Prisão motivou morte de reitor afastado da Universidade Federal de Santa Catarina, dizem amigos
Amigos do reitor afastado da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Luiz Carlos Cancellier de Olivo, disseram ter indícios de que ele possa ter cometido suicídio devido ao fato de ter sido preso em uma investigação da Polícia Federal sobre desvio de verbas. Ele estaria fazendo tratamento com remédios psiquiátricos.
Olivo foi encontrado morto no Beiramar Shopping, em Florianópolis (SC). Ele caiu do sexto andar e a hipótese de suicídio é uma das principais linhas de investigação da polícia.
O jornalista Carlos Damião disse que Olivo era seu amigo e havia afirmado antes de morrer que não conseguiria se recuperar da prisão.
O também jornalista Moacir Pereira, amigo íntimo da família, escreveu em um jornal local que peritos teriam encontrado no bolso de Olivo um documento pessoal e um bilhete com a frase: "Minha morte foi decretada no dia de minha prisão".
A Polícia Civil não confirmou nem negou o encontro do suposto bilhete.
O reitor afastado havia sido preso no dia 14 de setembro na operação Ouvidos Moucos, da Polícia Federal, e liberado em seguida. A ação apurou supostos desvios de recursos do programa da UAB (Universidade Aberta do Brasil), destinados ao custeio de cursos de formação de professores à distância com o repasse de bolsas por meio da Fundação Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) -- vinculada ao Ministério da Educação.
Olivo estava afastado do cargo desde a deflagração da operação.
De acordo com o chefe de gabinete da UFSC, Áureo Mafra de Moraes, o reitor afastado “iniciou um tratamento psicológico a base de remédios, pois estava passando por uma situação de estresse pós-traumático".
Amigos de Olivo disseram que ele se sentiu injustiçado pela prisão. Quatro dias antes de sua morte, ele publicou um artigo no jornal O Globo intitulado “Reitor Exilado”. No texto ele escreveu “A humilhação e o vexame a que fomos submetidos — eu e outros colegas da UFSC — há uma semana não tem precedentes na história da instituição”.
Olivo e outros seis investigados foram presos em 14 de setembro e liberados no dia seguinte para responder em liberdade. A Polícia Federal apurava o desvio de cerca de R$ 80 milhões em verbas federais.
Ele também afirmou no artigo: “No mesmo período em que fomos presos, levados ao complexo penitenciário, despidos de nossas vestes e encarcerados, paradoxalmente a universidade que comando desde maio de 2016 foi reconhecida como a sexta melhor instituição federal de ensino superior brasileira”.
Cancellier passou uma noite do Complexo Penitenciário da Agronômica, por suspeita de obstrução da Justiça. O nome da operação "Ouvidos Moucos" seria uma alusão ao seu silêncio como gestor.
Ele foi substituído no cargo pelo pró-reitor Rogério Cid Bastos. Depois, a vice-reitora Alacoque Lorenzini Erdmann, que regressou do México, assumiu o cargo.
Ressentimentos
Esse afastamento gerou ressentimentos, que ficaram expressos no seu artigo no O Globo. Cancellier dizia não gostar da condição de “exilado”. No sábado, ele ganhou na Justiça o direito de frequentar a universidade por duas horas e meia. Isso aconteceria no dia 5 de outubro, quando ele queria aplicar uma avaliação nos alunos que orientava.
O reitor possuía graduação, mestrado, doutorado e pós-graduação em Direito. Atuava como professor em sua área até a campanha para a Reitoria, em 2015. Vitorioso, tomou posse em maio de 2016.
Ele se mudou para Florianópolis em 1977 para estudar Direito na UFSC. Militou em 1979 na UNE contra a ditadura militar. Acabou atuando no jornalismo durante muitos anos. Depois, atuou como assessor de imprensa do político Nelson Wedekin, para quem trabalhou na campanha para o Senado em 1986, e depois prestou serviços ao longo de oito anos.
Olivo nasceu em Tubarão (SC), filho da costureira Madalena e do operário lavador de carvão, Vitório.
Na semana em que foi deflagrada a operação Ouvidos Moucos, o ex-senador Nelson Wedekin se manifestou na coluna do jornalista Carlos Damião para repudiar a prisão do amigo. Segundo ele, “foi de uma violência, um abuso de arbítrio e força bruta, desmedido e desnecessário".
A Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina afirmou em nota: "É chegada a hora da sociedade brasileira e da comunidade jurídica debaterem seriamente a forma espetacular e midiática como são realizadas as prisões provisórias no Brasil, antes sequer da ouvida dos envolvidos, que dirá sua defesa. Reputações construídas duramente ao longo de anos de trabalho e sacrifícios podem ser completamente destruídas".
“Nunca vou me recuperar”
O jornalista Carlos Damião também era amigo do reitor afastado. Ele disse que acompanhou o depoimento de Cancellier com os seus advogados no dia 20 de setembro. No final do processo, teriam entrado no carro de Damião e conversado sobre as acusações. Segundo o jornalitsta, Cancellier pediu algumas baforadas do cigarro do ex-colega de redação, apesar de ter parado de fumar há oito meses.
Em tal ocasião, Olivo teria dito ao amigo: “É uma coisa da qual nunca vou me recuperar”.
Segundo Damião, na sua coluna do jornal Notícias do Dia, “a frase não se referia apenas à Operação Ouvidos Moucos, mas à forma degradante como foi tratado quando foi transferido da sede da PF para o Presídio da Agronômica”. Ele teria dito: “Todos os presos são tratados assim, despidos, constrangidos, com as partes íntimas revistadas. Depois são encaminhados ao pessoal do DEAP (Departamento de Administração Prisional), para serem acomodados nas celas”.
Seu irmão Júlio foi um dos familiares que reconheceu o corpo no Beiramar Shopping. Ele e o outro irmão, Acioli de Olivo, tinham combinado de buscar Cancellier em casa na tarde desta segunda-feira para passear.
O objetivo do passeio era "tirá-lo um pouco de casa, já que estava abatido por conta da prisão", disse.
O campus da Trindade está com bandeiras a meio mastro. As atividades administrativas foram suspensas. E as aulas deverão ser encerradas na maioria dos cursos. O velório irá ocorrer na terça-feira (3) na reitoria da UFSC.
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