Após decisão do STF, mães presas aguardam para cumprir pena em casa: "Cada dia aqui é uma eternidade"
Dos sete filhos de Joana*, 28, apenas o mais velho, de nove anos, a visita no presidio Santa Luzia, em Maceió. "Eles sempre perguntam quando eu vou voltar, mas eu peço pra minha mãe não dizer que estou presa, que diga que estou trabalhando fora", conta a mulher ainda à espera de julgamento e detida há cinco meses por acusação de tráfico de drogas.
O UOL entrou na penitenciária feminina e conversou com presas que estão grávidas, convivem com a saudade dos filhos e até criam bebês no local.
Elas vivem sob a expectativa do direito à liberdade após o habeas corpus coletivo do STF (Supremo Tribunal Federal) para as gestantes e mães de crianças até 12 anos.
O relator do habeas corpus no Supremo, ministro Ricardo Lewandowski, explicou em seu voto que a decisão se baseia nos "evidentes e óbvios os impactos perniciosos da prisão da mulher, da posterior separação de seus filhos, e no bem-estar físico e psíquico das crianças".
O STF determinou que os tribunais estaduais e federais analisem os casos das mulheres e cumpram a decisão em até 60 dias (o prazo termina em 21 de abril). O habeas corpus se estende a mães adolescentes em medida socioeducativa e aquelas que tenham sob sua guarda pessoas deficientes --nesse caso independentemente, da idade.
Há 210 presas no único presídio feminino, sendo que 79 delas se enquadram nos critérios do habeas corpus --embora muitas ainda precisem entregar a documentação dos filhos.
"Estamos entrando em contato com as famílias para que enviem as certidões. Estamos encaminhando todos os dados e documentos para a Defensoria Pública, que deve fazer os pedidos diretamente aos juízes naturais dos processos", conta a advogada do presídio Nayara Barros.
"Mãe, até os bebês estão presos?"
Na última visita que fez a Joana, o filho de nove viu os três bebês que moram hoje no presídio.
Olhando para eles, questionou: "Mãe, até os bebês estão presos?". A mãe não conseguiu dar uma resposta.
Anteriormente, Joana já havia ficado presa durante um ano pela mesma acusação. Diz que entrou no mundo do tráfico de drogas por influência do primeiro marido. Hoje ele está detido na cadeia ao lado pelo mesmo motivo que ela.
Grávida de seis meses, o oitavo filho de Joana terá um quinto pai diferente. Suas crianças hoje são criadas pela avó, que mora na cidade vizinha de Rio Largo.
O novo marido de Joana é um dos poucos companheiros que visitam mulheres no presídio --é quase uma regra entre as mulheres serem abandonadas quando são presas.
"Eu tenho muita saudade dos meus filhos, cada dia que passo aqui é uma eternidade", diz, afirmando que não quer mais participar de crimes. "Se eu continuar nisso, eu vou viver aqui ou vou morrer. Se eu fizer [isso], vou causar sofrimento neles, na minha mãe."
"Minha filha só pode ver o sol enquadrado"
Ana*, 24, teve a pequena Milena, há quatro meses, nascida durante sua estadia na prisão. Ela já tinha outros dois filhos, de dois e cinco anos.
Agora enfrenta o desafio de criar uma criança no presídio. "Não é fácil ter um filho aqui dentro. É uma coisa que não tem nem como explicar... Ela só pode ver o sol enquadrado, mas não é a mesma coisa que lá fora. Ela também não conhece os irmãos", diz.
Conta que há nove meses não vê os filhos. "Vi apenas uma vez eles passando pela brechinha com a minha mãe. Meu filho mais velho abaixou a cabeça e eu vi. Foi a última vez, nove meses atrás", relata, sem segurar as lágrimas.
"Ninguém quer ter filho numa situação dessas"
Maria*, 25, está grávida de três meses e tem esperança de não ter o filho enquanto estiver presa. "Seria ruim demais, ninguém quer ter filho numa situação dessas", diz, confiante em uma soltura pela ordem do STF.
Ela diz ter sido presa em flagrante durante um mandado de busca e apreensão na cidade onde morava, Marechal Deodoro (Grande Maceió), no dia 28 de janeiro. "Eles me viram com droga e me trouxeram", diz. A detenção aconteceu logo após se separar e descobrir a gravidez.
Segundo o Cadastro Nacional de Presas Grávidas ou Lactantes, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), no final de fevereiro existiam 420 mulheres grávidas e 265 amamentando em prisões. O número de mães de crianças com mais de seis meses e até 12 anos não foi informado.
* Os nomes foram trocados pela reportagem para preservar as entrevistadas.
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