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Governo reduz 95% de orçamento de programa contra seca nas zonas rurais do Nordeste e Minas

Casas na zona rural de Igaci (AL) contempladas com cisterna do governo federal - Beto Macário/UOL
Casas na zona rural de Igaci (AL) contempladas com cisterna do governo federal Imagem: Beto Macário/UOL

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió e Igaci (AL)

17/10/2017 04h00

Um dos principais e mais reconhecidos programas federais contra seca no semiárido sofre com cortes de verbas e tem uma previsão de redução de 95% no orçamento do próximo ano, o que ameaça inviabilizar a construção de cisternas nas zonas rurais do Nordeste e norte de Minas Gerais. 

A fila de espera por uma cisterna de primeira água --destinada para consumo doméstico--, segundo a ASA (Articulação do Semiárido, entidade que reúne 3.000 organizações sociais dos nove Estados da região semiárida), chega a 350 mil famílias. Nos últimos 15 anos foram construídos mais de 1,2 milhão desses equipamentos.

Já para as cisternas de segunda água --destinada à pequena agricultura e à criação de animais-- há uma necessidade de 600 mil equipamentos.

Apesar dos avanços, do reconhecimento internacional (o programa foi premiado em setembro, na China) e da necessidade de mais cisternas, segundo a PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) enviada pelo governo federal ao Congresso Nacional, a previsão para 2018 é de que haja investimento de R$ 20 milhões, o que significa um corte de 95% em relação ao orçamento deste ano --quando a verba prevista foi de R$ 248 milhões.

Levando em conta que uma cisterna de primeira água custa em média R$ 3.100, em tese o valor daria apenas para construir 6.451 equipamentos, ou seja, menos de 2% da demanda --isso se todo orçamento previsto for executado. Já uma cisterna de segunda água custa em torno de R$ 13 mil. Os valores incluem o curso obrigatório que é feito pelos beneficiários do programa.

A redução para 2018 também pode ser percebida quando comparada com o ritmo de construção nos últimos anos.

Segundo dados enviados pelo MDS (Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário) ao UOL, levando em conta as construções de cisternas de primeira água, nos últimos cinco anos a média de equipamentos construídos foi de 78 mil/ano. Neste ano, o ritmo está um pouco menor, com 27 mil contabilizadas até junho.

Gesan - Beto Macário/UOL - Beto Macário/UOL
Sem cisterna, Gesan Pereira Júnior, 22, usa tonel para guardar água em Igaci (AL)
Imagem: Beto Macário/UOL

Em nota enviada ao UOL, o MDS confirmou que os valores do orçamento foram contingenciados para 2018. A nota diz que a previsão de gastos foi enviada ao Congresso baseada na meta fiscal anterior.

"Com a nova meta aprovada pelo Congresso Nacional, haverá uma readequação nos recursos disponíveis para a pasta", informou.

"Vale ressaltar que o MDS trabalha permanentemente para que nenhuma ação ou programa sejam prejudicados ou interrompidos", complementou.

"Não diria que o governo está zerando o programa, mas é uma redução muito drástica. O valor é muito menor que a demanda e ao que orçamento que vinha se prevendo", diz Rafael Neves, coordenador do programa Um Milhão de Cisternas, da ASA.

Neves diz que além de os recursos serem poucos, não se sabe como eles serão distribuídos. "O governo fala em lançar edital para o semiárido, mas não se sabe", diz.

"Você tem uma ação que vem vindo historicamente e viabilizando a permanência das famílias na zona rural do semiárido. Com esse corte, inviabiliza. Isso nas economias locais é um impacto enorme. Há injeções de recursos nesses municípios", completa. 

Gambiarra no telhado ajuda, mas família passa sufoco

Em Igaci, no semiárido alagoano, existem em torno de 500 famílias que ainda aguardam uma cisterna de primeira água.

Na casa de Vanderleia, 28, e Joseildo da Silva, 30, a longa seca fez com que o casal improvisasse. Uma calha de alumínio foi colocada no telhado, e a água da pouca chuva que cai fica armazenada em uma pequena caixa d'água. 

Casal cisterna - Beto Macário/UOL - Beto Macário/UOL
Casal Joseildo, 30, e Vanderleia da Silva, 28, improvisou calha e caixa d'água para tentar armazenar água
Imagem: Beto Macário/UOL

Só que, como a caixa é pequena, não demora a ser consumida --o que gera transtornos na estiagem.

"Esse improviso ajuda, mas, quando a seca apertou, a gente ia de casa em casa pedir água e trazia com o balde. Era um sufoco", conta Vanderleia, mãe de dois filhos e que trabalha com o marido no cultivo do fumo de rolo.

Gesan Pereira Junior, 22, também fez o cadastro há dois anos e ainda aguarda pela cisterna. "Hoje guardo água em tonéis porque não tenho onde colocar. Seria um sonho ter uma cisterna, melhoraria demais a vida."

Para José Ferreira de Araújo, presidente da AAGRA (Associação de Agricultores Alternativos) de Igaci, a construção de cisterna deve ser uma política permanente. 

"Esses números nunca fecham porque há pessoas que sempre constroem casas. Aqui é comum gente ir trabalhar em São Paulo por um tempo e, quando volta de lá, constrói sua casa. Há jovens que casam. Ou seja, a lista de espera é dinâmica", diz.

Política premiada internacionalmente

Segundo o observatório do Insa (Instituto Nacional do Semiárido), dos 452 reservatórios monitorados pelo órgão federal, 216 estão hoje com menos de 10% do volume. Ao todo, somada a água de todos os reservatórios do semiárido chega-se a 13% do volume total.

No dia 11 de setembro, o programa brasileiro de cisternas recebeu o prêmio Future Policy Award (Política para o Futuro), em Ordos, na China.

A premiação homenageia ações de combate à desertificação e à degradação da terra e é concedido pelo World Future Council, em cooperação com a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação.