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Ativistas denunciam ação "de guerra" da PM e da GCM na cracolândia

Ação da PM e da GCM nesta quinta (11) na cracolândia - Divulgação - Divulgação
Ação da PM e da GCM nesta quinta (11) na cracolândia
Imagem: Divulgação

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

11/01/2018 21h13

Ativistas de direitos humanos e a ouvidoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo acusam a Polícia Militar e a GCM (Guarda Civil Metropolitana) de agirem violentamente e sem chance de defesa contra usuários de drogas em uma ação nessa quarta-feira (10) na Cracolândia, na Luz, região central da capital paulista. Nova ação das duas corporações, com bombas de efeito moral e balas de borracha, aconteceu no final da tarde desta quinta (11).

A ação de ontem deixou ao menos sete usuários e dois GCMs feridos e foi comparada pelos entrevistados a operações recentes como a que gerou a debandada do fluxo de usuários da alameda Dino Bueno e da rua Helvétia para a praça Princesa Isabel, a 400 metros dali. Na ocasião, no dia 21 de maio, a operação da PM e da GCM também deixou feridos, resultou em prisões de suspeitos de tráfico e fez o prefeito João Doria (PSDB) afirmar que “a cracolândia acabou” --discurso que mudou, ao longo dos últimos meses, para a narrativa de que o fluxo teria diminuído, e o tráfico, terminado.

O UOL conversou com dois ativistas voluntários que documentam, em vídeos e fotos, a ação das autoridades de segurança na cracolândia, além de um agente de saúde que atua junto ao fluxo. Os três estavam no local no momento da confusão. O ouvidor da Defensoria Pública do Estado, Alderon Pereira da Costa, e o coordenador da Pastoral do Povo de Rua, padre Júlio Lancelotti, chegaram pouco depois, com os feridos ainda no local.

Ao menos sete pessoas ficaram machucadas na cracolândia, segundo a ouvidoria da Defensoria Pública do Estado - Divulgação - Divulgação
Ao menos sete pessoas ficaram machucadas na cracolândia, segundo a ouvidoria da Defensoria Pública do Estado
Imagem: Divulgação

De acordo com o ouvidor, ele conferiu ao menos sete usuários feridos com cassetetes ou balas de borracha, além de estilhaços de bombas de efeito moral.

“Constatei um cenário de pessoas machucadas, molhadas pela chuva e com cobertores encharcados. Um cenário de muita violência como há muito eu não via, e posso dizer que acompanho o processo ali há um bom tempo”, disse. “Uma grávida que relatou ter ido ontem à cracolândia, pela primeira vez, relatou que um PM jogou spray de pimenta na cara dela. Uma usuária ficou com as costas marcadas de cassetete. Outros tantos levaram balas de borracha”.

“A prefeitura pode até insistir no discurso de que a cracolândia está acabando, mas o que tem aumentado é a violência contra essas pessoas. Cada ação dessas não apenas machuca um grupo muito grande de pessoas, sem que, não raro, não se consiga garantir que os feridos sejam atendidos, como também afeta os trabalhadores dos serviços de assistência social e saúde e os moradores do entorno. É inaceitável um absurdo desses”, classificou o ouvidor. “A única política que parece ser adotada ali é a da violência”.

A partir dos depoimentos coletados no local e de fotos e vídeos, ele encaminhará, até segunda (15), um relatório ao Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública. Em agosto passado, o núcleo já havia classificado outra ação da GCM na cracolândia como abusiva.

Ferido em ação da PM e da GCM na cracolândia exibe marca feita por bala de borracha - Pastoral do Povo de Rua/Divulgação - Pastoral do Povo de Rua/Divulgação
Ferido em ação da PM e da GCM na cracolândia exibe marca feita por bala de borracha
Imagem: Pastoral do Povo de Rua/Divulgação

"Policial se sentiu desrespeitado e atirou"

Voluntário da Pastoral do Povo da Rua e morador das imediações, o atendente Vagner Moreira, 36, explicou que havia a informação, entre células de voluntários, de que a PM e a GCM estavam para agir. Por essa razão, explicou, ele foi até as proximidades do fluxo com outra voluntária.

Ele contou que os usuários foram dispersados na alameda Cleveland, onde passaram a se concentrar desde abril do ano passado, inicialmente para a limpeza do espaço –o que acontece todos os dias, de manhã e à tarde.

Ainda na alameda, relatou, “um policial se sentiu desrespeitado e deu um tiro para o alto”, momento em que os usuários começaram a correr no sentido da praça Princesa Isabel. A uma quadra da alameda, no entanto, estava a GCM, que os teria cercado.

“A GCM reagiu também com cassetetes e tiros de bala de borracha. Trataram pessoas doentes com se fossem marginais”, criticou Moreira.

"Parecia um treino de guerra", diz voluntária de pastoral

Também voluntária da pastoral presente à cracolândia, Nadina Grillo, 55, relatou o que, para ela, “parecia um treino de guerra”.

“Depois de toda a correria, ainda passou um carro da PM e atirou duas bombas na calçada, perto das tendas de atendimento aos usuários. Todos os dias essas pessoas têm sido pressionadas a sair dali, ao que parece”, complementou. “É desesperador.”

O coordenador da pastoral reforçou: “Essa violência toda é como uma ‘operação saturação’ para ver se os usuários desistem de ficar ali. Infelizmente, os interesses eleitorais e econômicos com quem domina o mercado imobiliário ali naquela região parecem estar acima de qualquer outro. Mas isso não faz acabar a cracolândia ou o tráfico: isso fere pessoas”, declarou Júlio Lancelotti. “As autoridades continuam usando o diapasão de guerra. Mas essa visão de guerra não tem resultados satisfatórios – e diversos países já perceberam isso”, definiu.

Vínculos com usuários foram afetados, diz funcionário

Um orientador sócio educativo que presta serviços à Prefeitura falou ao UOL sob a condição de anonimato, a fim de evitar represálias.

"Os agentes de saúde e as assistentes estão com medo, porque a ação da PM e da GCM foi muito violenta e desrespeitosa até com os profissionais. Não teve gente nossa ferida, mas temos usuários feridos e hoje não conseguimos trabalhar normalmente, porque tivemos de fazer esse suporte aos usuários internados e os vínculos foram afetados", afirmou. 

De acordo com ele, uma usuária ferida foi atendida no Pronto Socorro da Barra Funda, e outro, no Hospital do Servidor. "Isso abalou o emocional e os vínculos com os atendidos, a violência desconstrói esse trabalho. Ficamos cercados a ponto de que alguns de nós tivemos de sair das bases de atendimento por causa da ação", narrou.

GCM admite "intervenção necessária para proteger agentes"

Procurada, a PM de São Paulo não se manifestou sobre as ações de ontem e de agora à tarde.

Em nota, a Secretaria Municipal de Segurança Urbana informou que, "durante a realização dos serviços de rotina de zeladoria urbana", ontem segundo a GCM, "ocorreu tumulto decorrente da retirada de barracas do fluxo, usadas por traficantes para esconder a venda de drogas".

"Após os usuários começarem a jogar pedras e objetos contra os guardas civis metropolitanos, foi necessária uma intervenção para proteger os agentes", disse a nota. Conforme a pasta, os dois GCMs feridos "pelos objetos arremessados" foram levados ao Hospital do Servidor Público Municipal.

Sobre a ação de hoje, a GCM informou que usuários reagiram às ações de zeladoria no local. Não foi informado se houve feridos.