para replicar histórias como a da família de Curitiba pelo Brasil, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) deverá incluir fotos e vídeos de crianças e adolescentes no Cadastro Nacional de Adoção. A ideia é chamar a atenção dos interessados para os preteridos na fila da adoção: meninos e meninas entre sete e 17 anos, grupo de irmãos e os que sofrem alguma doença física ou mental.

Juízes de varas da infância, assistentes sociais e psicólogos vêm discutindo em encontros promovidos pelo CNJ mudanças a serem feitas para aprimorar o cadastro. Uma das alterações estudadas é o uso de fotos e vídeos para dar visibilidade aos menores de 18 anos já aptos para adoção, ou seja, órfãos ou destituídos de suas famílias de origem.

Os chamados workshops já ocorreram em Belém, Maceió e Rio de Janeiro. As próximas cidades a ter os encontros serão Brasília e Curitiba até agosto deste ano. A Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça quer levar o debate às cincos regiões do país antes de apresentar uma proposta formal de mudança do cadastro à ministra Cármen Lúcia, presidente do CNJ. Caberá a ela aprovar as alterações e determinar um prazo para a execução no sistema. 

Mediadora desses debates do CNJ, a juíza Ana Valéria Santiago, do TJRO (Tribunal de Justiça de Rondônia), concorda que a inclusão das imagens pode sensibilizar futuros pais e mães. “Há estudos que dizem que o caráter de personalidade é formado até os sete anos, isso talvez espante um pouco esses pretendentes. O que é um grande equívoco. Como que o amor, um bom meio, um carinho e uma atenção não podem mudar o destino de uma criança?”, argumenta.

Adriana Milczvevsky, presidente do Grupo de Apoio Adoção Consciente, questiona o desejo dos pretendentes de receber uma criança plenamente saudável. “Toda criança que vai para adoção parou ali porque algo aconteceu que não foi feliz. As crianças perfeitas não estão para adoção. O saudável quase não combina com esse processo. A criança foi destituída de sua família por violência, negligência. Ela foi retirada, porque algum cuidado faltou.”

De acordo com a última atualização do cadastro no CNJ, são 7.714 meninos e meninas disponíveis para adoção no Brasil, enquanto há 40.014 interessados na fila para adotar. Segundo Ana Valéria, o Cadastro Nacional de Adoção existe justamente para cruzar esses dados de quem quer adotar com aqueles que devem ser integrados a uma família. Divulgar fotos e vídeos dessas crianças e adolescentes menos procurados pode quebrar essa barreira inicial dos pretendentes. 

Lídia Weber, psicóloga especialista em adoções, explica que há Estados no Brasil em que juízes proíbem, por exemplo, visitas aos abrigos. A ferramenta de fotos e vídeos poderia, então, atrair o interesse desses possíveis pais. “A gente costuma chamar isso de ‘apaixonamento’”, diz.

Sistema com acesso restrito

No Cadastro Nacional de Adoção, só pretendentes habilitados por decisão judicial têm o acesso aos dados das crianças e dos adolescentes. Atualmente são fornecidas informações tais como nome, sexo, raça, Estado, se possui irmãos e a condição de saúde. O novo cadastro deverá incluir ainda o CPF da criança, se frequenta a escola, se já esteve acolhida anteriormente, bem como dados de antecedentes criminais dos pretendentes. Na descrição das doenças, deverá ser incluída a microcefalia e o detalhamento de deficiências físicas e mentais.

As mudanças do cadastro do CNJ são baseadas em experiências bem-sucedidas em diversas partes do Brasil. A paranaense Ana ficou sabendo de Luiz e Gabriel por meio de um grupo fechado no Facebook. Ela conta que leu um post restrito a pretendentes habilitados para adoção.

“No dia 21 de janeiro, eu fiquei sabendo da existência deles. Manifestei interesse e o psicólogo me mandou as fotos no dia 24. Nós não queríamos adotar duas crianças. Mas decidimos enfrentar tudo dobrado. Nos apaixonamos pelos dois”, lembra. 

Além da experiência de grupos de apoio de adoção, o CNJ quer fazer o novo cadastro inspirado na iniciativa do MPRJ (Ministério Público do Rio de Janeiro). “Nós já tivemos no Rio muitos casos de adoções que começaram com esses encontros à distância, pessoas que assistiram vídeos e se interessaram por crianças que não estavam dentro do perfil desejado inicialmente”, explica o juiz Sérgio Luiz Ribeiro de Souza, da 4ª Vara de Infância, da Juventude e do Idoso da capital fluminense.

O projeto chamado “Quero uma Família” é um site mantido pelo MPRJ com dados de meninos e meninas que não encontraram habilitados com interesse em adotá-los. O objetivo é facilitar essa “busca ativa". “Na Vara chegam muitos querendo adotar um filho idealizado, mas nós queremos mostrar que os filhos ideais são essas crianças e adolescentes que são reais. O ideal numa adoção é a troca de amor entre pai e filho”, defende.

No sistema do Rio, o pretendente já tem acesso a fotos, vídeos ou até um desenho feito por crianças e adolescentes. “A gente não pode deixar essa criança completamente invisível. Temos que dar a ela todas as chances de ser adotada.”

* Os nomes foram alterados por fictícios a pedido dos entrevistados.