Polícia reclassifica como feminicídio 9 mortes da chacina do Réveillon em Campinas (SP)
A Polícia Civil em Campinas (SP) alterou a tipificação penal de homicídio simples para homicídio qualificado como feminicídio de nove dos 11 assassinatos ocorridos na chacina do último Réveillon na Vila Proost de Souza. Como o atirador se matou após cometer o crime, a mudança tem apenas efeito estatístico, já que não haverá um julgamento do caso.
A chacina foi executada pelo técnico em laboratório Sidnei Ramis de Araújo, 46, que pulou o muro da residência onde as pessoas festejavam a virada do ano e matou nove mulheres e dois homens, incluindo a ex-mulher, Isamara Filier (41), e o filho deles, João Victor Filier de Araujo, 8. Em seguida, Araújo atirou contra a própria cabeça.
O feminicídio é considerado agravante do homicídio desde 2015, por conta da lei 13.104/2015, que tornou crime hediondo o assassinato de mulheres --cisgêneras e transexuais -- quando envolver, entre os motivadores do crime, violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
A alteração feita pelo Setor de Homicídio e Proteção à Pessoa (SHPP) de Campinas no boletim de ocorrência do caso surgiu após a campanha “IssoÉFeminicídio”, realizada também em cidades como Recife e Porto Alegre a partir de crimes locais
No caso da cidade paulista, três coletivos coordenaram a ação que cobrou a mudança. Especialistas ouvidos pelo UOL, na ocasião, também defenderam a classificação de feminicídio.
“O caso dessa chacina foi muito simbólico; acreditamos que ele possa ser um ponto de partida importante para que o Estado reconheça que crimes motivados por ódio às mulheres têm o agravante do feminicídio”, avaliou a advogada Natália Zanella, do coletivo “Parajás”, um dos envolvidos na campanha.
Segundo a advogada, a mudança do tipo penal é um alerta também para a importância de as polícias estarem preparadas para reconhecer crimes de ódio contra mulheres como feminicídios. “Porque só assim teremos estatísticas sobre isso, o que é muito importante para a definição de políticas públicas sobre esses crimes”, concluiu.
No último dia 8, integrantes dos coletivos realizaram um ato avenida Francisco Glicério, em Campinas, com nove mulheres deitando na via pública por nove minutos em memória das nove mulheres vítimas na chacina.
O inquérito sobre o caso foi concluído pela Polícia Civil, no último dia 26 de outubro, sem descobrir a origem da arma usada pelo autor dos disparos. "Mesmo com as inúmeras diligências realizadas, não foi possível identificar a origem da arma de fogo, uma vez que não há qualquer registro, em todos os bancos de dados pesquisados, estaduais e federais", afirmou a Secretaria da Segurança Pública, à época, em nota.
"Investigação precisa ter perspectiva de gênero", defende juíza
Em março passado, quando a lei do feminicídio completou dois anos, o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) lançou uma campanha para reforçar a necessidade de se classificarem conforme, a nova lei, os homicídios que ocorrem contra a mulher pela própria condição de gênero da vítima.
“O feminicídio tem um aspecto bastante diferenciado dos homicídios e de outros crimes. Para que se consiga a responsabilização do agressor, e, em última análise, da erradicação do fenômeno, precisamos ter um apego a regras técnicas que nos levem a conduzir o processo de forma mais efetiva e concreta”, avaliou, na ocasião, a juíza Teresa Cristina Cabral, chefe da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica.
Entre as críticas correntes entre vozes contrárias a se classificar homicídio contra mulheres como feminicídio, por exemplo, está a de que não há classificação equivalente para os homens.
“É preciso formar profissionais com a perspectiva de gênero para eles entenderem o feminicídio, darem a tipificação penal dele e compreenderem o que é o assassinato de mulheres porque são mulheres”, explicou, para completar: “Quem afirma que não há uma nomenclatura específica para os assassinatos de homens desconhece a realidade de mortes violentas de mulheres, que têm um diferencial: as mulheres que morrem porque são mulheres padecem de uma coisificação, uma objetificação e um pertencimento que criam uma vulnerabilidade que exige essa diferenciação”, atestou.
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