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Professores denunciam ameaça de PMs em audiência na Unifesp: "depois morre e não sabe por quê"

Docentes denunciam que PMs agrediram verbalmente participantes de audiência que discutia o Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos, na Unifesp, em Santos - Davi Ribeiro/Fotoarena/Folhapress
Docentes denunciam que PMs agrediram verbalmente participantes de audiência que discutia o Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos, na Unifesp, em Santos Imagem: Davi Ribeiro/Fotoarena/Folhapress

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

15/08/2017 16h37Atualizada em 18/08/2017 10h48

O campus da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) em Santos, litoral paulista, recebeu na última sexta-feira (11) uma audiência pública que discutia o Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos. Enquanto ocorriam discussões, policiais militares tomaram a palavra em tom de ameaça, segundo a coordenação geral do plano e uma associação de professores.

A Adunifesp (Associação dos Docentes da Unifesp) afirmou que havia cerca de cem PMs no local. Segundo a associação, quem tentou argumentar contra o que os PMs julgavam incorreto foi hostilizado.

"Bradavam por 'direitos humanos aos humanos direitos', 'mudar a nomenclatura Ditadura Militar de 1964 para Revolução de 1964', 'retirar a discussão de gênero nas escolas' etc", afirmou a Adunifesp, por meio de nota. Ainda segundo a associação, os policiais gritaram frases que foram desde "depois morre e não sabe o por quê" até "quando precisarem da polícia, chamem o Batman".

Segundo a Secretaria Estadual de Educação, as discussões seguem o Plano Nacional de Educação e servem para discutir e receber contribuições da sociedade civil acerca das educações básica, superior e não formal, além de assuntos relacionados à mídia e profissionais da Justiça e Segurança Pública.

11.ago.2017 - PMs participam de discussão sobre direitos humanos na Unifesp - Reprodução/Twitter/Apeoesp - Reprodução/Twitter/Apeoesp
PMs durante discussão sobre direitos humanos na educação, na Unifesp
Imagem: Reprodução/Twitter/Apeoesp

"Espetáculo de horror"

A construção do texto-base do plano ocorreu de fevereiro a julho deste ano, no auditório das sedes da Defensoria Pública e do Condepe (Conselho de Direitos Humanos), na capital paulista, contando com a participação de representantes dos poderes públicos e da sociedade civil, inclusive da PM, representada por seu alto escalão.

Depois da leitura do texto-base do plano de educação, começou a votação. "O que se viu foi um verdadeiro espetáculo de horror. Depois de perderem uma proposta, militares agrediram verbalmente professores e estudantes", informou a Adunifesp.

Durante a contagem dos votos, os policiais teriam gravado em vídeo e fotografado aqueles que votavam contra suas opiniões. A associação também disse que a alta patente fardada nada fez para controlar seus subordinados "que, aliás, quase agrediram fisicamente algumas docentes e estudantes".

Também por meio de nota, a coordenação geral do processo de elaboração do Plano de Educação manifestou repúdio e afirmou que vai cobrar "punição rigorosa em relação a qualquer comportamento que destoe do esperado de uma autoridade pública".

A coordenação afirmou na segunda-feira (14) que enviaria ao Comando Geral da PM, à Corregedoria da corporação e ao MP (Ministério Público) ofícios "solicitando a apuração rigorosa de faltas disciplinares porventura cometidas". Procurada, a Promotoria afirmou não ter conhecimento do ofício.

"Qualquer cidadão será bem-vindo a participar das próximas audiências, incluídos policiais militares, que poderão fazê-lo sem farda e desarmados, de maneira a não representar qualquer forma de intimidação", complementou a coordenação.

O corregedor Marcelino Fernandes afirmou à reportagem que teve ciência do assunto, mas que só comentaria o caso com a autorização do Comando Geral da PM. A SSP (Secretaria da Segurança Pública) não se posicionou até a publicação desta reportagem.

Por meio de nota, a Polícia Militar disse que um dos eixos de debate do evento era a composição entre direitos humanos e segurança pública e que, por esse motivo, estava prevista a participação de integrantes da corporação. "Poucos dos PMs que participaram estavam fardados e todos eles estavam desarmados para evitar qualquer tipo de constrangimento."

A corporação, que não comentou na nota sobre as denúncias de ameaça dos PMs, disse que, se alguém se sentiu "ameaçado, ofendido ou intimidado" por qualquer agente, pode procurar a Corregedoria da PM para que os fatos sejam apurados.

"PMs têm repúdio aos direitos humanos"

Em entrevista à Agência Pública, o tenente-coronel da reserva e mestre em Direitos Humanos pela USP (Universidade de São Paulo), Adilson Paes de Souza, afirmou que "há um repúdio à temática dos direitos humanos pela maioria dos policiais militares".

Para Souza, "existe um tabu" e o assunto não costuma ser comentado. "Você tem um ensino que nega a experiência e a própria realidade para os alunos. Eles não são preparados para atuar numa sociedade porque eles não conhecem a realidade dessa sociedade. Não é falado nada para eles sobre violência policial, sobre corrupção policial, sobre as falhas do sistema", afirmou.

2.abr.2014 - O tenente-coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo Adilson Paes de Souza critica a violência policial - Junior Lago/UOL - Junior Lago/UOL
Adilson Paes de Souza é mestre em Direitos Humanos pela USP
Imagem: Junior Lago/UOL

"Não é dito para eles de uma maneira enfática e baseado em casos práticos dos limites de ação da polícia. Eles não são super-homens, eles não podem fazer tudo em nome da segurança pública --eles têm limites e devem atuar dentro desses limites", complementou.

Ainda segundo o tenente-coronel aposentado, "a demonstração do que aconteceu na Unifesp é a prova --pra mim cabal-- de que a política de segurança é a política do extermínio, que apregoa e estimula a eliminação de pessoas em nome de uma pretensa segurança pública".

De acordo com a análise do PM, "cada vez mais esse tipo de atitude faz com que as pessoas desconfiem da polícia. As pessoas cada vez menos respeitam a polícia, elas mais temem a polícia. E aí nós temos um vazio."