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Juiz manda soltar tenente suspeito de matar turista na Rocinha, mas inquérito militar o mantém preso

Turista morta na Rocinha estava em um carro de uma agência de turismo. Ela havia acabado de fazer um passeio pela favela - Hanrrikson de Andrade/UOL
Turista morta na Rocinha estava em um carro de uma agência de turismo. Ela havia acabado de fazer um passeio pela favela Imagem: Hanrrikson de Andrade/UOL

Hanrrikson de Andrade e Luís Adorno

Do UOL, no Rio e em São Paulo

24/10/2017 15h39Atualizada em 24/10/2017 18h49

O juiz Juarez Costa de Andrade concedeu nesta terça-feira (30) liberdade provisória ao tenente da Polícia Militar Davi dos Santos Ribeiro, 30, identificado como autor do disparo que matou a turista espanhola Maria Esperanza Ruiz Jimenez, 67, ontem (23), na favela da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro.

O alvará de soltura expedido em audiência de custódia, no entanto, vale apenas para a Justiça comum. Como o oficial também é investigado na esfera militar e está preso em flagrante por determinação da Corregedoria da PM, Ribeiro continuará detido na unidade prisional da corporação, em Niterói, na região metropolitana do Estado. A informação foi confirmada pela Polícia Militar.

Na decisão, o magistrado rejeita o pedido do Ministério Público do Estado, que, com base na investigação da Polícia Civil, havia pedido a conversão da prisão em flagrante para preventiva. De acordo com o delegado responsável pelo caso, Fábio Cardoso, a turista espanhola foi vítima de um homicídio qualificado, isto é, sem chance de defesa para a vítima.

"Foi um tiro de fuzil, que acertou o pescoço da vítima por trás. Ele tangenciou pelo pescoço, foi um tiro de alta energia e que causou uma lesão muito grande."

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Para o juiz que presidiu a audiência de custódia, a soltura do PM se justifica pelo fato de que ele estava trabalhando no momento em que efetuou dois disparos contra o carro da vítima --ela, o irmão e a cunhada estavam retornando de um passeio turístico pela Rocinha quando houve a tentativa de abordagem policial. Além disso, o magistrado observou que o suspeito possui "imaculada ficha funcional".

“Neste contexto, se de um lado, o trágico acontecimento repercutiu nesta capital e no mundo, fato é que o custodiado estava trabalhando, possui imaculada ficha funcional, não havendo indícios de que solto possa reiterar o comportamento criminoso ocorrido à luz do dia”, diz a sentença.

Ribeiro esteve nesta madrugada na sede da Divisão de Homicídios, mas optou por ficar em silêncio durante o depoimento. "Ele foi ouvido ontem e se reservou ao direito de ficar calado. Mas a gente conseguiu evidenciar que ele foi o autor do disparo. Então, ele está preso e vai responder por homicídio qualificado contra a espanhola", disse Cardoso.

A reportagem do UOL não conseguiu contato com a defesa dos PMs envolvidos no caso.

Maria Esperanza foi morta com um tiro no pescoço quando deixava a Rocinha, depois de fazer um passeio turístico pela favela. Ela estava em um carro contratado por uma agência de turismo na companhia do irmão, da cunhada, do motorista e de uma guia brasileira (pessoa paga para apresentar a comunidade aos turistas). A tragédia ocorreu por volta das 10h30 de segunda, em uma localidade conhecida como largo do Boiadeiro. Cerca de duas horas antes, segundo a DH, houve um confronto armado entre policiais e traficantes na região.

Foram detidos em flagrante, horas após o crime, Ribeiro e um outro policial que participou da ação, o soldado Luís Eduardo de Noronha Rangel. Os dois efetuaram disparos durante uma suposta abordagem, mas somente o tenente alvejou veículo --o colega teria atirado para cima, de acordo com a Divisão de Homicídios.

Por esse motivo, apenas Ribeiro foi indiciado pelo crime de homicídio qualificado no âmbito da Justiça comum. Na esfera militar, por sua vez, ambos são investigados. Rangel também continua preso por determinação da Corregedoria da PM.

A Rocinha tem sido palco de intensos tiroteios e atos de violência há mais de um mês, por conta de uma disputa entre grupos rivais pelo controle do tráfico de drogas. A briga levou o Estado a reagir com uma operação de cerco militar, com apoio das Forças Armadas, mas as tropas ficaram na favela por uma semana apenas. A segurança na região ficou a cargo da PM, que mobilizou efetivo de 550 policiais para conter a violência na comunidade. O clima, no entanto, continua tenso em toda a região.

Motorista escapou por pouco

Os dois tiros dados por Davi acertaram o veículo --no vidro traseiro e no para-choque. Um deles feriu Maria Esperanza e, por pouco, também não atingiu o motorista do carro, pois o projétil transfixou e acabou acertando o encosto do banco dianteiro.

"Foi um tiro de fuzil, que acertou o pescoço da vítima por trás. Ele tangenciou pelo pescoço, foi um tiro de alta energia e que causou uma lesão muito grande. Esse tiro, além de atingir e matar a turista espanhola, atingiu também a parte traseira do encosto do banco do motorista", relatou o delegado Fábio Cardoso.

"Por muito pouco, o motorista do veículo não foi atingido e morto com um tiro na cabeça", completou.

Em depoimento, o soldado Rangel afirmou que os disparos foram efetuados porque o motorista não teria acatado uma "ordem de parada" --versão que foi contestada pelo condutor, que disse à Divisão de Homicídios, na segunda, não ter percebido qualquer tipo de bloqueio ou blitz policial.

Em nota, a Polícia Militar informou que, assim como as demais forças de segurança do país, segue os procedimentos estabelecidos no Manual de Abordagem. "O referido manual determina que, em casos como o que ocorreu nesta data, os policiais não devem efetuar disparos, mas sim perseguir o veículo que não obedeceu a ordem de parar e bloquear sua passagem assim que for possível. A razão pela qual o procedimento não foi cumprido é também objeto da investigação em curso."

Suposto comunicado pelo rádio

Rangel também relatou que, pouco antes da tentativa de abordagem aos turistas, um carro do mesmo modelo havia furado um bloqueio policial. O soldado envolvido na ação disse ter recebido essa informação pelo rádio.

"Um carro da mesma marca e modelo teria furado uma outra barreira em um outro local, distante dali [do largo do Boiadeiro, onde os disparos foram efetuados]. A partir disso, eles afirmam que deram a ordem de parada não acatada. Ordem essa que, ressalto, não foi visualizada pelo motorista, pelo guia e pelos turistas."

"Se eles deram ordem de parada, não o fizeram de uma forma visível, que pudesse ser observada por quem estava dentro do carro. E, mesmo que essa ordem não tivesse sido vista, não se justifica atirar contra o veículo", acrescentou o delegado.

O titular da DH explicou que, segundo relato do motorista, na chegada à favela, o carro já havia sido abordado por uma equipe da PM. O veículo foi parado e revistado, narrou o condutor, mas não houve tentativa de fuga. O acesso teria sido liberado tão logo os policiais comprovaram que se tratava apenas de uma visita turística.