Governo Temer reduz a zero repasses a políticas contra homofobia; Planalto diz investir em campanha
O governo do presidente Michel Temer (PMDB) reduziu a zero, em 2017, os repasses federais para programas específicos de defesa da comunidade LGBT. O Ministério dos Direitos Humanos confirma essa paralisação e diz que o dinheiro agora está sendo usado para campanhas de conscientização (leia mais abaixo).
Historicamente vinculados a ministérios como os de Direitos Humanos, Justiça e Cultura, os projetos para essa parcela da população têm sido paulatinamente cortados desde 2015 e estão, até agora, extintos neste ano.
Levantamento feito pelo Aos Fatos em registros dos sistemas de acompanhamento orçamentário Portal da Transparência e Siga Brasil demonstra que os investimentos federais para ações específicas de combate à homofobia saíram de pouco mais de R$ 3 milhões em 2008 para R$ 519 mil em 2016. Os valores foram reajustados pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).
Em 2008, durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), havia programas como "Fomento a Projetos de Combate à Homofobia", "Apoio a Serviços de Prevenção e Combate à Homofobia" e "Banco de Dados sobre Cidadania Homossexual e Combate à Homofobia".
A partir de 2013, o governo Dilma Rousseff (PT) centralizou recursos em ações de "Promoção e Defesa dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais".
Essas reservas orçamentárias serviam sobretudo para estabelecer convênios com municípios, Estados e organizações civis para instalação de centros de promoção e defesa da comunidade LGBT.
De 2008 a 2017, o governo federal desembolsou pouco mais de R$ 15,1 milhões para a agenda da defesa da população LGBT, dos quais R$ 9,1 milhões foram pagos nos últimos três anos do governo Lula. Em 2016, esse valor ficou em R$ 518 mil. Não há registro de pagamentos do governo para essas ações específicas em 2017.
Últimos repasses foram para cidades e Estados
Em 2016, último ano com reserva específica para a temática, foram destinados mais de R$ 512 mil para as cidades de São Paulo e Sapucaia do Sul (RS) e para o Estado da Bahia.
Na capital paulista, serviu para "implantar a Rede de Proteção Social e Promoção da Cidadania LGBT", segundo o Portal da Transparência.
Em Sapucaia do Sul, o repasse foi destinado para a elaboração e execução de "plano de ação de promoção dos direitos LGBT e enfrentamento a homofobia, lesbofobia, bifobia e transfobia" na região. Na Bahia, foi repassado para ações da Uneb (Universidade do Estado da Bahia).
Outras cidades como Contagem (MG), Canoas (RS) e Salvador (BA), além de Estados como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, receberam nos últimos anos valores para instalação de centros de atendimento e proteção à comunidade LGBT.
Ativista vê relação em menos dinheiro para campanha e mais assassinatos LGBTI
Reis, da Aliança Nacional LGBTI, classifica como “preocupante” a redução nos investimentos. “É interessante mostrar que, conforme aumentou o número de assassinatos LGBTI no Brasil, diminuíram os valores na aplicação do combate e enfrentamento à homofobia.” Segundo a ONG GGB (Grupo Gay da Bahia), os 227 homicídios registrados em 2017 até 20 de setembro representam a maior média de assassinatos desde 2008, quando a entidade passou a contabilizar os dados. Também pela primeira vez, a média de mortes ligadas à homofobia passou de um assassinato por dia.
Ele avalia a campanha “Deixe seu preconceito de lado, respeite as diferenças” como bacana, ousada, porém tímida. “Não foi tão explícita quanto a gente queria, mas é o que temos para hoje. E não foi divulgada. Não teve recurso para expandir para os meios de comunicação de massa: televisão, jornais, revistas."
Sobre a forma de prestação de contas, Reis defende: “Precisamos fazer o controle social das políticas sociais independente da coloração partidária. Temos de lidar com o Estado independente de governo”, continuou o ativista pelos direitos humanos, que considera bem-intencionada a professora Flávia Piovesan, coordenadora da Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça.
Governo federal diz que campanha "propicia disseminação da pauta"
Questionada, a assessoria de imprensa do Ministério dos Direitos Humanos reconhece em nota que não há rubrica orçamentária específica para políticas contra homofobia, mas afirma que em 2017 gastou R$ 1,5 milhão, por meio da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, em uma campanha publicitária chamada "Deixe seu preconceito de lado, respeite as diferenças".
