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Com drones e novas ferramentas, detetives se equilibram entre tecnologia e privacidade

Os detetives Wanderson Castilho e Luciana Leonel - Arte/UOL
Os detetives Wanderson Castilho e Luciana Leonel Imagem: Arte/UOL

Diego Toledo

Colaboração para o UOL, em São Paulo

26/11/2017 04h00

Maxwell Smart, o agente 86, com seu sapatofone, e Mário Fofoca, com sua maleta de acessórios, são personagens que ficaram para trás. Os detetives da ficção, que fizeram sucesso em séries cômicas de televisão no Brasil e no exterior, já não servem nem mesmo de paródia para os investigadores dos dias de hoje.

Os detetives particulares da vida real procuram usar o que existe de mais moderno em matéria de tecnologia: microgravadores de áudio e vídeo, rastreadores de veículos do tamanho de uma caixa de fósforos, aplicativos “espiões” que monitoram toda a atividade de um telefone celular e até drones para captar imagens aéreas em locais de difícil acesso.

“Eu sou da época em que os gravadores eram com fita cassete. A gente tinha uma limitação grande para colher informações”, afirma Fabrício Dias, 38, fundador da agência de investigações Líder Detetives, que atua no ramo há quase 20 anos.

“Hoje, a carga de informação é muito maior”, observa o investigador. “Existe, por exemplo, a tecnologia de drone. Você consegue subir um drone e filmar o que está acontecendo lá em cima, na cobertura de um prédio. Isso é um baita recurso, que há 20 anos você nem sonhava. Era coisa de filme. Hoje, você consegue.” Um exemplo no mundo do futebol, revelado esta semana, é que o Grêmio utilizava drones para espionar treinos de clubes rivais.

Drone - Divulgação - Divulgação
Pequeno drone equipado com câmera que pode ser controlado pelo smartphone
Imagem: Divulgação

Se por um lado, a tecnologia facilitou o trabalho dos detetives, por outro fez a concorrência aumentar e criou novos dilemas para as investigações. A lei que reconhece a profissão, em vigor desde abril, determina que o profissional deve preservar o sigilo de fontes, respeitar o direito à privacidade, à intimidade, à honra e à imagem das pessoas. E só pode atuar em um caso criminal se tiver autorização expressa do cliente e da polícia.

“Limite à privacidade só dentro do lar da pessoa”, diz Evódio Eloísio de Souza, 75, presidente do Sindicato Nacional dos Detetives, que trabalha como investigador há mais de 50 anos. “À medida que a pessoa sai para a rua, não existe privacidade nenhuma. Você está livre para investigar.”

Além de comandar a entidade de classe, Souza mantém a sua própria agência de investigação, com uma equipe de 15 detetives, e seu filho também participa do negócio, que conta também com um instituto que forma novos detetives.

Rastreador de veículo - Divulgação - Divulgação
Rastreador de veículo utilizado por detetives
Imagem: Divulgação

Casos conjugais

O detetive Souza conta que sua especialidade são casos empresariais --clientes que contratam o serviço de investigação para descobrir fraudes, desvios de dinheiro e mercadorias e práticas desleais da concorrência.

No curso oferecido pelo veterano investigador e por seu filho, no entanto, foram formadas detetives como Daniele Martins, 31, e Luciana Leonel, 39. Ambas ficaram famosas por aparições em programas de televisão e por se especializarem em casos de infidelidade conjugal.

“Boa parte dos clientes não quer aparecer, então a gente hoje trata tudo por WhatsApp”, conta Luciana. “Hoje, as informações são praticamente em tempo real, principalmente em casos de flagrante. O cliente fica sabendo na hora e fica por conta dele querer ir até o local ou não.”

Assim como os colegas Souza e Fabrício Dias, Luciana diz entender que o limite da privacidade é aquele definido por lei. Os três detetives afirmam que tomam precauções para agir sempre dentro da legalidade e que escutas e outras ferramentas de monitoramento são usadas apenas com autorização expressa, por escrito, dos clientes.

“Quando você tem um cônjuge e quer investigar, isso é completamente legal, não é crime”, observa Luciana. “Crime é quando a pessoa usa o que ela tem para difamar o parceiro ou quem quer que seja o investigado. O serviço é completamente sigiloso. A partir do momento em que a gente entrega o material para o cliente, não nos cabe mais nenhum tipo de responsabilidade pela atitude que o cliente venha a ter.”

A detetive reconhece que, em alguns casos, nem sempre o cliente conta toda a verdade, mas diz que o papel da agência de investigação é cumprir o acordo firmado com quem contratou o serviço.

“Teve um caso de uma mulher que nos procurou para investigar o marido com relação à vida conjugal. Descobrimos que o cara era um traficante”, conta Luciana. “Este tipo de informação, a gente passa para a cliente e acabou. A nossa parte foi feita. O que ela vai fazer com a informação é por conta da cliente.”

"Quem está na internet é rastreado"

Em meio ao uso crescente da tecnologia em investigações particulares, também é cada vez mais comum encontrar profissionais que oferecem serviços especializados em buscar informações no ambiente digital.

Esse é o caso de Wanderson Castilho, 47, dono de uma empresa de segurança digital, com sede em Curitiba. Seus principais clientes são companhias que querem identificar as vulnerabilidades de seus sistemas e impedir fraudes e a ação de hackers. Mas ele também atende pessoas físicas que estejam sendo vítimas de crimes na esfera digital.

“Posso dizer que praticamente 80% dos crimes na internet hoje são casos de difamação: imagens ou textos de uma pessoa, publicados sem autorização ou com o intuito de prejudicá-la”, afirma o perito digital.

Entre outros trabalhos, Castilho ajudou a jornalista Rose Leonel, 46, a conseguir provas contra o ex-noivo, que, em 2006, vazou na internet imagens íntimas do casal. Há quatro anos, ela fundou uma ONG para dar orientação e apoio a mulheres em situações semelhantes.

Nesta quarta (22), Leonel esteve no Senado, para acompanhar a sessão em que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania aprovou um projeto de lei que criminaliza a chamada “vingança pornográfica” --a divulgação não autorizada da intimidade sexual de uma pessoa.

“Hoje, em muitos casos, não tem mais necessidade de você seguir uma pessoa, tirar fotos, porque você pode ir atrás dela na própria internet”, afirma Castilho. “Existem mecanismos para você rastrear uma pessoa. Hoje, quem está na internet é rastreado.”

O especialista em crimes digitais avalia ainda que, além de facilitar o trabalho de investigação, a tecnologia também oferece ferramentas para que qualquer pessoa possa agir como um detetive de seus próprios interesses.

Castilho cita o exemplo do empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS, que gravou áudios de conversas com importantes figuras políticas para a sua delação premiada no âmbito da Operação Lava Jato. “O Joesley, com todo o dinheiro que tinha, não contratou um profissional para fazer as escutas. A tecnologia gerou vários investigadores, que são os próprios interessados”, conclui o perito.