O site da campanha, entretanto, redireciona para uma cartilha produzida pelo Ministério do Turismo publicada ainda em 2016. A cartilha explica conceitos como identidade de gênero, orientação sexual e LGBTfobia para profissionais do turismo no país. Também veicula um vídeo publicitário, um programete de rádio e peças gráficas. "Essas peças estão sendo distribuídas em uma rede de pontos parceiros estratégicos, como as secretarias estaduais", explica o Ministério dos Direitos Humanos.
Edney Souza, professor de marketing digital da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) afirma que, no ambiente online, é possível falar diretamente com o público interessado naquele conteúdo. Portanto, não basta saber qual o valor investido em qualquer campanha --que na internet pode ser menor que em mídias tradicionais--, mas entender como esse valor foi gasto. Pode ter sido com mais ou menos inteligência, gerando assim mais ou menos alcance da mensagem.
“No offline, a audiência é proporcional ao investimento. No digital, nem tanto. Mesmo um investimento baixo pode ter um impacto muito grande. Quando as pessoas compartilham uma propaganda, por exemplo, exposição do conteúdo aumenta de forma gratuita e orgânica”, exemplifica o professor.
Portanto, continua, essa transformação no cenário de mídia cria passos a mais na questão da transparência: como o valor foi investido e qual o impacto que ele teve entre o público. “A repercussão entre os fãs de um youtuber pode ser gigantesca ou não, dependendo se eles gostarem do conteúdo. Isso já é medido pelas empresas, quando divulgam suas marcas, e seria interessante a divulgação de relatórios semelhantes sobre campanhas do governo”, diz.
Conselho LGBT teve sete encontros no ano
Em nota, o ministério também afirmou gastar R$ 225 mil em diárias e passagens para integrantes do Conselho Nacional de Combate à Discriminação contra o Público LGBT.
Segundo a pasta, "propiciam a disseminação da pauta, por meio da participação e apoio a eventos vinculados à temática, e resultam no fortalecimento da articulação de políticas com os demais entes estatais".
No ano fiscal de 2017, entretanto, a reportagem não encontrou no Portal da Transparência o pagamento de diárias no nome de grande parte dos membros do colegiado. O único nome que aparece como beneficiário de repasses do Ministério dos Direitos Humanos é o de Luma Nogueira de Andrade, no valor total de R$ 3.413,60.
Questionado, o Ministério dos Direitos Humanos informou que a última reunião do conselho foi no último dia 29 de agosto, mas que o lançamento dos repasses em diárias e passagens no Portal da Transparência não é de sua competência. Neste ano, o Conselho LGBT se encontrou em quatro reuniões ordinárias e três extraordinárias.
A pasta diz ainda, por meio de assessoria, que o Disque 100, de denúncia de violações aos direitos humanos, também contempla políticas voltadas à população LGBT num custo anual total de R$ 22 milhões. Mas essa iniciativa inclui também atendimento a comunidades tradicionais, quilombolas, indígenas, idosos, crianças e adolescentes.
Afirma que foram gastos R$ 109 mil para a confecção dos relatórios de enfrentamento à violência LGBT e na produção de subsídios para construção do Pacto Nacional de Enfrentamento à LGBTfobia.
O último relatório em questão foi publicado em fevereiro de 2016, ainda na gestão Dilma, com dados referentes a 2013. No Siga Brasil e no Portal da Transparência, esse valor, se foi de fato gasto em 2017, não é especificado.
"Além dos valores das políticas descritas acima, foram destinados à Coordenação-Geral de Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais R$ 700 mil em emendas parlamentares, ainda em processo de liberação", diz ainda o ministério em nota.
Ao assumir a Presidência, em 2016, Temer reduziu a importância da Secretaria de Direitos Humanos. Sem status de ministério, a pasta foi incorporada ao Ministério da Justiça, perdeu autonomia orçamentária e foi alvo de cortes. Neste ano, contudo, Temer recriou o ministério, que tem à frente a jurista Luislinda Valois (PSDB).
* com Juliana Carpanez, do UOL
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